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Deve-se notar que o Código Civil, em seu artigo 166, estabelece que o ato praticado pelo incapaz é inválido, já o ato praticado pelo absolutamente incapaz é nulo, indo além, no artigo 171 é estabelecido que o negócio jurídico praticado pelo relativamente incapaz é anulável. (BRASIL, 2002).

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; [...]

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. (BRASIL, 2002).

Assim, a partir do momento que o EPD considera a pessoa com deficiência como legalmente capaz, os atos praticados por ela, a exemplo de um contrato sem a presença de um curador, por mais que manifestamente prejudiciais a esta, teoricamente passariam a ser considerados válidos.

Segundo Pablo Stolze (2015), trata-se esta de interpretação simplista, visto que não há como defender a validade de um contrato prejudicial, celebrado por pessoa portadora de deficiência, apenas pelo fato da lei considerá-la plenamente capaz. Ainda que reconheça-se que o ato não pode ser invalidado pela incapacidade, é preciso admitir que seja invalidado por outro fundamento, a exemplo da lesão, que seria muito mais nítida na perspectiva da boa-fé objetiva, ou da teoria dos defeitos do negócio, visto ser muito mais fácil demonstrar a ocorrência de defeito do negócio quanto a vítima é uma pessoa portadora de deficiência, independente de como ela seja classificada em relação a sua capacidade.

Segundo João Aguirre (2015, p1), é necessário que “as normas estatutárias sejam analisadas sob à égide de um sistema jurídico que protege a pessoa vulnerável, em razão de suas necessidades especiais, mas que possui normas de inclusão e reconhece a singularidade da pessoa humana e tutele a sua dignidade.”

Diante de um ato negocial prejudicial praticado por pessoa portadora de deficiência, em um tese mais arrojada, segundo Pablo Stolze (2015), pode-se defender que, em virtude da violação da boa-fé objetiva, haveria nulidade virtual, além disso, segundo o autor, a detecção do dolo e da lesão precisa ser facilitada, ainda que a jurisprudência para isso lance mão de determinados recursos como a inversão do ônus da prova.

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2015, p.1) e Flávio Tartuce (2015, p.1) observam que surgem dois posicionamentos na doutrina civilista diante do reconhecimento da plena capacidade da pessoa portadora de deficiência.

A primeira corrente, na qual filiam-se Paulo Lobo (2015, p.1), Rodrigo da Cunha Pereira (2015, p.1), Flavio Tartuce (2015, p1), Nelson Rosewald (2015, p.1), Joyceane Bezerra de Menezes (2015, p.1) e Pablo Stolze (2015, p.1), reconhece a liberdade da pessoa portadora de deficiência, e em prol da tutela de sua dignidade e de sua inclusão social, entende que os direitos existenciais do indivíduo não são alcançados pela nulidade absoluta ou relativa.

A segunda corrente, na qual filiam-se Gustavo Nicolau (2015, p.1), Vitor Kumper (2015, p.1) e José Fernando Simão (2015, p.1), reconhece a vulnerabilidade da pessoa portadora de deficiência, defendendo que esta necessita de tutela diferenciada, em prol de sua dignidade, ensejando uma proteção, que viria do reconhecimento de sua incapacidade. Para os adeptos dessa corrente, o EPD afasta a proteção que a teoria das incapacidades trazia para a pessoa portadora de deficiência.

É indefensável, segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), visto a pluralidade de transtornos ou déficits intelectuais existentes, o esforço legislativo presente no código civil de 2002, de homogeneização de tais condições em prol de uma suposta segurança jurídica, aprisionando tais indivíduos em situações de supressão de direitos fundamentais.

Segundo João Aguirre (2015, p.1), a aspiração do legislador não é restringir os direitos da pessoa portadora de deficiência que seja vulnerável, pelo contrário, a intenção do legislador é mostrar que o reconhecimento de sua vulnerabilidade é exceção, e não a regra.

O legislador, ao redigir o EPD, segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), não teve o anseio de mudar a natureza fática das coisas, visto que, diante da imperfeição humana, inexiste maneira de criar-se um mundo perfeito. O pluralismo presente em um estado democrático de direito busca o respeito pelas diferenças e não a sua extinção.

Alguns juristas, a exemplo de Vitor Frederico Kumpel e Bruno de Ávila Borgarelli (2015, p.1), criticam o EPD contundentemente. Em sentido contrário, Pablo Stolze (2015) critica a condução a uma conclusão que resulte na negação dos avanços do EPD, visto que a intenção dele não é desproteger, sendo inaceitável, sob o argumento da dificuldade interpretativa, negar-se a grandeza do EPD e seu carácter digno e inclusivo.

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2015, p.1) explana que somente o tempo irá mostrar os desdobramentos práticos das alterações legislativas introduzidas pelo EPD, “contudo, em princípio, considera-se que a política de inclusão do deficiente vem ao encontro com a repersonalização do Direito Privado, em que a dignidade humana tem o seu lugar no centro das relações.”

Na ótica de Nestor Távora (2015), é necessário não se furtar ao diálogo, à discussão e à crítica, com relação a avanços e a eventuais retrocessos, ou até a algumas neutralizações necessária com relação ao EPD.

Não há que falar-se em retrocesso, segundo Pablo Stolze (2015), mesmo que em muitos pontos a pessoa com deficiência passe a estar desprotegida, é obvio que uma mudança dessa magnitude, com tal profundidade e peso ideológico, não poderia alterar o ordenamento jurídico brasileiro sem efeitos colaterais. Haverá sim problemas interpretativos, como salienta o mesmo autor, mas isto não pode significar um desincentivo, ou pior, a condenação do EPD ao cadafalso da indiferença. As dificuldades interpretativas, à luz da perspectiva constitucional do princípio da vedação ao retrocesso, deve ser superada, sendo tarefa dos operadores do direito.

Segundo Salamão Viana (2015) e Pablo Stolze (2015), o fato do EPD considerar a pessoa portadora de deficiência como legalmente capaz, não pode conduzir, em uma interpretação que levaria ao retrocesso, a retirada de direitos básicos já adquiridos em função de sua situação fática existencial do indivíduo, como por exemplo, o direito a vagas preferenciais. (STOLZE, 2015).

Segundo o que conclui José Fernando Simão (2015, p.1): “a premissa básica para a compreensão do EPD é a seguinte: o deficiente tem uma qualidade que os difere das demais pessoas, mas não uma doença. Assim, o deficiente tem igualdade de direitos e deveres com relação aos não deficientes.”

Como afirma Pablo Stolze (2015), é inegável que o EPD levante incertezas com sua chegada, o que ressalta ainda mais a necessidade de interpreta- lo de uma perspectiva constitucional, de forma que não vulnere o princípio da vedação ao retrocesso. É preciso uma apreciação consciente e equilibrada, não podendo conduzir-se a uma interpretação que resulte na negação dos avanços do EPD.

Sensível é o apontamento de Salomão Viana (2015), ao observar que, se existisse no Brasil um pouco mais de consciência um dos outros, isto é, mais respeito ao próximo, não haveria a necessidade de existir leis tão minuciosas.

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