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Revista SÍNTESE Direito Civil e Processual Civil

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Academic year: 2021

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Revista SÍNTESE

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urisPruDênCia

Superior Tribunal de Justiça – nº 45/2000 Tribunal Regional Federal da 1ª Região – nº 20/2001 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – nº 1999.02.01.057040-0

Tribunal Regional Federal da 3ª Região – nº 19/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – nº 07/0042596-9

Tribunal Regional Federal da 5ª Região – nº 10/2007

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Elton José Donato

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Eliane Beltramini

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Ditorial

Cristiano Basaglia

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Simone Costa Salleti Oliveira

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Ditorial

Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela,

José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo, Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa

C

olaboraDoresDesta

e

Dição

Alisson Henrique do Prado Farinelli, Ana Clara Cabral, Atalá Correia, Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Demócrito Reinaldo Filho, Eric Cesar Marques Ferraz, Ivana Assis Cruz dos Santos, Jordhana Cunha Fernandes, José Basílio Gonçalves, Leonardo de Medeiros Garcia, Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro,

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Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Civil e Processual Civil. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores. As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: pesquisa@sage.com.br (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional. Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço rdc@sage.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) REVISTA SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Nota: Continuação de REVISTA IOB DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL v. 1, n. 1, jul. 1999

Publicação periódica Bimestral

v. 17, n. 99, jan./fev. 2016 ISSN 2179-166X

1. Direito civil – periódicos – Brasil 2. Direito processual civil

CDU: 347.9(05) (81) CDD: 347 (Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851)

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda. R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SP

www.iobfolhamatic.com.br

Telefones para Contatos

Cobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900 Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900 Demais localidades 0800.7247900

E-mail: sacsintese@sage.com Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900 Demais localidades 0800.7283888

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O Assunto Especial desta edição trata do tema “Estatuto da Pessoa com Deficiência – Implicações Cíveis” com a participação dos brilhan-tes juristas: Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Pablo Stolze, Atalá Correia, Ivana Assis Cruz dos Santos e Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

E, ainda, na Seção “Em Poucas Palavras”, artigo de Ana Clara Cabral intitulado “Estatuto da Pessoa com Deficiência e Seu impacto no Código Civil”.

Publicou-se em 07 de julho de 2015 a Lei nº 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também nomeada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, com vacatio legis de 180 dias.

Entrou em vigor no sábado, 02.01.2016, e trouxe regras e orien-tações para a promoção dos direitos e liberdades dos deficientes com o objetivo de garantir a essas pessoas inclusão social e cidadania. A nova legislação, chamada de Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, garante condições de acesso à educação e à saúde e esta-belece punições para atitudes discriminatórias contra essa parcela da população.

Na Parte Geral da Revista publicamos importantes doutrinas so-bre diversos temas do direito, contanto com a participação dos seguin-tes colaboradores: Demócrito Reinaldo Filho, José Basílio Gonçalves, Jordhana Cunha Fernandes, Alisson Henrique do Prado Farinelli e Eric Cesar Marques Ferraz.

E, também, na Seção Especial “Com a Palavra, o Procurador”, ar-tigo de Leonardo de Medeiros Garcia intitulado “Deveres de Considera-ção nas Relações Contratuais”.

Por fim, publicamos a seção denominada “Clipping Jurídico”, em que oferecemos a você, leitor, textos concisos que destacam, de forma resumida, os principais acontecimentos do período, tais como notícias, projetos de lei, normas relevantes, entre outros.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Eliane Beltramini

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

...7

Assunto Especial

Estatutoda PEssoacom dEficiência – imPlicaçõEs cívEis

doutrinas

1. As Alterações da Teoria das Incapacidades, à Luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas ...9 2. O Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Sistema Jurídico Brasileiro

de Incapacidade Civil

Pablo Stolze ...17 3. Estatuto da Pessoa com Deficiência Traz Inovações e Dúvidas

Atalá Correia ...22 4. O Estatuto da Pessoa com Deficiência e as Alterações no Código

Civil de 2002

Ivana Assis Cruz dos Santos ...27 5. Estatuto da Pessoa com Deficiência: a Revisão da Teoria das

Incapacidades e os Reflexos Jurídicos na Ótica do Notário e do Registrador

Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro ...37 Em Poucas Palavras

1. Estatuto da Pessoa com Deficiência e Seu Impacto no Código Civil

Ana Clara Cabral ...47

Parte Geral

doutrinas

1. Avaliação Judicial da “Representação Adequada” das Entidades Legitimadas para as Ações Coletivas no Brasil – Estudo do Caso Julgado pelo STJ no REsp 1213614/RJ

Demócrito Reinaldo Filho ...49 2. Déficit de Substância e Déficit de Eficácia no Ato Jurídico –

Competência Jurisdicional – Implicações

José Basílio Gonçalves ...66 3. O Precedente Como Instrumento de Garantia à Segurança Jurídica

Jordhana Cunha Fernandes e Alisson Henrique do Prado Farinelli ...81 4. Direito Processual Civil: da Preclusão Aparente

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1. Superior Tribunal de Justiça...120

2. Superior Tribunal de Justiça...124

3. Superior Tribunal de Justiça...135

4. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ...140

5. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ...146

6. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ...150

7. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ...153

8. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ...158

ementário 1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial ...162

Seção Especial

coma Palavra, o Procurador 1. Deveres de Consideração nas Relações Contratuais Leonardo de Medeiros Garcia ...191

Clipping Jurídico

...215

Bibliografia Complementar

...220

(7)

1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-cados em sua área temática.

2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remune-ração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade. 6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos

jurí-dicos da Síntese.

7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.

8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões. 9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou

expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

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comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

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Estatuto da Pessoa com Deficiência – Implicações Cíveis

As Alterações da Teoria das Incapacidades, à Luz do Estatuto da

Pessoa com Deficiência

CLáuDIA MARA De ALMeIDA RABeLO VIegAS1

Professora de Direito da PUC-Minas e Faculdades Del Rey – Uniesp, Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Tutora do Conselho Na-cional de Justiça – CNJ, Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Dr. Sércio da Silva Peçanha, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho, Especialista em Educação à Distância pela PUC-Minas, Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus, Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade Fumec.

A Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiên-cia (CDPD) foi o primeiro tratado internacional de direitos humanos aprovado pelo Congresso Nacional, segundo o procedimento qualifica-do previsto no § 3º qualifica-do art. 5º da Constituição da República, promulgaqualifica-do pelo Decreto nº 6.949/2009 e em vigor no plano interno desde 25 de agosto de 2009. Portanto, a mencionada convenção internacional pos-sui status de norma constitucional.

A CDPD consagra inovadora visão jurídica a respeito da pessoa com deficiência, sob o viés dos direitos humanos, adotando um modelo social cujo desiderato é incluir o deficiente na comunidade, garantindo--lhe uma vida independente, com a igualdade, no exercício da capaci-dade jurídica. Nesse sentido, reconhece o Preâmbulo da CDPD:

A deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitu-des e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação atitu-dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Seguindo a perspectiva da referida Convenção, foi promulgado, em 7 de julho de 2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei

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nº 13.146/2015 – destinado a estabelecer as diretrizes e normas gerais, bem como os critérios básicos para assegurar, promover e proteger o exercício pleno e em condições de igualdade de todos os direitos huma-nos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência, visando a sua inclusão social e cidadania plena e efetiva.

Ainda não em vigor, em face da vacatio legis de 180 dias, o Es-tatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146/2015 – tem gerado grandes debates entre os civilistas, especialmente pelo fato de ter alme-jado a plena inclusão civil de pessoas que eram tidas como absoluta e relativamente incapazes.

As alterações operadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência trazem à baila a discussão entre qual seria o melhor caminho para a promoção da dignidade da pessoa com deficiência, a “dignidade-vulne-rabilidade” ou da “dignidade-liberdade” (Tartuce, 2015).

Sendo a teoria das incapacidades um tema importante do direito civil, não há dúvidas do profundo impacto que a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, gerará em seu âmbito, quando da sua entrada em vigor, em janeiro de 2016.

O Estatuto, em seu art. 2º, define a pessoa com deficiência como sendo

aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais bar-reiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Brasil, 2015)

Como se observa, fundado nas noções do direito civil constitu-cional, o Estatuto da Pessoa com Deficiência intensifica a denomina-da “repersonalização do direito civil”, colocando a pessoa humana no centro das preocupações do Direito. Segundo Pablo Stolze, “trata-se, indiscutivelmente, de um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diversos níveis” (2015).

O Estatuto revogou todos os incisos do art. 3º do Código Civil e alterou o caput do mesmo dispositivo, passando a estabelecer que “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos”.

Vê-se, pois, que o Direito brasileiro, a partir de 3 de janeiro de 2016, passa a contar apenas com uma hipótese de incapacidade

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absolu-ta: os menores de 16 anos, inexistindo, portanto, no ordenamento pátrio, pessoa maior absolutamente incapaz.

O Estatuto também modificou, consideravelmente, o art. 4º do Código Civil, extirpando do seu inciso II a referência às “pessoas com discernimento reduzido”, que passam a não ser mais consideradas rela-tivamente incapazes, como antes regulamentado.

Outrossim, permanecem relativamente incapazes os ébrios habi-tuais, os viciados em tóxicos e os pródigos, os quais continuam depen-dendo de um processo de interdição relativa, com sentença judicial, para que sua incapacidade seja reconhecida.

Excluiu-se, ainda, do inciso III do art. 4º do Código Civil o trecho “excepcionais sem desenvolvimento completo”. De outra sorte, a nova redação desse dispositivo (art. 4º, III) passa a arrolar as pessoas que, “por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir vontade” – que antes estava previsto no inciso III do art. 3º como situação típica de incapacidade absoluta. A partir de janeiro de 2016, a hipótese é de incapacidade relativa.

Em síntese, os arts. 3º e 4º do Código Civil passam a ter a seguinte redação, in verbis:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

I – (Revogado); II – (Revogado); III – (Revogado). (NR)

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos;

III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem ex-primir sua vontade;

IV – os pródigos.

Observa-se, portanto, que o portador de transtorno mental que sempre foi tratado como incapaz, nos termos da nova lei, será

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plena-mente capaz para praticar os atos da vida civil. A respeito da iniciativa do Estatuto em conferir capacidade para a pessoa com deficiência psí-quica ou intelectual, o Professor Nelson Rosenvald destaca que:

Não se pode mais admitir uma incapacidade legal absoluta que resulte em morte civil da pessoa, com a transferência compulsória das decisões e escolhas existenciais para o curador. Por mais grave que se pronuncie a patologia, é fundamental que as faculdades residuais da pessoa sejam preservadas, sobremaneira às que digam respeito as suas crenças, valo-res e afetos, num âmbito condizente com o seu real e concreto quadro psicofísico. Ou seja, na qualidade de valor, o status personae não se reduz à capacidade intelectiva da pessoa, posto funcionalizada à satis-fação das suas necessidades existenciais, que transcendem o plano pu-ramente objetivo do trânsito das titularidades. (Rosenvald, 2015)

Os arts. 6º e 84 do mesmo diploma legal deixam claro que a de-ficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, senão vejamos:

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, in-clusive, para:

I – casar-se e constituir união estável; II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compul-sória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercí-cio de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

A regra, portanto, passa a ser a garantia do exercício da capaci-dade legal por parte do portador de transtorno mental, em igualcapaci-dade de condições com os demais sujeitos (art. 84 do EPD).

Nesse passo, a curatela passa a ter o caráter de medida excepcio-nal, extraordinária, a ser adotada somente quando e na medida em que

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for necessária. Tanto é assim que restaram revogados os incisos I, II e IV do art. 1.767 do Código Civil, em que se afirmava que os portadores de transtorno mental estariam sujeitos à curatela.

Aqui se indaga: a partir de janeiro de 2016, aqueles deficientes interditados absolutamente incapazes deixaram de sê-lo? Serão plena-mente capazes? Na prática, o que se percebe é que o Estatuto concederá ao deficiente a liberdade para praticar todos os atos relacionados aos seus direitos existências (art. 6º do EPD).

Diante da evidência de que a pessoa com deficiência é plena-mente capaz, surgiram dois posicionamentos da doutrina civilista: o pri-meiro – o qual se filia José Fernando Simão e Vitor Kümpel – condena as modificações sobrevindas do Estatuto, ao argumento de que a digni-dade de tais pessoas deveria ser resguardada por meio de sua proteção como vulneráveis (dignidade-vulnerabilidade). A segunda vertente, por sua vez, liderada por Paulo Lôbo, Nelson Rosenvald, Rodrigo da Cunha Pereira e Pablo Stolze – concorda com as alterações, defendendo a tu-tela da dignidade-liberdade das pessoas com deficiência, evidenciada pelos objetivos de sua inclusão (Tartuce, 2015).

Entende-se que apenas a prática poderá demonstrar qual caminho seria o melhor posicionamento a ser seguido.

Em consequência do exposto, verifica-se que a interdição foi outro instituto que também sofreu consideráveis mudanças operadas pelo Esta-tuto da Pessoa com Deficiência. A primeira delas diz respeito à seguinte indagação: ainda será necessário o processo de interdição ou apenas um processo visando à nomeação de um curador? Tal dúvida emerge por-que a Lei nº 13.046/2015 altera o art. 1.768 do Código Civil, deixando de mencionar que “a interdição será promovida”, e passando a enunciar que “o processo que define os termos da curatela deve ser promovido”.

Nesse aspecto, ter-se-á outro problema: tal dispositivo será revoga-do expressamente pelo art. 1.072, II, revoga-do CPC/2015, permanecenrevoga-do em vigor por pouco tempo, de janeiro e março de 2016, quando o Diploma Processual passar a ter vigência no Brasil. Diante de tal contexto, ne-cessária a superveniência de nova lei para resolver esse atropelamento legislativo.

Mesmo destino de revogação seguirão os arts. 1.771 e 1.772 do CC, os quais tratam da curatela, sendo oportuno destacar que andou bem o Estatuto da Pessoa com Deficiência ao estabelecer que:

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Art. 1.772. O juiz determinará, segundo as potencialidades da pes-soa, os limites da curatela, circunscritos às restrições constantes do art. 1.782, e indicará curador.

Parágrafo único. Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do interditando, a ausência de conflito de in-teresses e de influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa. (Brasil, 2015)

A principal novidade, portanto, diz respeito à inclusão do pará-grafo único, privilegiando a vontade da pessoa para a escolha de seu curador. Como a norma tem prazo de início e fim, espera-se que surja nova norma para que tal comando não perca eficácia com o advento do novo CPC.

Sendo assim, parece-nos que será imperiosa uma reforma consi-derável do CPC/2015, deixando-se de lado a antiga possibilidade da interdição.

A propósito da superação desse tradicional modelo, Paulo Lôbo pontua que:

Não há que se falar mais de “interdição”, que, em nosso Direito, sem-pre teve por finalidade vedar o exercício, pela pessoa com deficiência mental ou intelectual, de todos os atos da vida civil, impondo-se a me-diação de seu curador. Cuidar-se-á, apenas, de curatela específica, para determinados atos. (Lobo, 2015)

Outro ponto a ser analisado diz respeito à situação dos sujeitos, portadores de transtorno mental, que já se encontram sujeitos ao regime de curatela, sobretudo aqueles considerados absolutamente incapazes. Haverá necessidade de revisão de todas as sentenças diante do novo

status destes sujeitos? Estarão os curadores já constituídos aptos a

enten-der e pôr em prática a nova realidade?

Como se observa, os civilistas e processualistas, bem como os ope-radores, terão muito trabalho nos próximos anos para sanar todas essas controvérsias.

CONCLUSÃO

Após este breve estudo, conclui-se que o Estatuto da Pessoa com Deficiência conferiu ampla proteção ao direito fundamental à capaci-dade civil, privilegiando a autonomia deficiente e, ao mesmo tempo,

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abrindo espaço de escolha para que este constitua, em torno de si, uma rede de sujeitos de sua confiança, para lhe auxiliar nos atos da vida civil, caso seja necessário.

Vê-se, pois, que a teoria das incapacidades não foi extirpada, mas apenas mitigada. Não há como considerar que se terá um país composto unicamente de pessoas plenamente capazes.

A garantia de igualdade reconhecida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência impõe uma presunção geral de plena capacidade a favor das pessoas com deficiência, pela qual o deficiente é plenamente capaz de desfrutar os direitos civis, patrimoniais e existenciais.

Dessa forma, a incapacidade relativa civil do portador de deficiên-cia, a partir de janeiro de 2015, cuida-se de uma medida normativa ex-cepcionalíssima, que pode afetar o estado da pessoa a ponto de restringir o exercício autônomo de direitos fundamentais, desde que amplamente justificada.

Restou demonstrado, ainda, que, em situações excepcionais, a pessoa com deficiência mental ou intelectual poderá ser submetida à curatela, no seu interesse exclusivo e não de parentes ou terceiros, como ocorria anteriormente.

Como se observa, muitas foram as alterações e só o tempo de-monstrará os seus efeitos. Contudo, em princípio, considera-se que a política de inclusão do deficiente vem ao encontro da repersonalização do direito privado, em que a dignidade humana tem o seu lugar no cen-tro das relações.

REFERÊNCIAS

ABREU, Célia Barbosa. Curatela e interdição civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

ROSENVALD, Nelson. Em 11 perguntas e respostas: tudo que você precisa para conhecer o estatuto da pessoa com deficiência. Disponível em: <https:// www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=1480153702302318&id=1407 260712924951&substory_index=0>. Acesso em: 21 out. 2015.

SIMÃO, José Fernando. Estatuto da Pessoa com Deficiência causa

perplexi-dade (Parte 2). Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2015-ago-07/jose--simao-estatuto-pessoa-deficiencia-traz-mudancas#author>. Acesso em: 21 out. 2015.

(16)

STOLZE, Pablo. Estatuto da Pessoa com Deficiência e sistema de incapacidade civil. Revista Jus Navigandi, Teresina, a. 20, n. 4411, 30 jul. 2015. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/41381>. Acesso em: 21 out. 2015.

TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela Lei nº 13.146/2015 (Estatu-to da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o direi(Estatu-to de família e con-frontações com o novo CPC. Parte I. Disponível em: <http://www.migalhas. com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI224217,21048-Alteracoes+do+Codigo+Civ il+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com>. Acesso em: 21 out. 2015.

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Estatuto da Pessoa com Deficiência – Implicações Cíveis

O Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Sistema Jurídico Brasileiro

de Incapacidade Civil

PABLO STOLZe

Bacharel em Direito – Universidade Federal da Bahia (1998) (tendo recebido o diploma de honra ao mérito – láurea – pela obtenção das maiores notas ao longo do bacharelado), Pós--Graduado em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia (tendo obtido nota dez em monografia de conclusão), Mestre em Direito Civil pela PUC/SP (tendo obtido nota dez em todos os créditos cursados, nota dez na dissertação, com louvor, e dispensa de todos os créditos para o doutorado), aprovado em primeiro lugar em concursos para as carreiras de pro-fessor substituto e propro-fessor do quadro permanente da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, e também em primeiro lugar no concurso para Juiz de Direito do Tribunal de Justiça da Bahia (1999). Autor e Coautor de várias obras jurídicas, incluindo o Novo Curso de Direito Civil, Professor da Universidade Federal da Bahia e da Rede Jurídica LFG. Já ministrou aulas, cursos e palestras em diversos tribunais do País, inclusive no Supremo Tribunal Federal.

Profundo será o impacto da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015

– Estatuto da Pessoa com Deficiência – a partir da sua entrada em vigor,

em janeiro de 2016.

Esta lei, nos termos do parágrafo único do seu art. 1º, tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da Re-pública Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídi-co externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno.

Em verdade, este importante Estatuto, pela amplitude do alcance de suas normas, traduz uma verdadeira conquista social. Trata-se, in-discutivelmente, de um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diversos níveis.

(18)

A nossa tarefa, neste breve editorial, é fazer um recorte em um específico campo de impacto deste novo diploma: o sistema jurídico

brasileiro de incapacidade civil.

E trata-se de um efeito devastador.

Ao utilizar o qualificativo “devastador”, não o fazemos em sentido depreciativo, mas sim para que o nosso querido leitor possa perceber o imenso alcance da mudança normativa que se descortina: o Estatuto retira a pessoa com deficiência1 da categoria de incapaz.

Em outras palavras, a partir de sua entrada em vigor2, a pessoa com

deficiência – aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, nos termos do art. 2º – não deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, na medida em que os arts. 6º e 84, do mesmo diploma, deixam claro que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa:

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa,

in-clusive3 para:

I – casar-se e constituir união estável; II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compul-sória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercí-cio de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

1 “Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

2 “Art. 127. Esta lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial.” 3 Note-se que o emprego da expressão “inclusive” é proposital, para afastar qualquer dúvida acerca da

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Esse último dispositivo é de clareza meridiana: a pessoa com

defi-ciência é legalmente capaz.

Considerando-se o sistema jurídico tradicional, vigente por déca-das, no Brasil, que sempre tratou a incapacidade como um consectário quase inafastável da deficiência, pode parecer complicado, em uma lei-tura superficial, a compreensão da recente alteração legislativa.

Mas uma reflexão mais detida é esclarecedora.

Em verdade, o que o Estatuto pretendeu foi, homenageando o prin-cípio da dignidade da pessoa humana, fazer com que a pessoa com deficiência deixasse de ser “rotulada” como incapaz, para ser conside-rada – em uma perspectiva constitucional isonômica – dotada de plena capacidade legal, ainda que haja a necessidade de adoção de institutos assistenciais específicos, como a tomada de decisão apoiada4 e,

extraor-dinariamente, a curatela, para a prática de atos na vida civil.

De acordo com este novo diploma, a curatela, restrita a atos rela-cionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial (art. 85, caput), passa a ser uma medida extraordinária5: “Art. 85. [...] § 2º A curatela

constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado”.

Temos, portanto, um novo sistema que, vale salientar, fará com que se configure como “imprecisão técnica” considerar-se a pessoa com deficiência incapaz.

Ela é dotada de capacidade legal, ainda que se valha de institutos assistenciais para a condução da sua própria vida.

Em outros pontos, percebemos que essa mudança legislativa ope-rou-se em diversos níveis, inclusive no âmbito do direito matrimonial, porque o mesmo diploma estabelece, revogando o art. 1.548, I, do Có-digo Civil, e acrescentando o § 2º ao art. 1.550, que a pessoa com defi-ciência mental ou intelectual, em idade núbil, poderá contrair núpcias,

4 Trata-se de instituto consagrado pelo Estatuto. Sempre que possível, deve ser a primeira opção assistencial, antes de se pretender a sujeição à curatela: “Título I – Da Tutela, da Curatela e da Tomada de Decisão Apoiada. Art. 116. O Título IV do Livro IV da Parte Especial da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo III: Da Tomada de Decisão Apoiada. Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade”.

5 A lei não diz que a curatela será uma medida “especial”, mas sim, “extraordinária”, o que reforça o seu aspecto acentuadamente excepcional.

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expressando sua vontade diretamente ou por meio do seu responsável ou curador.

Isso só comprova a premissa apresentada no início do texto. A pessoa com deficiência passa a ser considerada legalmente capaz.

Por consequência, dois artigos matriciais do Código Civil foram reconstruídos.

O art. 3º do Código Civil, que dispõe sobre os absolutamente in-capazes, teve todos os seus incisos revogados, mantendo-se, como única hipótese de incapacidade absoluta, a do menor impúbere (menor de 16 anos).

O art. 4º, por sua vez, que cuida da incapacidade relativa, também sofreu modificação. No inciso I, permaneceu a previsão dos menores púberes (entre 16 anos completos e 18 anos incompletos); o inciso II, por sua vez, suprimiu a menção à deficiência mental, referindo, apenas, “os ébrios habituais e os viciados em tóxico”; o inciso III, que albergava “o excepcional sem desenvolvimento mental completo”, passou a tra-tar, apenas, das pessoas que, “por causa transitória ou permanente, não

possam exprimir a sua vontade”6; por fim, permaneceu a previsão da

incapacidade do pródigo.

Certamente, o impacto do novo diploma se fará sentir em outros ramos do Direito brasileiro, inclusive no âmbito processual. Destaca-mos, a título ilustrativo, o art. 8º da Lei nº 9.099, de 1995, que impede o incapaz de postular em Juizado Especial. A partir da entrada em vigor do Estatuto, certamente perderá fundamento a vedação, quando se tratar de demanda proposta por pessoa com deficiência.

Pensamos que a nova lei veio em boa hora, ao conferir um trata-mento mais digno às pessoas com deficiência.

Verdadeira reconstrução valorativa na tradicional tessitura do sis-tema jurídico brasileiro da incapacidade civil.

6 Não convence tratar essas pessoas, sujeitas a uma causa temporária ou permanente impeditiva da manifestação da vontade (como aquele que esteja em estado de coma) no rol dos relativamente incapazes. Se não podem exprimir vontade alguma, a incapacidade não poderia ser considerada meramente relativa. A impressão que temos é a de que o legislador não soube onde situar a norma. Melhor seria, caso não optasse por inseri-lo no artigo anterior, consagrar-lhe dispositivo legal autônomo.

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Mas o grande desafio é a mudança de mentalidade, na perspectiva de respeito à dimensão existencial do outro.

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Estatuto da Pessoa com Deficiência – Implicações Cíveis

Estatuto da Pessoa com Deficiência Traz Inovações e Dúvidas

ATALá CORReIA

Juiz no Distrito Federal, Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo.

No dia 6 de julho, foi promulgada a Lei nº 13.146, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, adaptando nosso sistema legal às exigências da Convenção de Nova York de 2007. Após o decurso da

vacatio legis de 180 dias, contaremos com novos instrumentos legais,

que visam, no seu conjunto, a proporcionar igualdade, acessibilidade, o respeito pela dignidade e autonomia individual, o que inclui a liberdade de fazer suas próprias escolhas.

Uma primeira análise e diversos aspectos positivos do Estatuto foram apresentados nessa Coluna de Direito Civil atual, em

excelen-te artigo do Professor Maurício Requião. Há, no entanto, dúvidas que

precisam ser esclarecidas. Assim, esta coluna se propõe inicialmente a apresentar as principais inovações da nova lei, os dilemas existentes e as soluções possíveis.

Pois bem, para os fins da lei,

considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participa-ção plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (art. 2º)

Na esfera civil, estabeleceu-se que

a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I – casar-se e constituir união estável; II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

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III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compul-sória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. (art. 6º)

Parte-se da premissa de que a deficiência não é, em princípio,

causadora de limitações à capacidade civil1. Diante desse panorama, o

EPD irá revogar expressamente os incisos II e III do art. 3º do Código Ci-vil. Doravante haverá apenas uma causa de incapacidade absoluta, qual seja, ser a pessoa menor de 16 anos. Não serão mais considerados ab-solutamente incapazes “os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos” e “os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”.

A incapacidade relativa passará a abranger as seguintes hipóteses: a) maiores de 16 e menores de 18 anos; b) ébrios habituais e os viciados em tóxico (a lei deixa de fazer menção aos que, por deficiência mental, tenham discernimento reduzido); d) e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (foi excluída a men-ção aos os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo); e) os pródigos.

Ao lado da curatela, passará a existir o processo de “tomada de decisão apoiada”, ou seja,

o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade. (art. 1.783-A do Código Civil, intro-duzido pelo EPD)

Assim, em síntese, a pessoa com deficiência que tenha qualquer dificuldade prática na condução de sua vida civil poderá optar pela

cura-1 Sobre os avanços, vide também o Parecer do Senador Romário Faria, PSB/RJ, ao Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 4, de 2015.

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tela, diante de incapacidade relativa, ou pelo procedimento de tomada de decisão apoiada. Deve-se frisar que pessoas com deficiência mental severa continuam sujeitas à interdição quando relativamente incapazes. A alteração legislativa, que excluiu a expressão “deficiência mental” do texto do art. 4º do CC, não veda a interdição quando o deficiente não possa, por causa transitória ou permanente, manifestar sua vontade. O art. 84, § 1º, do EPD enfatiza que, “quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida a curatela”, “proporcional às necessidades às circunstâncias de cada caso”, durando o menor tempo possível (§ 3º). A manutenção da legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar a interdição nos casos de “deficiência mental ou intelectual”, nos termos do art. 1.769 do Código Civil, apenas explicita a manutenção dessa pos-sibilidade de interdição de deficientes que não consigam expressar sua vontade.

Vistas essas inovações, apresenta-se o primeira questão relevante. É necessário reconhecer que a elogiosa iniciativa não muda a realidade biológica dos fatos. Hoje, centenas de pessoas são declaradas por peritos judiciais absolutamente incapazes, no sentido biológico, de compreen-der a realidade que as cercam e de manifestar vontade. A triste realidade das demências senis, que se torna mais frequente com o envelhecimen-to da população, é apenas um dos exemplos possíveis. A pessoa que se tornou deficiente por moléstia incurável e que não consegue sequer escrever seu nome não passará, após a vigência da lei, a manifestar sua vontade.

Ocorre que essa hipótese fática, de incapacidade de manifesta-ção de vontade, foi deslocada do art. 3º, III, do CC para o art. 4º, III, do CC, e, com isso, ensejará mera incapacidade relativa. Como se sabe, a validade do ato jurídico, nessas situações, exige a assistência do cura-dor. Isso quer dizer que o curatelado deve manifestar, conjuntamente com o curador, seus interesses, não podendo a vontade deste substituir a daquele. Contudo, se o interditado não detém qualquer possibilidade de manifestação de vontade, a nova legislação o colocou diante de um impasse: seu curador não pode representá-lo, pois ele não é absoluta-mente incapaz, e tampouco conseguirá praticar qualquer ato da vida civil, pois não conseguirá externar seus interesses para que alguém lhe assista. Caso o quadro legislativo não se altere, será razoável tolerar uma hibridização de institutos, para que se admita a existência de incapaci-dade relativa na qual o curador representa o incapaz, e não o assiste.

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En-tendida a questão de maneira literal, a interdição de pessoas teria pouco significado prático.

O dilema desdobra-se, entretanto, em outro. Haveria aí, nessa si-tuação sui generis, nulidade ou mera anulabilidade? Como se sabe, o regime de incapacidade relativa leva à anulabilidade. Por outro lado, quem haveria de manifestar a vontade para, antes do prazo decadencial, impedir a convalidação? Acredito, nesse campo de primeiras reflexões, que deva prevalecer o regime de nulidade, mais benéfico ao deficiente.

Anote-se, ainda, que, nos termos do art. 76 do EPD, o Poder Públi-co deverá garantir à pessoa Públi-com deficiência todos os direitos polítiPúbli-cos e a oportunidade de exercê-los em igualdade de condições com as demais pessoas, assegurando-lhe não só acessibilidade aos locais de votação, mas, essencialmente, o direito de votar e de ser votada. Diz-nos, ainda, o art. 85 do EPD que “a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial”, não alcançando o “di-reito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto”. Não faz sentido, no entanto, que deficientes interditados por incapacidade de manifestar sua vontade tenham acesso à urna juntamente com seus curadores, pois, se não há como conhecer a vontade do deficiente, também não há como garantir que o curador atua no interesse alheio. Passaria a haver, de fato, pessoas com dois ou mais votos.

Por fim, é inquietante a ausência de um regime claro de transição. Aquelas pessoas que hoje, tendo deficiência mental ou intelectual, se encontram sob interdição por incapacidade absoluta passarão automati-camente, com a vigência da lei nova, a serem consideradas capazes? A tradicional exegese da regra intertemporal, nessas situações, indica a efi-cácia imediata da lei nova. Não haveria por que manter toda uma classe de pessoas sob um regime jurídico mais restritivo quando ele foi abolido. Não há razão para que existam deficientes capazes e absolutamente in-capazes sem distinção fática a justificar o tratamento diverso. Por outro lado, pode a lei nova desconstituir automaticamente a coisa julgada já estabelecida? Cremos que, dada a natureza constitutiva da sentença, o mais razoável é que, por iniciativa das partes ou do Ministério Público, haja uma revisão2 da situação em que os interditados se encontram, para 2 O art. 12, 4, da Convenção de Nova Iorque estabelece que “os Estados-Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão

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que possam migrar para um regime de incapacidade relativa ou de to-mada de decisão apoiada, conforme for o caso.

Por suscitar essas questões e dúvidas, o novo Estatuto, que em muito auxiliará as pessoas com deficiências diversas, precisará ser obje-to de atenção redobrada da comunidade jurídica.

que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão

regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão

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Estatuto da Pessoa com Deficiência – Implicações Cíveis

O Estatuto da Pessoa com Deficiência e as Alterações no Código Civil

de 2002

IVANA ASSIS CRuZ DOS SANTOS

Advogada com Graduação em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2010), Pós--Graduada em Direito Público pelo Instituto de Ensino Superior Unyahna (2012), Membro da Comissão de Diversidade Sexual da OAB/SE.

RESUMO: O presente artigo visa a discorrer acerca das alterações no Código Civil de 2002 face à promulgação da Lei Ordinária nº 13.146, em 6 de julho de 2015, também conhecida como o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Primordialmente, será feita uma abordagem sutil do contexto histórico em que se insere a proteção destinada aos deficientes, cujo interesse ao longo do tempo é de proporcionar-lhes uma melhor qualidade de vida e maior participação social. Depois, a dissertação será mais direta, com comentários das modificações e revogações artigo por artigo. O tema foca quatro pontos em específico, quais sejam: a capacidade civil, o casamento, a curatela e a nova criação legislativa, que é a tomada de decisão apoiada. A partir do recém-redirecionamento dos deficientes à categoria de plenamente capazes, toda antiga concepção civilista de incapacidade será revista, trazendo consequências práticas para o ordenamento jurídico, como o exemplo da questão da representação, assistência, prescrição, decadência e prova.

PALAVRAS-CHAVE: Deficiente; capacidade civil; casamento; curatela; tomada de decisão apoiada. SUMÁRIO: Introdução; 1 Contexto histórico da proteção à pessoa com deficiência; 2 Capacidade civil; 3 Casamento; 4 Curatela e tomada de decisão apoiada; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Existe um grande número de pessoas com deficiência no mundo e no Brasil e algumas delas, mesmo diante de tantos impasses e preconcei-tos, conseguem participar e contribuir ativamente em diversas atividades sociais. Contudo, como a discriminação ainda é grande, muitos acabam sendo excluídos da convivência com a comunidade e até mesmo com os parentes.

Para resolver esse impasse, deve ser incentivada a criação de me-didas públicas que venham conferir uma maior acessibilidade aos defi-cientes. O acesso não deve se restringir tão somente à locomoção nas

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ruas, mas também deve garantir um emprego formal, possibilitar a cons-tituição de família e, sobretudo, dar maior autonomia para que possam fazer suas próprias escolhas.

É nesse cenário que surge a Lei nº 13.146/2015, denominada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou simplesmente Esta-tuto da Pessoa com Deficiência (EPD), com uma ideia arrojada: qualifi-car os deficientes como capazes. A atribuição da plena capacidade aos deficientes provocou significativas mudanças na legislação civil brasi-leira. Ao total, quinze artigos do Código Civil de 2002 (CC/2002) foram abordados pelo EPD: uns foram criados, outros tiveram seu conteúdo revogado ou modificado. Os dispositivos são os seguintes: 3º, 4º, 228, 1.518, 1.548, 1.550 1.557, 1.767, 1.768, 1.769, 1.771, 1.772, 1.775-A, 1.777, 1.783-A.

Desse modo, o presente trabalho dedica-se à análise desses dispo-sitivos, apresentando as distinções antes e após a vigência do EPD. Sem pretender esgotar a matéria, o objetivo será o de traçar algumas possíveis consequências práticas, sejam elas positivas ou negativas, bem como justificar o porquê de algumas alterações.

1 CONTEXTO HISTÓRICO DA PROTEÇÃO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA

É cediço que, desde os primórdios da história da humanidade, existiam indivíduos com algum tipo ou grau de limitação, seja de ordem física, psíquica ou sensorial. O desenvolvimento e a interação entre as nações trouxeram novas concepções e formas de inclusão social aos deficientes.

Piovesan (2008 apud Garcia; Lazari, 2015, p. 241) sintetiza a pro-teção dada aos deficientes em quatro etapas: a primeira, denominada de fase da intolerância, havia um repúdio aos deficientes; eles eram consi-derados impuros e, se estavam nesse estado, foi porque pecaram ou por causa de um castigo divino. A segunda, a fase da invisibilidade, consistiu em um período em que o deficiente e seus direitos foram simplesmente ignorados. A terceira é a fase assistencialista, em que a deficiência é vista como uma doença e o auxílio a ser dado seria através da busca da cura. Por último, a fase humanista, pautada nos direitos humanos, preocupa--se em promover a relação do deficiente com o meio com que ele con-vive, visando a superar obstáculos e barreiras à realização dos direitos.

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Hodiernamente a deficiência foi elevada a questão de ordem pública, e, com o fim de resguardar os direitos dessas pessoas, foram elaborados vários tratados, acordos e tantos outros documentos. Nes-se contexto, despontou como grande marco mundial a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 9 de dezembro de 1975; a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de De-ficiência, assinada na Guatemala em 1999, e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Faculta-tivo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 (Garcia; Lazari, 2015, p. 242).

O Brasil, por sua vez, em 25 de agosto de 2009, através do gresso Nacional, aprovou o Decreto nº 6.949, ratificando a última Con-venção e o Protocolo supracitados, elevando-os ao status de emenda constitucional por meio do procedimento do art. 5º, § 3º, da Constitui-ção Federal de 1988 (CF/1988). O decreto, apesar de representar um avanço aos direitos dos deficientes, consiste em uma ratificação da Con-venção, que nada mais é do que uma carta de intenções.

Assim, foi imprescindível a elaboração de uma norma interna que tivesse soluções práticas e efetivas aos direitos dos deficientes, assegu-rando a igualdade material. A primeira proposta surgiu com o Projeto de Lei nº 7.699/2006, que, após tantos anos de embates ideológicos, acabou se convertendo na Lei Ordinária nº 13.146, aprovada no dia 6 de julho de 2015 e publicada no dia seguinte, para entrar em vigor após cento e oitenta dias de sua publicação.

2 CAPACIDADE CIVIL

A capacidade foi abordada no art. 2º do antigo Código Civil de 1916. Seu dispositivo não a definia, mas preconizava que todo homem era capaz de direitos e obrigações na ordem civil. Com a vigência do CC/2002, o termo recebeu outra roupagem, mas ainda ficou sem con-ceito. Esse é o teor do art. 1º: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

A presente legislação acertadamente abandonou a palavra homem por pessoa, vez que a CF/1988, art. 5º, I, não faz distinção de gênero; ao contrário, estimula a igualdade entre homens e mulheres. Ademais, o

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art. 1º menciona deveres e não obrigações, haja vista existirem deveres que não são obrigacionais, como o de boa-fé.

Analisando a previsão normativa acima reportada, depreende-se que a regra é a capacidade civil plena. Para compreendê-la, a doutrina costuma repartir em duas partes: capacidade de direito ou de gozo e ca-pacidade de fato ou de exercício. Aquela é irrestrita e afirma que todos são sujeitos de direitos e deveres. Esta compreende o ato de exercer o direito e nem todos possuem tal aptidão (Tartuce, 2011, p. 65-66).

Logo, ou se é capaz ou se é incapaz e a incapacidade poderá ser absoluta, cabendo, nesse caso, a representação, ou relativa, cabendo a assistência. O CC/2002, no livro I, que dispõe acerca das pessoas, apre-senta um rol taxativo e separa um grupo do outro da seguinte maneira:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I – os menores de dezesseis anos;

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o ne-cessário discernimento para a prática desses atos;

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV – os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Da simples leitura, percebe-se que os deficientes foram classifi-cados como incapazes. Todavia, esse raciocínio mudou com a recente aprovação do EPD, ao assegurar, em seu art. 6º, que o fato de uma pes-soa apresentar uma deficiência não afeta sua plena capacidade civil.

O EPD, ao declarar a capacidade do deficiente, redefiniu a tradi-cional teoria civilista de incapacidade, tanto que alguns dos dispositivos

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do CC/2002 serão revogados e outros terão seus textos modificados com o término da vacatio legis. Os três incisos do art. 3º serão revogados e o absolutamente incapaz será unicamente o menor de dezesseis anos. Já o art. 4º, que diz respeito aos relativamente incapazes, será composto por dois incisos e nele constarão os ébrios habituais, os viciados em tóxico, além daqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.

Quanto ao parágrafo único, foi feita uma retificação, permutando o vocábulo índio por indígena, dado que o primeiro consiste em uma nomenclatura que alude à época em que os colonizadores chegaram ao Brasil e pensavam estar na Índia, nomeando os nativos de índios, ou seja, aqueles que são naturais da Índia. Ocorre que a terminologia cor-reta é a segunda, cujo significado refere-se aos habitantes oriundos de um país (Instituto, 2015).

No tocante aos negócios jurídicos, apesar de seus artigos não te-rem sofrido nenhuma modificação morfológica, alguns efeitos práticos decorrem da capacidade dos deficientes. Primeiro, não serão mais repre-sentados, nem assistidos e o prazo prescricional e decadencial correrá normalmente contra eles, porque essa proteção, segundo a inteligência dos arts. 198, I, e 208 do CC/2002, dirige-se especificadamente aos ab-solutamente incapazes.

Outrossim, outro efeito da plena capacidade das pessoas com defi-ciência recaiu sobre a responsabilidade, pois, para esses indivíduos, não será mais subsidiária. Assim, a regra do art. 928 do CC/2002, ao afirmar que o patrimônio do incapaz só será atingido se as pessoas por ele res-ponsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes, permanece intocada quanto ao incapaz. Porém, o deficiente, por não fazer mais parte desse grupo, perderá essa importante proteção e, ao ser deslocado dessa regra, passa a responder com seus bens pelos seus atos.

Quanto às provas, o EPD extinguiu os incisos II e III e adicionou o § 2º ao art. 228 do CC/2002. Essa alteração permitirá aos enfermos, a quem tiver retardamento mental, aos cegos e aos surdos depor como testemunhas em um processo em condições de igualdade com as outras pessoas.

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3 CASAMENTO

O Livro IV do CC/2002, que cuida do direito de família, também foi alcançado pelo EPD. O art. 6º do Estatuto elencou uma série de di-reitos inovadores que garantem uma maior integração dos deficientes na sociedade, entre eles a oportunidade de casar, constituir união estável, exercer direitos sexuais e reprodutivos, decidir o número de filhos, con-servar a fertilidade.

No que concerne à capacidade para o casamento, o CC/2002 pre-vê a idade núbil de dezesseis anos. Entretanto, essa liberalidade legis-lativa se contrapõe com a exigência de uma autorização a ser concedi-da pelos representantes legais do nubente. Essa restrição é tanta que o art. 1.518 faculta aos pais, curadores e tutores revogarem até a cele-bração do enlace matrimonial a permissão outrora outorgada. Acontece que o EPD retirou dessa relação a curatela por um motivo simples; ela se destina à proteção específica dos direitos de natureza patrimonial e negocial; logo, não pode o curador, como assegura o § 1º do art. 85, dispor acerca de direitos como ao corpo, à sexualidade, ao matrimônio do curatelado.

Prosseguindo a esse entendimento é que o EPD, no capítulo da invalidade do casamento, aboliu o inciso I do art. 1.548 do CC/2002, pois não assiste razão à alegação de nulidade do casamento do enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil, tendo em vista que ele não será reputado absolutamente incapaz.

O EPD acrescentou o § 2º ao art. 1.550 do CC/2002. O texto é o seguinte: “A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade nú-bia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador”. Prefacialmente, vale dizer que o correto é núbil e não núbia (Michaelis, 2015); igualmente cumpre destacar que, sendo direito pessoal e consistindo em um ato volitivo, não deveria estar sujeito a manifestação de curador.

A última reforma do capítulo da invalidade do casamento no CC/2002 incidiu no art. 1.557. O EPD modificou o inciso III para não consentir a anulação decorrente de erro essencial sobre a pessoa do ou-tro cônjuge a quem ignorava, antes do casamento, uma deficiência ou moléstia grave e transmissível. O inciso IV teve seu conteúdo cancelado, pois ninguém pode alegar erro quanto ao outro consorte por doença mental, já que este agora é capaz.

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4 CURATELA E TOMADA DE DECISÃO APOIADA

A curatela é uma medida excepcional cujo intuito é eleger uma pessoa, denominada de curador, para prestar auxílio aos interesses de maiores incapazes, que são os curatelados. Não obstante, conforme já dito anteriormente, essa assistência estará adstrita ao âmbito patrimonial e negocial.

O CC/2002, em seu art. 1.767, enumera os sujeitos a interdição. Sucede que o EPD remodelou esse rol, reduzindo a curatela apenas àqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, aos ébrios habituais e aos viciados em tóxicos.

Analisando esse preceito, verifica-se que não existirá a curatela de absolutamente incapaz e, indo a fundo, o § 1º do art. 84 do EPD, em uma atitude audaciosa, propiciou a curatela de pessoas capazes ao estabele-cer que, “quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei”. Sendo capaz, não poderá ser representado nem assistido; então, fica o questionamento ao legislador de qual será a função do curador: se representante ou assistente do curatelado.

Ainda nessa conjuntura, o EPD incluiu o inciso IV no art. 1.768 do CC/2002 para adequadamente permitir que o curatelado possa pro-mover o processo que define os termos de sua curatela. Quanto à par-ticipação do Ministério Público, o EPD rechaçou a ideia do inciso I do art. 1.769 do CC/2002, para que a atuação do Parquet não se limite aos casos de maior gravidade, mas a qualquer situação de debilidade, bas-tando que seja mental ou intelectual.

No mais, o art. 1.771 passará a ter nova redação: “Antes de se pro-nunciar acerca dos termos da curatela, o juiz, que deverá ser assistido por equipe multidisciplinar, entrevistará pessoalmente o interditando”. A substituição da interdição por curatela foi necessária porque aquela de-nota pessoas incapazes, e, como dito anteriormente, a curatela também abrangerá pessoas capazes, bem como a troca da palavra especialistas por equipe multidisciplinar e arguido por incapacidade por interditando.

Cumpre anotar que o § 3º do art. 84 do EPD determina que a curatela do sujeito com deficiência corresponda às necessidades e às circunstâncias de cada caso. Para amoldar a esse mandamento é que o art. 1.772 do CC/2002 também passou por uma mutação para prever que o Magistrado, ao fixar o alcance da curatela, observe as potenciali-dades da pessoa, observando os limites e indicando o curador.

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Não bastasse a mutação retroinformada, foi inserido o parágra-fo único, que diz: “Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do interditando, a ausência de conflito de interesses e de influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa”. Atente que, com sensatez, o EPD favorece a participação do curatelado, dando liberdade para que ele faça suas escolhas e tome decisões. Dando continuidade a esse bom-senso é que o EPD introduziu o art. 1.775-A no CC/2002, com o propósito de viabi-lizar a curatela compartilhada a mais de uma pessoa, melhor dizendo, retirando o excesso de poder das mãos de um só indivíduo.

É evidente que o legislador está preocupado em agregar os defi-cientes ao cotidiano da sociedade, tanto que a antiga regra do recolhi-mento, que o afastava da convivência familiar e comunitária, hoje é uma exceção. O EPD reescreveu o art. 1.777 do CC/2002 para autorizar o afastamento, tão somente, daqueles que, por causa transitória ou perma-nente, não puderem exprimir sua vontade.

Por derradeiro, o EPD concebeu uma alternativa à curatela que é a tomada de decisão apoiada. Ela foi incorporada no Título IV, do Livro IV, do CC/2002, e o Capítulo IV foi criado especialmente para discorrer sobre esse tema. Nele consta exclusivamente o art. 1.783-A acompanha-do de onze parágrafos. O caput a conceitua como senacompanha-do um “processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos duas pessoas idô-neas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade”.

Novamente o EPD proporciona aos deficientes o direito de esco-lha dos sujeitos que, ao seu lado, irão apoiá-lo nas decisões atinentes aos atos da vida civil. Esse procedimento, conforme o § 3º, dar-se-á pelas vias judiciais, devendo o Magistrado decidir com auxílio de uma equipe multidisciplinar, oitiva do Ministério Público, do requerente e das pes-soas que lhe prestarão apoio.

CONCLUSÃO

De todo o exposto, conclui-se que o EPD, ao atribuir às pessoas com deficiência a plena capacidade civil, em verdade, intenta erradicar o preconceito e promover a inclusão social, evitando ao máximo o

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afas-tamento do deficiente com o meio ao qual ele está inserido. O diploma acima busca dar liberdade a esses indivíduos para que possam gerir sua vida sem a necessidade de representação ou de assistência.

Essa nova definição, na teoria da capacidade, reconfigurou todo sistema civilista, pois o Estatuto criou alguns institutos como a curatela de capazes e a tomada de decisão apoiada, ao passo que outros não existirão mais, como a curatela de absolutamente incapaz, a nulidade do casamento em face de enfermos mentais e a anulabilidade quanto ao erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge quando ignorava, antes do enlace matrimonial, uma deficiência ou moléstia grave e trans-missível.

Desse modo, pode-se dizer que o EPD trouxe benefícios, pois um indivíduo, mesmo portando alguma debilidade, pode tomar decisões por ele mesmo, como constituir união estável, casar, ter ou não filhos. Contudo, algumas proteções previstas no CC/2002 não recairão mais sobre eles, como o caso da suspensão e impedimento dos prazos pres-cricionais e decadenciais e a responsabilidade subsidiária.

Logo, quando uma norma adentra ao ordenamento jurídico cau-sando tantas mudanças, todo cuidado é pouco. Deve atentar sempre que o EPD é uma lei protetiva, cujo foco é fazer com que sujeitos com defi-ciência possam interagir e fazer suas escolhas, mas ao mesmo tempo não retira o poder do juiz e do Ministério Público em fiscalizar os diversos procedimentos em que a atuação de curador se poderá fazer necessária.

REFERÊNCIAS

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______. Congresso Nacional. Senado Federal. Projeto de Lei nº 7.699/2006. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitaca o?idProposicao=339407>. Acesso em: 14 nov. 2015.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

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______. Decreto nº 6.949/2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm>. Acesso em: 12 nov. 2015.

______. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>. Acesso em: 09 nov. 2015.

GARCIA, Bruna Pinotti; LAZARI, Rafael de. Manual de direitos humanos. 2. ed. Salvador: JusPodivm, v. único, 2015.

INSTITUTO Socioambiental. Povos indígenas no Brasil. Perguntas frequentes. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/faq>. Acesso em: 14 nov. 2015.

MICHAELIS. Dicionário de português online. Disponível em: <http://michaelis. uol.com.br/moderno/portugues/definicao/nubil%20_1009354.html>. Acesso em: 15 nov. 2015.

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Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, Tabelião de Notas do Município de Platina, São Paulo, Colunista do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal.

Em 7 de julho de 2015, foi publicada a Lei nº 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também nomeada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, com vacatio legis de 180 dias. Esse Estatuto traz diversas garantias para os portadores de deficiência de to-dos os tipos, com reflexos nas mais diversas áreas do Direito, especial-mente com sensíveis alterações no Código Civil brasileiro.

De saída, deve-se esclarecer que o Estatuto em questão está las-treado na Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Defici-ência (CDPD), que foi o primeiro tratado internacional de direitos hu-manos aprovado pelo Congresso Nacional conforme o procedimento qualificado do § 3º do art. 5º da Constituição Federal (promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009 e em vigor no plano interno desde 25.08.2009). Portanto, a mencionada convenção internacional possui status de norma constitucional.

O objetivo humanista da CDPD consagra inovadora visão jurídica a respeito da pessoa com deficiência. Nesse modelo, a deficiência não pode se justificar pelas limitações pessoais decorrentes de uma patolo-gia. A ideia fulcral parece ser a de substituir o chamado “modelo médi-co” – que busca desenfreadamente reabilitar a pessoa anormal para se adequar à sociedade – por um modelo “social humanitário” – que tem por missão reabilitar a sociedade para eliminar os entraves e os muros de exclusão, garantindo ao deficiente uma vida independente e a possi-bilidade de ser inserido em comunidade. Nesse sentido, reconheceu o

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