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As principais inovações do estatuto da pessoa com deficiência no direito brasileiro

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Academic year: 2021

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ALEXANDRE GUELBER CERUTTI

AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

NO DIREITO BRASILEIRO

Florianópolis 2016

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ALEXANDRE GUELBER CERUTTI

AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO DIREITO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Régis Schneider Ardenghi, Msc.

Florianópolis 2016

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Dedico o presente trabalho aos meus pais e a todos que me apoiaram durante o curso.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, a quem devo a vida, pelo apoio e incentivo, aos meus amigos pelo companheirismo, e ao meu orientador, pelo proveitoso suporte no pouco tempo que lhe coube.

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“Saber não é o bastante, é preciso aplicar. Querer não é o suficiente, é preciso fazer.” (Bruce Lee).

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RESUMO

O presente trabalho tem como tema as principais inovações introduzidas no direito brasileiro pela Lei nº 13.146, de 2015, o chamado Estatuto da Pessoa com Deficiência. Aborda sobre a evolução histórica dos direitos inerentes às pessoas com deficiência, bem como as principais mudanças introduzidas pela lei supracitada e as consequências trazidas por esta. O tema possui relevância visto que afeta não só os portadores de deficiência, mas toda a sociedade em si. A lei apresenta mudanças relevantes no instituto da capacidade, passando a classificar o portador de deficiência como plenamente capaz para todos os atos da vida civil. Dá-se também uma nova roupagem ao procedimento de interdição, e introduz-se o inédito instituto da tomada de decisão apoiada. Além disso, a lei consagra numerosos outros direitos nas mais diversas esferas do direito pátrio, a exemplo de modificações em relação ao direito de família, das interações com o novo código de processo civil, no direito penal e processo penal brasileiro. A lei, apesar de gerar dúvidas e polêmicas, cumpre sua função originária, promovendo a inclusão e garantindo um tratamento mais justo e igualitário às pessoas portadoras de deficiência.

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LISTA DE TABELAS

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 A EVOLUÇÃO HISTÓRIA DOS DIREITOS DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA ... 14

2.1 A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA ... 17

2.1.1 A origem do Estatuto e seu objetivo ... 19

2.2 A CAPACIDADE NO DIREITO BRASILEIRO ... 22

2.2.1 Distinção entre capacidade de fato e de direito ... 23

3 AS MODIFICAÇÕES INSERIDAS PELO EPD NO INSTITUTO DA CAPACIDADE ... 25

3.1 REGIME DE TRANSIÇÃO ... 33

3.2 CAPACIDADE VERSUS VALIDADE ... 33

3.3 DO PROCESSO QUE DEFINE OS TERMOS DA CURATELA ... 37

3.4 DA TOMADA DE DECISÃO APOIADA ... 42

4 AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES DO ESTATUTO NO DIREITO BRASILEIRO ... 46

4.1 DAS INTERAÇÕES COM O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ... 46

4.2 DO DIREITO À EDUCAÇÃO ... 49

4.3 DO DIREITO DE FAMÍLIA ... 51

4.4 DO DIREITO À PARTICIPAÇÃO NA VIDA PÚBLICA E POLÍTICA... 53

4.5 DAS IMPLICAÇÕES NO DIREITO E PROCESSO PENAL ... 54

4.5.1 Do dever de notícia crime ... 54

4.5.2 Dos tipos penais e crimes inseridos pelo EPD ... 54

4.5.2.1 Da tipificação da adoção de critérios subjetivos para obstar o acesso a pessoa com deficiência a concurso público ... 56

4.5.3 Da aceitação do perdão do ofendido ... 57

4.5.4 Do incidente de insanidade mental ... 58

4.5.5 Do procedimento escalonado do júri ... 59

4.5.6 Da proposta da inicial acusatória ... 60

4.5.7 Dos crimes contra a dignidade sexual ... 61

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata sobre as principais inovações introduzidas pela Lei nº 13.146 de 2015, o chamado Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), que entrou em vigor no dia 02 de janeiro de 2016.

Tem-se como objetivo compreender a evolução histórica dos direitos relativos a pessoa com deficiência, procurando entender os motivos que levaram a elaboração do EPD, para posteriormente analisar as principais inovações trazidas por este no direito brasileiro.

Não podemos ignorar a relevância do tema para a sociedade em si, principalmente para aqueles que serão afetados pela nova lei, em especial, a pessoa com deficiência, para quem o EPD representa uma vitória histórica.

A deficiência, seja ela física, psíquica, ou sensorial, é um problema que afeta milhões de brasileiros, assim, a busca por um tratamento legislativo e social justo e igualitário é tema de grande relevância em nosso país.

A lacuna legislativa sobre o tema no ordenamento pátrio, este que deveria proteger e garantir justiça e igualdade no exercício de direitos, contribui cada vez mais para a exclusão da pessoa portadora de deficiência, criando, assim, barreias ainda maiores para sua plena inclusão.

Com o advento da Lei nº 13.146, espera-se que essas barreiras sejam rompidas, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, visando a plena inclusão do portador de deficiência, consagrando, assim, o estado democrático de direito em que vivemos.

Para desenvolvermos do tema da monografia, usaremos do método de abordagem dedutivo. Já quanto ao tipo de pesquisa aplicada, será de característica exploratória, empregando-se a técnica de pesquisa documental e bibliográfica, através da análise da legislação e doutrina pertinentes ao tema.

O presente trabalho foi elaborado em três capítulos, além da introdução e conclusão, sendo que no primeiro deles será abordada a evolução histórica dos direitos das pessoas portadores de deficiência, a origem e objetivo da Lei nº 13.146, o conceito de deficiência, e por fim, o instituto da capacidade.

No segundo capitulo serão abordadas as mudanças introduzidas pelo EPD ao instituto da capacidade, reforma esta que trará profundos desdobramentos no direito pátrio e que trata-se de verdadeira revolução. Logo após, ainda no

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segundo capítulo, será tratado sobre a nova roupagem do procedimento de interdição, e do inédito instituto da tomada de decisão apoiada.

Já no terceiro capitulo, será versado de modo isolado sobre as principais inovações trazidas pelo Estatuto nas mais diversas esferas do direito, passando pelas modificações em relação ao direito de família, às interações com o novo código de processo civil, chegando-se até às implicações no direito e processo penal.

Por fim, vale frisar que o tema é novo e polêmico, gerando dúvidas e questionamentos a respeito de sua aplicabilidade e extensão prática, o que ressalta a importância de se debatê-lo.

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2 A EVOLUÇÃO HISTÓRIA DOS DIREITOS DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA

Para compreender o tema com clareza, faz-se necessário adentrar-se na origem, na forma, e nos motivos pelos quais a realidade fática e jurídica evoluíram até o presente estado. Feito isto, pode-se passar à análise do tratado normativo mais moderno da atualidade a respeito do tema, o chamado Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Segundo João Aguirre (2015, p.1), excluídas da sociedade, diversas vezes vítimas de crueldade e opressão, as pessoas com deficiência no decorrer do tempo eram rotuladas como inválidas ou loucas.

A segregação e o preconceito sempre estiveram gravados na história das pessoas portadoras de deficiência, limitando-as a aceitar o mínimo que o Estado e a sociedade lhes ofereciam. (MARANHÃO, 2005, p.21).

Deve-se notar o sentido protetivo que, historicamente, a lei adotou para a teoria das incapacidades. Como observa Silvio Rodrigues (2007, p.39), o legislador procurava proteger as pessoas com deficiência ao arrolá-las entre os incapazes, a fim de submetê-las a um regime legal privilegiado, capaz de preservar seus interesses.

Arnoldo Wald (2009, p.174), em uma releitura histórica, lembra que desde o direito romano a capacidade de fato era negada aos loucos, às crianças e às mulheres.

A Lei das XII Tábuas, elaborada entre 450 e 449 a. C., determinava que o próprio pai matasse o filho recém-nascido que possuísse deformidades ou sinais de monstruosidades. (MARANHÃO, 2005, p.24).

Durante a Idade Média, os princípios que envolviam as pessoas portadoras de deficiência eram influenciadas por concepções místicas, mágicas ou misteriosas, de baixo padrão. Porém, mesmo assim, casos de deformações ou doenças iniciaram a ser dignos de mais atenção, sendo tratados em hospitais e abrigos para doentes e portadores de deficiência, mantidos por governantes com a ajuda da igreja ou senhores feudais. (MARANHÃO, 2005, p.25).

Durante os séculos VII ao século XXI, segundo Rosanne de Oliveira Maranhão (2005, p.24), “os hospitais mantidos por mosteiros e abadias foram praticamente as únicas instituições europeias a se dedicarem ao cuidado de

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doentes, em especial aos crônicos, servindo estes também para abrigo de pessoas com sérias limitações físicas ou sensoriais.”

Já no final da Idade Média, o Renascimento comercial e urbano abre novas portas para as ciências, passando a ter uma concepção de que o avanço do homem não dependia apenas da vontade divina, mas do esforço dele mesmo. Assim, os deficientes, que faziam parte de um grupo marginalizado a época, começaram a receber atenções mais humanizadas. (MARANHÃO, 2005, p.26).

João Aguirre (2015, p.1) explica que diante da Revolução Francesa assentou-se o ideal de igualdade formal, atributo do ideal liberal, superando o modelo de exclusão que fazia parte dos antigos sistemas, que restringia direitos de mulheres, pessoas com deficiência, estrangeiros, escravos, entre outros indivíduos que fugiam do conceito de normalidade da época.

É nas Constituições escritas da França, de 1791, e dos Estados Unidos, de 1787, que aparecem as previsões de direitos e garantias fundamentais, que evidencia a igualdade como pilar do princípio onde repousa o respeito à dignidade humana. (MARANHÃO, 2005, p.28).

Após a independência do Brasil, mais especificamente em 25 de março de 1824, foi jurada a primeira Constituição Política do Império. Apesar de garantir o direito à igualdade, proteção específica aos direitos das pessoas portadoras de deficiência não chegou a fazer parte de seu conteúdo. A Constituição de 1891, sendo a primeira republicana, mantém a garantia ao direito à igualdade, entretanto, também não traz qualquer proteção específica aos portadores de deficiência. (MARANHÃO, 2005, p.76).

Como percebem Washington de Barros Monteiro e Cristina de Barros Monteiro França Pinto (2012, p.79), o Código Civil de 1916, além de considerar como indivíduos sem capacidade de fato, denominava as pessoas portadoras de deficiência como loucos de todo gênero, termo já unanimemente tratado como inapropriado pelos comentadores da época.

Segundo João Aguirre (2015, p.1), fundamentado no sistema clássico do Código Napoleônico, o Código Civil de 1916, que possuía harmonia com o modelo patriarcal e patrimonialista comuns da época, não permitia ao indivíduo que possuísse qualquer tipo de impedimento de natureza mental, a prática de qualquer ato da vida civil sem estar representado.

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No código civil de 1916, as pessoas com deficiência eram automaticamente classificadas como loucas de todo gênero e submetidas à interdição. (LOBO, 2015, p.1).

Esse padrão é superado com a chegada da Constituição Federal de 1988, onde passa-se a seguir o modelo existencialista, que baseia-se na tutela da pessoa humana e sua dignidade, norteado pelo respeito à diversidade e pela inclusão. (AGUIRRE, 2015, p.1)

Até antes de 1988, não havia nas Constituições Brasileiras nenhuma previsão expressa quanto a dispositivo legal que promovesse a inclusão do portador de deficiência. Segundo Rosanne de Oliveira Maranhão (2005, p.80): “efetivamente, foi a Constituição de 1988 que veio romper com aquele modelo até então utilizado, quando instituiu regras que objetivaram incluir socialmente o portador de deficiência, por meio do trabalho, assegurando-lhes toda a proteção contra discriminação.”

Com fundamento na cidadania, na dignidade da pessoa humana, e nos valores sociais do trabalho, a Constituição Federal de 1988 dedicou ao tema vários dispositivos, apresentando assim uma relevante parcela de normas protecionistas e garantidoras de inclusão social das pessoas portadoras de deficiência. (MARANHÃO, 2005, p.80).

Logo em seu artigo 1º, a Constituição Federal de 1988 consagra como fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (BRASIL, 1988).

É alicerçado neste regime igualitário que o portador de deficiência conquista e assegura seus direitos, usufruindo da proteção indispensável do Estado para garantir seu sustento, por meio da conquista de um trabalho digno e respeitado. (MARANHÃO, 2005, p.82).

Paulo Lobo (2015, p.1) observa que o código civil de 2002 reduz a discriminatória classificação dada pelo código civil de 1916 aos portadores de deficiência, entretanto preserva a incapacidade absoluta para pessoas com enfermidade ou deficiência mental.

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Conforme leciona Maurício Requião (2015, p.1), historicamente, desde as Ordenações Filipinas, passando pelo código civil de 1916 e de 2002, a pessoa portadora de deficiência fora tratada como incapaz pelo direito brasileiro, sob a justificativa da proteção que tal rótulo traz consigo. Não obstante, tal tratamento vem acompanhado de notável dano à autonomia e à própria dignidade da pessoa portadora de deficiência.

Paulo Lobo (2015, p.1) explica que tudo mudou no direito brasileiro com a chegada da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, esta que foi inserida pelo Decreto 186/08, e promulgada pelo decreto executivo nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Após isto, regulamentando a convenção, há o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015.

É sobre este novo e moderno tratado normativo que o presente trabalho passará a tratar.

2.1 A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA

No Brasil e no mundo, expressivo é o número de pessoas portadoras de deficiência, assim, diante de tal realidade, não deve nem o direito, e muito menos a sociedade, afastar-se dos problemas que as afetam, tanto na sua relação com o trabalho, como também na valoração como pessoa humana. (MARANHÃO, 2005, p.21).

Fazem parte da natureza humana a diversidade e a diferença, sendo a deficiência apenas mais um tipo de pluralidade existente entre as pessoas. A deficiência pode ser mais visível em algumas pessoas do que em outras, podendo também trazer consigo sinais ou sequelas mais relevantes, maiores ou menores. (SANTIN, 2011, p.12).

Não se pode levar em consideração apenas uma falta ou diferença no físico, mental, sensorial, ou orgânico do indivíduo. A conceituação de pessoa com deficiência possui relação direta com à dificuldade encontrada por ela em seu dia-a-dia, na adaptação e integração ao meio social em que vive. (SANTIN, 2011, p.15).

Variadas são as intitulações dadas as pessoas portadoras de deficiência no decorrer da história, e isso acontece ainda hoje, nacional e internacionalmente. Segundo Rosanne de Oliveira Maranhão (2005, p.29), nossa atual Constituição se

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utiliza da expressão “portador de deficiência” ou “pessoas portadoras”, como percebe-se na redação dos artigos abaixo:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

[...]

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as

pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;

(BRASIL, 1988, grifo nosso).

Variados são os conceitos doutrinários a respeito da terminologia adequada, como exemplo célere, pode-se citar Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que se referia ao termo excepcional como: “aqueles que por motivos físicos ou mentais se encontram em situação de inferioridade em relação aos chamados normais”. (FERREIRA FILHO, 1975, p.217 apud MARANHÃO, 2005, p.30).

O preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência aponta que o conceito de deficiência está em constante evolução, sendo a deficiência resultante “da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. (BRASIL, 2009).

Segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), “a deficiência como gênero engloba todas as pessoas que possuam uma menos valia na capacidade física, psíquica ou sensorial – independente de sua gradação -, sendo bastante uma especial dificuldade para satisfazer as necessidades normais. “

O artigo segundo do EPD descortina um horizonte jurídico novo no Brasil, conceituando precisamente o que se considera pessoa com deficiência:

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (BRASIL, 2015).

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Interessante notar que o artigo supracitado tem a mesma redação do artigo 6º da lei complementar nº 142, de 2013, que cuida da aposentadoria da pessoa com deficiência. (VIANA, 2015).

Duas são as formas de visualizar a deficiência, a primeira e mais antiga é a baseada no modelo médico, a outra, mais moderna, baseia-se no modelo social. O modelo médico é mais técnico, enquanto o social vem a ser formado pelas próprias pessoas com deficiência. O modelo mais adequado a ser utilizado é o social, visto que analisa o todo, ressaltando a importância do ambiente em que o indivíduo vive, visualizando o problema como pertencente de toda sociedade, e não só do indivíduo e de sua família. (SANTIN, 2011, p.15).

Segundo o senso do IBGE, divulgado no dia 27 de abril de 2012, feito com base nos dados do Censo Demográfico de 2010, mais de 45,6 milhões de brasileiros declaram ter alguma deficiência, o que representa 23,9% da população brasileira, o que ressalta a grande importância de existirem leis que tratem do assunto. (IBGE, 2012).

2.1.1 A origem do Estatuto e seu objetivo

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, também chamada de Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, é diploma legal de autoria do senador Paulo Paim, sancionada no dia 6 de julho de 2015, entrando em vigor no dia 2 de janeiro de 2016.

De acordo com o Senador Paulo Paim (2015, p.1), a tramitação do EPD durou 15 anos, gerando assim uma das mais importantes ferramentas de emancipação social dessa parcela da população, sendo fruto de mais de 1500 encontros, entre consultas, seminários, audiências públicas, conferências nacionais e regionais com participação de entidades e do movimento de pessoas com deficiência.

Segundo Pablo Stolze (2015), o EPD não interessa a somente uma categoria de pessoas, não há uma setorização, sendo equivocado pensar desta forma, visto que a sociedade é una, e o que diz respeito a um cidadão, automaticamente diz respeito a todos.

O EPD, como explana Salomão Viana (2015), é um diploma legal com ampla repercussão em diversas faces do direito, atingindo não só o direito civil, mas

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também as relações trabalhistas, o direito administrativo, e as mais diversas esferas do direito brasileiro, e além disso, trata-se de um instrumento legal que coloca as pessoas em contato com textos normativos absolutamente modernos.

O artigo primeiro da lei nº 13.146 de 2015, transcrito abaixo, anuncia o EPD, e além disso, faz uma conexão com o direito internacional, este que foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro:

Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

Parágrafo único. Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o procedimento previsto no § 3o do art. 5o da Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno. (BRASIL, 2015).

O EPD tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, esta que já estava incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, o que levou o professor Paulo Lobo (2015, p.1) a dizer que, após o início da vigência da convenção em 2009, a pessoa com deficiência não mais se incluía no rol dos absolutamente incapazes para o direito brasileiro.

Segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência “é o primeiro tratado de consenso universal que concretamente especifica os direitos das pessoas com deficiência pelo viés dos direitos humanos, adotando um modelo social de deficiência que importa em um giro transcendente na sua condição.”

Os direitos trazidos pela convenção, como comenta Pablo Stolze (2015), seguindo o mesmo raciocínio, já estariam em vigor no Brasil desde 2009, entretanto, há no país o péssimo hábito de necessitar de uma lei para explicitar aquilo que uma convenção já apresentava, inclusive, vale ressaltar, com força de norma constitucional. O Estatuto não deixa de ser inédito e pioneiro, todavia, grande parte das conquistas já haviam sido incorporadas ao ordenamento brasileiro pela convenção supracitada.

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Rigorosamente, como explana Salomão Viana (2015), diante de tudo que compõe um estado democrático de direito, muito do que consta no EPD não precisaria constar. O EPD decorre da necessidade de ver um texto infraconstitucional dizendo aquilo que já devia ser percebido apenas olhando para a Constituição Federal.

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2015, p.1), ao tratar sobre a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, afirma que esta “consagra inovadora visão jurídica a respeito da pessoa com deficiência, sob o viés dos Direitos Humanos, adotando um modelo social cujo desiderato é incluir o deficiente na comunidade, garantindo-lhe uma vida independente, com a igualdade no exercício da capacidade jurídica.”

Em relação ao mesmo tema, Joyceane Bezerra de Menezes (2015, p.4) explana que a convenção nega a ideia da deficiência como um aspecto inerente à pessoa, passando a entender esta como sendo uma limitação contínua, que pode piorar em função de barreiras sociais e impedimentos naturais, sejam eles do ambiente ou institucionais, excluindo ou dificultando a participação do sujeito no meio social.

A convenção supracitada preceitua que a deficiência não se justifica pelas limitações pessoais originadas de uma patologia, desviando assim o problema para uma perspectiva social, esta que exclui e discrimina, gerando entraves, o que traz a necessidade de uma estratégia social para promover o desenvolvimento pleno deste indivíduo. (ROSENVALD, 2015, p.1).

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência estabelece, em seu artigo 12, que “as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida.” (BRASIL, 2009).

Assim, como explana Rogério Alvarez de Oliveira (2016, p.1), o EPD ajusta o ordenamento jurídico nacional à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, conferindo às pessoas portadoras de deficiência a possibilidade de usufruir de capacidade legal para todos os aspectos da vida.

De acordo com José Fernando Simão (2015, p.1), o EPD é fruto de um momento histórico em que “há, sob o argumento de se evitar discriminações, uma negação injustificada das diferenças, o que acaba por gerar o abandono jurídico de uma importante parcela da população que dela necessita.”

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Com fulcro nos objetivos traçados pela Convenção da Pessoa com Deficiência, conforme explana Moacyr Petrocelli de Ávila (2015, p.1), o EPD instiga uma reconfiguração de institutos clássicos e teorias do direito privado em favor de uma nova realidade jurídica para as pessoas portadoras de deficiência.

Muito do que consta no EPD, como constata Salomão Viana (2015), trata-se em verdade de positivação de elaboração de textos, dos quais trata-se pretende extrair normas, estas que já poderiam ter sido retiradas do sistema jurídico como um todo.

Na análise de Pablo Stolze (2015), com um pouco mais de respeito e cuidado uns com os outros, talvez a sociedade não fosse tão dependente e escrava de leis tão detalhadas, estas que cuidam de regular aspectos da vida que seriam desnecessários se vistos com um pouco mais de sensatez.

2.2 A CAPACIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

Antes de estudar as principais inovações que o EPD trouxe para o Direito brasileiro, sendo a mais profunda delas a mudança da classificação da pessoa com deficiência em relação a sua capacidade, é importante elucidar o instituto da capacidade civil em si.

Segundo Maria Helena Diniz (2012, p.167), o artigo 1ª do Código Civil prescreve que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, extraindo-se a ideia de capacidade, extraindo-sendo ela a maior ou a menor extensão dos direitos ou deveres de uma pessoa.

Já segundo leciona Washington de Barros Monteiro e Cristina de Barros Monteiro França Pinto (2012, p.74), a capacidade é a aptidão para se adquirir direitos e exercer, seja por si só ou por outrem, atos da vida civil. Nesta ótica, capacidade é elemento da personalidade, esta que, projetando-se no campo do direito, é expressa pela ideia de pessoa, ente capaz de direito e obrigações.

Para os autores supracitados é notável que o conceito de capacidade se ambienta com o de personalidade e o de pessoa, posição parecida à de Carlos Roberto Gonçalves (2009, pag. 70 e 71), para quem o conceito de pessoa está umbilicalmente ligado ao de personalidade, e este ao de capacidade, sendo a capacidade a medida da personalidade.

Em outro giro, todo o ser humano, na ótica de Silvio Rodrigues (2007, p. 39), tem capacidade para ser titular de direitos e obrigações na ordem civil, desde

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seu nascimento até sua morte, entretanto isso não significa que todos possam exercer pessoalmente tais direitos.

2.2.1 Distinção entre capacidade de fato e de direito

Além de abordar o conceito de capacidade de acordo com a doutrina, é importante também ater-se à diferenciação quanto à classificação da capacidade de fato e de direito.

Observa Arnold Wald (2009, p.173):

Se todos os homens são capazes de direito, podendo ter direitos subjetivos e contrair obrigações, nem todos são aptos a praticar pessoalmente os atos da vida civil. Distinguimos, pois, a capacidade de direito, ou seja, a possibilidade de adquirir direitos e contrair obrigações por si ou por terceiros, da capacidade de fato, também chamada capacidade de exercício ou de negócio, em virtude da qual um indivíduo pode praticar pessoalmente os atos da vida civil, sem necessitar de assistência ou de representação.

Lecionam Washington de Barros Monteiro e Cristina de Barros Monteiro França Pinto (2012, p.77), e na mesma linha Maria Helena Diniz (2012, p.168), que a capacidade de fato pressupõe a existência da capacidade de direito, entretanto, esta poderá subsistir independente da de fato ou de exercício.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 71), a capacidade de direito é a que todos têm, adquirida ao nascer com vida, também denominada capacidade de aquisição de direitos, sendo reconhecida sem qualquer distinção em qualquer ser humano. Entretanto, nem todas as pessoas tem capacidade de fato, também chamada de capacidade de ação ou exercício, que é a habilidade de exercer sozinho os atos da vida civil.

Em outras palavras, a capacidade de direito ou de gozo, na ótica de Washington de Barros Monteiro e Cristina de Barros Monteiro França Pinto (2012, p.77), é inserida na natureza do ente humano, sendo normal em toda e qualquer pessoa, ficando vedado qualquer indivíduo dela ser privada pelo ordenamento jurídico. Já a capacidade de fato é a simples aptidão para exercitar direito, ou seja, é a faculdade de os fazer valer.

Na lição de Maria Helena Diniz (2012, p.167), a capacidade de direito é oriunda da personalidade e trata-se de aptidão para adquirir direitos e contrair deveres na vida civil, sendo que essa não pode ser recusada ao indivíduo, sob pena

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de se negar sua qualidade de pessoa, retirando atributos da personalidade. Já a capacidade de fato seria a aptidão de exercer sozinho os atos da vida civil, “dependendo, portanto, do discernimento que é critério, prudência, juízo, tino, inteligência, e, sob o prisma jurídico, a aptidão que tem a pessoa de distinguir o lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial.”

Aquele que possui ambas as capacidades, a de fato e a de direito, tem capacidade plena. Quem só possui capacidade de direito tem capacidade limitada, e são por isso chamados de incapazes, necessitando de assistência de terceiros para praticar atos da vida civil. (GONÇALVEZ, 2009, p.72).

A incapacidade, segundo Maria Helena Diniz (2012, p. 168), em breve conceito, é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, sendo que tal incapacidade pode ser absoluta ou relativa.

Como elucida Silvio Rodrigues (2007, p.39), reconhecer a incapacidade em uma pessoa é identificar a inexistência daqueles requisitos que a lei acha indispensáveis para que ela exerça os seus direitos.

Verificado o conceito de capacidade e seus desdobramentos básicos, passa-se ao estudo das profundas modificações que o EPD trouxe a este importante instituto.

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3 AS MODIFICAÇÕES INSERIDAS PELO EPD NO INSTITUTO DA CAPACIDADE

Guardadas as proporções, segundo Pablo Stolze (2015), o impacto da lei nº 13.146 de 2015 no ordenamento jurídico brasileiro é proporcional ao impacto do novo código de processo civil. Obviamente o EPD não tem a extensão deste, entretanto, causa uma profunda alteração em aspectos fundamentais, ocasionando impactos não só no direito civil, como também nas mais diversas esferas do direito pátrio.

Segundo Marlon Tomazette e Rogério Andrade Cavalcanti Araújo (2015, p.1), trazendo variados avanços na igualdade e dignidade do tratamento conferido aos indivíduos portadores de deficiência, o legislador, por meio do EPD, altera norma que trazia cunho pejorativo, e que classificava como causa incapacitante certas hipóteses de deficiência.

O EPD significa uma verdadeira reconstrução, inclusive na perspectiva ideológica, sendo que a partir de sua vigência há uma verdadeira desconstrução de conceitos fundamentais, estes que estavam assentados há muitos anos. Metaforicamente, grande parte do que se aprende sobre capacidade civil a partir de 2016 será simplesmente rasgado. (STOLZE, 2015).

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2015, p.1) explica que o EPD mitiga a teoria das incapacidades, entretanto não a extingue, visto a impossibilidade prática da existência de um país constituído apenas por indivíduos plenamente capazes.

Como observa Flávio Tartuce (2015, p.1), uma mitigação do sistema de incapacidade já havia acontecido no passado, a exemplo do que prescrevia o código civil de 2002 em relação ao seu antecessor, onde o código civil de 1916 classificava como absolutamente incapazes os surdos-mudos que não pudessem se expressar.

Conforme expõe Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2015, p.1), ampla proteção ao direito fundamental à capacidade civil foi conferida pelo EPD, “privilegiando a autonomia do deficiente, e, ao mesmo tempo, abrindo espaço de escolha para que este constitua em torno de si uma rede de sujeitos de sua confiança, para lhe auxiliar nos atos da vida civil, caso seja necessário.”

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Segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), o que EPD faz é adequar a teoria das incapacidades conforme o que preceitua a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e a Constituição Federal.

Na ótica de João Aguirre (2015, p.1), a capacidade civil constitui direito fundamental do indivíduo, o que reitera o dever de inclusão da pessoa portadora de deficiência ao sistema social, não só jurídico, reconhecendo assim a sua igualdade e titularidade de direitos, garantindo assim seu exercício pleno da cidadania.

Como comenta Pablo Stolze (2015), a condução ao rótulo de incapaz é algo que estigmatiza, sendo que, obviamente, nem todo tipo de deficiência resultará em um raciocínio de incapacidade.

Segundo Rodrigo da Cunha Pereira (2015, p.1), este novo entendimento a respeito do instituto da capacidade “é uma boa tradução e incorporação da noção e valorização da dignidade e dignificação do humano e alguns passos adiante da noção original de Immanuel Kant em sua clássica obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes.”

Como observa Henrique Koga Fujiki (2015, p.1), o direito civil admite que certos indivíduos não tem aptidão, seja em função da idade ou de problemas médicos-psicológicos, para realizar certos atos da vida comum como a maior parte dos cidadãos, tal premissa baseia-se na preservação da dignidade humana.

Segundo Elvis Rossi (2015, p.1), “a dignidade humana como direito fundamental e inerente à personalidade humana atrai sempre outros princípios igualmente garantidores de sua realização prática, como a igualdade.”

Como leciona Rodrigo da Cunha Pereira (2015, p.1), é por conta do macro princípio constitucional da dignidade da pessoa humana que todos os filhos e famílias são legitimados e devem receber proteção do Estado. Trata-se de princípio que está presente e tornou-se palavra de ordem de todos os ordenamentos jurídicos contemporâneos. O EPD, ao demonstrar em seu texto toda uma evolução e noção de inclusão social, reconhece o valor e consolida o princípio da dignidade da pessoa humana.

Segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), “o princípio da Dignidade da Pessoa Humana não se compatibiliza com uma abstrata homogeneização de seres humanos em uma categoria despersonalizada de absolutamente incapazes.”

Em um raciocínio mais cuidadoso, deixando de lado o louvado aspecto inclusivo do EPD, Pablo Stolze (2015) afirma que não se trata de apenas um jogo de

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linguagem, mas de uma postura com raízes ideológicas, passando a pessoa com deficiência a ser considerada em um perspectiva isonômica, inspirada na eficácia horizontal dos direitos fundamentais, uma pessoa legalmente capaz, ainda que precise se valer de outros institutos para atuar na vida social. A fórmula preconceituosa que automaticamente rotulava a pessoa portadora de deficiência como incapaz deixa de existir, marcando um passo de grande evolução para o ordenamento jurídico brasileiro.

Diante dessa mudança de perspectiva, é relevante citar trecho do parecer número 226 de 2016, que analisou o projeto de lei que deu origem ao EPD, de autoria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (2015, p.8):

Seu cerne é o reconhecimento de que condição de pessoa com deficiência, isoladamente, não é elemento relevante para limitar a capacidade civil. Assim, a deficiência não é, a priori, causadora de limitações à capacidade civil. Os elementos que importam, realmente, para eventual limitação dessa capacidade, são o discernimento para tomar decisões e a aptidão para manifestar vontade. Uma pessoa pode ter deficiência e pleno discernimento, ou pode não ter deficiência alguma e não conseguir manifestar sua vontade. Considerar que a deficiência, e não a falta desses outros elementos, justifica qualquer limitação de direitos é institucionalizar a discriminação.

[...]

Entendemos, na linha da Convenção, que as pessoas com deficiência não podem sofrer limitações na sua capacidade civil. Assim, impõe-se a revogação de toda a legislação que dispõe em sentido contrário. Os institutos da tutela e da curatela têm sido empregados de modo retrógrado e draconiano, limitando exageradamente a capacidade das pessoas que deveriam ser suas beneficiárias.

A grande reconstrução ideológica da Lei nº 13.146 de 2015 se passa no plano da capacidade civil, pois a partir da entrada em vigor do EPD, como ensina Pablo Stolze (2015), a pessoa portadora de deficiência, seja esta de que natureza for, passa a ser considerada, em um plano isonômico, como legalmente capaz, ainda que para atuar na vida social se valha de institutos protetivos, a exemplo da curatela ou da tomada de decisão apoiada.

Segundo Flávio Tartuce (2015, p.1), o EPD altera o sistema de incapacidades para deixá-lo mais flexível, “pensado a partir das circunstâncias do caso concreto e em prol da inclusão das pessoas com deficiência, tutelando a sua dignidade e a sua interação social.”

Rogério Alvarez de Oliveira (2016, p.1) afirma que tal alteração representa uma mudança de paradigma, esta que tem por objetivo a plena inclusão da pessoa

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com deficiência na sociedade, possibilitando a esta o exercício do casamento, do trabalho, filhos, entre outros atos da vida.

O EPD altera a teoria das incapacidades, tirando o rótulo de incapaz, baseado na superada perspectiva médica-assistencialista, daquele que possui insuficiência psíquica ou intelectual. Escolhe o legislador por localizar a incapacidade “no conjunto de circunstâncias que evidenciem a impossibilidade real e duradoura da pessoa querer e entender – e que portanto justifiquem a curatela-, sem que o ser humano, em toda a sua complexidade, seja reduzido ao âmbito clínico de um impedimento psíquico ou intelectual.” (ROSENVALD, 2015, p.1).

Pablo Stolze (2015) explica que a grande inovação do EPD é trazer, em seu artigo 6º, em dicção clara e objetiva, a ideia de que a deficiência não afeta a plena capacidade civil do indivíduo, quebrando assim um paradigma, e projetando efeitos nas mais diversas esferas do ordenamento jurídico:

Art. 6o: A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa,

inclusive para:

I - casar-se e constituir união estável; II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. (BRASIL, 2015, grifo nosso).

Na mesma linha, o artigo 84 do EPD preconiza que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas:

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. §1o: Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à

curatela, conforme a lei.

§2o: É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada

de decisão apoiada.

§3o: A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida

protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.

§4o: Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua

administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano. (BRASIL, 2015).

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O artigo 6º desconstrói algo assentado no Brasil há muitas décadas, visto que a pessoa com deficiência era quase sempre invariavelmente conduzida ao rótulo de incapaz e levada à noção de interditada. Assim, a partir da entrada em vigor do Estatuto, a pessoa com deficiência passa a ser considerada legalmente capaz para o ordenamento jurídico brasileiro. (STOLZE, 2015).

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2015, p.1) afirma que o EPD, em seu artigo 6º, ao reconhecer a plena capacidade civil da pessoa portadora de deficiência, permite que esta tenha a liberdade para praticar todos os atos relacionados aos seus direitos existenciais.

Pablo Stolze (2015) afirma que o artigo 2º do EPD, conjugado com os artigos 6º e 84 do mesmo diploma legal, significam uma das maiores revoluções do ordenamento jurídico brasileiro, passando a pessoa com deficiência ser considerada legalmente capaz, inclusive para prática de direitos derivados do ordenamento jurídico familiar.

Segundo José Fernando Simão (2015, p.1), a partir da entrada em vigor do EPD, todas as pessoas que foram interditadas em função de deficiência mental ou enfermidade passam a ser classificadas como plenamente capazes.

Passa a ser um erro técnico, a partir da vigência do EPD, dizer que há no ordenamento hipótese de incapacidade derivada de qualquer tipo deficiência. Entretanto, precisa-se observar que a norma legal não pode mudar a realidade da vida, sendo assim, como leciona Pablo Stolze (2015), no momento que a norma legal diz que a pessoa é plenamente capaz, ela não tem o condão de alterar o estado de saúde existencial daquela pessoa. O que o EPD faz é uma verdadeira mudança paradigmática, a opção que o legislador faz aqui é uma verdadeira desconstrução ideológica, visto que o direito vive de conceitos.

Na lição de Nelson Rosenvald (2015, p.1), o que passa a diferenciar a capacidade da incapacidade não é mais as características pessoais do indivíduo, e sim o fato de, por qualquer motivo, este não conseguir expressar ou formar a sua vontade, prevalecendo “o critério da impossibilidade de o cidadão maior tomar decisões de forma esclarecida e autônoma sobre a sua pessoa ou bens ou de adequadamente as exprimir ou lhes dar execução.”

Conforme explica Rogério Alvarez de Oliveira (2016, p.1), a lei abandonou a taxativa classificação de incapacidade civil absoluta das pessoas portadoras de deficiência mental ou intelectual, como preconizava o alterado artigo 3º do código

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civil, deixando essa trabalho ao julgamento do magistrado, este que ficará incumbido de exercer a administração da curatela e decidir quais atos poderão ser praticados pelo indivíduo.

Como bem resume Flavio Tartuce (2015, p.1), visando a plena inclusão social, em prol da dignidade da pessoa com deficiência, com a chegada do EPD passam a ser, em regra, consideradas como plenamente capazes.

Veja-se as alterações que o EPD traz para os artigos 3º e 4º do código civil, comparando a antiga redação com a nova:

(BRASIL, 2002).

REDAÇÃO ANTERIOR AO ESTATUTO

REDAÇÃO APÓS O ESTATUTO Art. 3o São absolutamente incapazes de

exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o

necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 3o: São absolutamente incapazes de

exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Art. 4o São incapazes, relativamente a

certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem

desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Art. 4o: São incapazes, relativamente a

certos atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

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Conforme explica Atalá Correia (2015, p.1), o EPD revogou expressamente os incisos II e III do artigo 3º do Código Civil, sendo que agora há apenas uma única causa de incapacidade absoluta, qual seja, ser a pessoa menor de 16 anos. Além disso, não são mais classificados como absolutamente incapazes “os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos” e “os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”.

Segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), “não se pode mais admitir uma incapacidade legal absoluta que resulte em morte civil da pessoa, com a transferência compulsória das decisões e escolhas existenciais para o curador.”

A título exemplificativo, Flávio Tartuce (2015, p.1) afirma que, com a alteração inseridas pelo EPD no inciso III do artigo 4º do código civil, o portador de síndrome de Down, por exemplo, passa a ser considerado plenamente capaz.

Na lição de Atalá Correia (2015, p.1), são agora hipóteses de incapacidade relativa: “a) maiores de 16 e menores de 18 anos; b) ébrios habituais e os viciados em tóxico (a lei deixa de fazer menção aos que, por deficiência mental, tenham discernimento reduzido); d) e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (foi excluída a menção aos os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo); e) os pródigos.”

Flávio Tartuce (2015, p.1) aponta que, com a entrada em vigor do EPD, passa a ser hipótese de incapacidade relativa, e não mais de incapacidade absoluta, as pessoas que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir vontade.

Na mesma linha, segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), diante da incompatibilidade da incapacidade absoluta com o princípio da dignidade da pessoa humana, no contexto em que homogeneíza a pessoa portadora de deficiência à uma categoria despersonalizada, foram transferidos para a classificação de relativamente incapazes todos aqueles indivíduos que não puderem se autodominar.

Segundo explana Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2015, p.1), os ébrios habituais, os pródigos, e os viciados em tóxico continuam classificados na categoria de relativamente incapazes, dependendo assim de uma sentença judicial em um processo de interdição relativa para que sua incapacidade seja reconhecida.

Segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), o EPD firmou, na visão do autor, corretamente, uma ampla necessidade de preservação ao direito fundamental à

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capacidade civil, visto que a rotulação de incapaz trata-se de sanção normativa excepcionalíssima, esta que cerceia o exercício autônomo de direitos fundamentais.

A presunção de plena capacidade civil em prol das pessoas portadoras de deficiência, segundo aponta Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2015, p.1), deriva do reconhecimento da garantia de igualdade instituída pelo EPD.

O EPD classifica a deficiência como uma vulnerabilidade, sendo um impedimento duradouro sensorial, mental ou físico, este que, segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), não presume qualquer forma de incapacidade, pelo menos em princípio, em prol da garantia de igualdade que faz surgir uma presunção geral de plena capacidade ás pessoas portadoras de deficiência.

Segundo João Aguirre (2015, p.1), diante das alterações promovidas pelo EPD no instituto da capacidade, “infere-se a clara intenção do legislador em retirar o emblema da incapacidade e da exclusão da pessoa com deficiência, abrindo-se caminho para o exercício pleno de sua cidadania e para a inclusão social.”

A garantia de igualdade, à luz do EPD, reconhece em prol das pessoas portadoras de deficiência uma presunção geral de plena capacidade civil, entretanto, como ensina Nelson Rosenvald (2015, p.1), se abundantemente justificada, diante de pertinente inversão de carga probatória, a incapacidade pode ser reconhecida.

Atalá Correia (2015, p.1) explica que a realidade biológica dos fatos não pode ser mudada pelo EPD, pois a pessoa com deficiência por moléstia incurável não passará, somente por em virtude da lei, a conseguir manifestar sua vontade.

A ideia é que o deficiente possa desfrutar de maneira plena dos direitos civis, patrimoniais e existenciais, entretanto, como explica Nelson Rosenvald (2015, p.1), se o indivíduo não possuir capacidade para se autodeterminar, a lei lhe conferirá, demandando o devido processo legal, proteção ainda mais pesada em relação à deferida ao deficiente capaz.

Segundo Maurício Requião (2015, p.1), a mudança apontada não implica, entretanto, que o portador de transtorno mental não possa vir a ter a sua capacidade limitada para a prática de certos atos. Afasta-se a condição de incapaz, porém, é mantida a possibilidade de que venha ela a ser submetida ao regime de curatela.

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3.1 REGIME DE TRANSIÇÃO

O EPD é silente quanto a um regime legal claro de transição, Atalá Correia (2015, p.1) afirma que a tradicional exegese da regra intertemporal indica a eficácia imediata da lei nova, entretanto, seria mais razoável em sua visão, dada a natureza constitutiva da sentença, que por iniciativa do ministério público ou das partes, ocorra uma revisão “da situação em os interditados se encontram, para que possam migrar para um regime de incapacidade relativa ou de tomada de decisão apoiada, conforme for o caso.”

Segundo Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro (2015, p.1), a disposição normativa tem eficácia e aplicabilidade imediata, visto tratar-se de lei que dispõe sobre o estado da pessoa natural, em suas palavras “será desnecessária qualquer medida judicial tendente ao levantamento da interdição decretada com arrimo na legislação civil moribunda.”

Mesma visão tem José Fernando Simão (2015, p.1), para quem o levantamento da interdição é desnecessário, visto que trata-se de lei de estado, pois ser capaz ou incapaz é parte do estado da pessoa natural, sendo assim, possui a lei eficácia imediata.

Como explana Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro (2015, p.1), apesar de não possuir natureza desconstitutiva, a averbação do levantamento da interdição, no “Livro E” do Registro Civil das Pessoas Naturais em que o interditado foi inscrito, garante a publicidade do fim da incapacidade daquele sujeito, dando assim primazia à realidade dos registros públicos e prevenindo possíveis prejuízos a terceiros e também ao próprio registrado. É com a averbação que terceiros terão conhecimento que aquele indivíduo possui plena capacidade civil, o que certifica segurança jurídica a futuros atos e negócios jurídicos.

3.2 CAPACIDADE VERSUS VALIDADE

Deve-se notar que o Código Civil, em seu artigo 166, estabelece que o ato praticado pelo incapaz é inválido, já o ato praticado pelo absolutamente incapaz é nulo, indo além, no artigo 171 é estabelecido que o negócio jurídico praticado pelo relativamente incapaz é anulável. (BRASIL, 2002).

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Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; [...]

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. (BRASIL, 2002).

Assim, a partir do momento que o EPD considera a pessoa com deficiência como legalmente capaz, os atos praticados por ela, a exemplo de um contrato sem a presença de um curador, por mais que manifestamente prejudiciais a esta, teoricamente passariam a ser considerados válidos.

Segundo Pablo Stolze (2015), trata-se esta de interpretação simplista, visto que não há como defender a validade de um contrato prejudicial, celebrado por pessoa portadora de deficiência, apenas pelo fato da lei considerá-la plenamente capaz. Ainda que reconheça-se que o ato não pode ser invalidado pela incapacidade, é preciso admitir que seja invalidado por outro fundamento, a exemplo da lesão, que seria muito mais nítida na perspectiva da boa-fé objetiva, ou da teoria dos defeitos do negócio, visto ser muito mais fácil demonstrar a ocorrência de defeito do negócio quanto a vítima é uma pessoa portadora de deficiência, independente de como ela seja classificada em relação a sua capacidade.

Segundo João Aguirre (2015, p1), é necessário que “as normas estatutárias sejam analisadas sob à égide de um sistema jurídico que protege a pessoa vulnerável, em razão de suas necessidades especiais, mas que possui normas de inclusão e reconhece a singularidade da pessoa humana e tutele a sua dignidade.”

Diante de um ato negocial prejudicial praticado por pessoa portadora de deficiência, em um tese mais arrojada, segundo Pablo Stolze (2015), pode-se defender que, em virtude da violação da boa-fé objetiva, haveria nulidade virtual, além disso, segundo o autor, a detecção do dolo e da lesão precisa ser facilitada, ainda que a jurisprudência para isso lance mão de determinados recursos como a inversão do ônus da prova.

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2015, p.1) e Flávio Tartuce (2015, p.1) observam que surgem dois posicionamentos na doutrina civilista diante do reconhecimento da plena capacidade da pessoa portadora de deficiência.

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A primeira corrente, na qual filiam-se Paulo Lobo (2015, p.1), Rodrigo da Cunha Pereira (2015, p.1), Flavio Tartuce (2015, p1), Nelson Rosewald (2015, p.1), Joyceane Bezerra de Menezes (2015, p.1) e Pablo Stolze (2015, p.1), reconhece a liberdade da pessoa portadora de deficiência, e em prol da tutela de sua dignidade e de sua inclusão social, entende que os direitos existenciais do indivíduo não são alcançados pela nulidade absoluta ou relativa.

A segunda corrente, na qual filiam-se Gustavo Nicolau (2015, p.1), Vitor Kumper (2015, p.1) e José Fernando Simão (2015, p.1), reconhece a vulnerabilidade da pessoa portadora de deficiência, defendendo que esta necessita de tutela diferenciada, em prol de sua dignidade, ensejando uma proteção, que viria do reconhecimento de sua incapacidade. Para os adeptos dessa corrente, o EPD afasta a proteção que a teoria das incapacidades trazia para a pessoa portadora de deficiência.

É indefensável, segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), visto a pluralidade de transtornos ou déficits intelectuais existentes, o esforço legislativo presente no código civil de 2002, de homogeneização de tais condições em prol de uma suposta segurança jurídica, aprisionando tais indivíduos em situações de supressão de direitos fundamentais.

Segundo João Aguirre (2015, p.1), a aspiração do legislador não é restringir os direitos da pessoa portadora de deficiência que seja vulnerável, pelo contrário, a intenção do legislador é mostrar que o reconhecimento de sua vulnerabilidade é exceção, e não a regra.

O legislador, ao redigir o EPD, segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), não teve o anseio de mudar a natureza fática das coisas, visto que, diante da imperfeição humana, inexiste maneira de criar-se um mundo perfeito. O pluralismo presente em um estado democrático de direito busca o respeito pelas diferenças e não a sua extinção.

Alguns juristas, a exemplo de Vitor Frederico Kumpel e Bruno de Ávila Borgarelli (2015, p.1), criticam o EPD contundentemente. Em sentido contrário, Pablo Stolze (2015) critica a condução a uma conclusão que resulte na negação dos avanços do EPD, visto que a intenção dele não é desproteger, sendo inaceitável, sob o argumento da dificuldade interpretativa, negar-se a grandeza do EPD e seu carácter digno e inclusivo.

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Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2015, p.1) explana que somente o tempo irá mostrar os desdobramentos práticos das alterações legislativas introduzidas pelo EPD, “contudo, em princípio, considera-se que a política de inclusão do deficiente vem ao encontro com a repersonalização do Direito Privado, em que a dignidade humana tem o seu lugar no centro das relações.”

Na ótica de Nestor Távora (2015), é necessário não se furtar ao diálogo, à discussão e à crítica, com relação a avanços e a eventuais retrocessos, ou até a algumas neutralizações necessária com relação ao EPD.

Não há que falar-se em retrocesso, segundo Pablo Stolze (2015), mesmo que em muitos pontos a pessoa com deficiência passe a estar desprotegida, é obvio que uma mudança dessa magnitude, com tal profundidade e peso ideológico, não poderia alterar o ordenamento jurídico brasileiro sem efeitos colaterais. Haverá sim problemas interpretativos, como salienta o mesmo autor, mas isto não pode significar um desincentivo, ou pior, a condenação do EPD ao cadafalso da indiferença. As dificuldades interpretativas, à luz da perspectiva constitucional do princípio da vedação ao retrocesso, deve ser superada, sendo tarefa dos operadores do direito.

Segundo Salamão Viana (2015) e Pablo Stolze (2015), o fato do EPD considerar a pessoa portadora de deficiência como legalmente capaz, não pode conduzir, em uma interpretação que levaria ao retrocesso, a retirada de direitos básicos já adquiridos em função de sua situação fática existencial do indivíduo, como por exemplo, o direito a vagas preferenciais. (STOLZE, 2015).

Segundo o que conclui José Fernando Simão (2015, p.1): “a premissa básica para a compreensão do EPD é a seguinte: o deficiente tem uma qualidade que os difere das demais pessoas, mas não uma doença. Assim, o deficiente tem igualdade de direitos e deveres com relação aos não deficientes.”

Como afirma Pablo Stolze (2015), é inegável que o EPD levante incertezas com sua chegada, o que ressalta ainda mais a necessidade de interpreta-lo de uma perspectiva constitucional, de forma que não vulnere o princípio da vedação ao retrocesso. É preciso uma apreciação consciente e equilibrada, não podendo conduzir-se a uma interpretação que resulte na negação dos avanços do EPD.

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Sensível é o apontamento de Salomão Viana (2015), ao observar que, se existisse no Brasil um pouco mais de consciência um dos outros, isto é, mais respeito ao próximo, não haveria a necessidade de existir leis tão minuciosas.

3.3 DO PROCESSO QUE DEFINE OS TERMOS DA CURATELA

Pablo Stolze (2015) explica que a interdição é um procedimento previsto no código de processo civil, vale lembrar, de jurisdição voluntária, por meio do qual o juiz reconhece a incapacidade civil e nomeia um curador ao incapaz.

Segundo Rogério Alvarez de Oliveira (2016, p.1) “a curatela é o instrumento pelo qual a pessoa que não possui discernimento possa exercer sua capacidade civil em sua plenitude por faltar-lhe a capacidade intelectual de fato.”

Para Nelson Rosenvald (2016, p.1) “tutela e curatela são instituições protetivas da pessoa e dos bens dos que detêm limitada capacidade de agir, evitando os riscos que essa carência possa impor aos exercícios das situações jurídicas por parte de indivíduos juridicamente vulneráveis.”

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2015, p.1) afirma que após a entrada em vigor do EPD, somente em situações excepcionais, desde que em seu interesse exclusivo, a pessoa portadora de deficiência poderá ser submetida à curatela.

Na ótica de Atalá Correia (2015, p.1), não há uma vedação a interdição, sendo assim, continuam sujeitas a interdição, quando relativamente capazes, as pessoas com deficiência mental severa.

Nelson Rosenvald (2015, p.1) afirma que o EPD admite como medida excepcional o instituto da curatela, entretanto não o relaciona com à incapacidade absoluta.

O EPD, no parágrafo primeiro de seu artigo 84, mantém a possibilidade de curatela à pessoa com deficiência, sendo aplicável, por exemplo, as pessoas com deficiência mental ou intelectual com dificuldade ou impossibilidade de discernimento, que não tenham condições de se autodeterminar. (OLIVEIRA, 2016, p.1)

Deve ficar claro, de acordo com Nelson Rosenvald (2015, p.1), que o indivíduo só será submetido a curatela em função de objetivamente não ser capaz

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de exprimir sua vontade, e não pela sua condição clínica de portadora de deficiência ou enfermidade mental.

O EPD mantém o instituto protetivo da curatela, entretanto o classifica expressamente como medida extraordinária, como preceitua o artigo 84, parágrafo terceiro, do EPD: “A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.” (BRASIL, 2015).

Conforme lição de Pablo Stolze (2015), não há como o procedimento de interdição acabar, o que acaba é a forma de interdição da maneira como conhecíamos. O procedimento não desapareceu, em outras palavras, o que acaba é o enquadramento, o âmbito de subsunção do procedimento, ou seja, a noção de procedimento de interdição que conduz a uma curatela geral, junto com a figura do curador universal, que representava o interditando em absolutamente todos os atos da vida civil.

Flavio Tartuce (2015, p.1) aponta que, depois da chegada do EPD, não há mais que se falar em ação de interdição absoluta no sistema privado brasileiro, visto que menores de idade não são interditados, e passa a inexistir agora em nosso ordenamento a figura da pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade.

A curatela continua existindo, mas como frisa Pablo Stolze (2015), mas não nos moldes tradicionais, em que o juiz designava um curador com poderes quase que absolutos para representar o incapaz em todos os atos de sua vida.

Para Rogério Alvarez de Oliveira (2016, p.1), diante do notável movimento normativo na busca da autonomia da vontade e inclusão das pessoas portadoras de deficiência, não é pertinente tratarmos a interdição como medida de proibição do exercício de direitos. Por isso o EPD prefere o uso do termo “curatela”, e o define como medida protetiva que visa a proteção da pessoa e a pratica de determinados atos exclusivamente de natureza negocial e patrimonial.

Nelson Rosenvald (2015, p.1) explica que o termo “interdição”, que alude a uma definição de curatela como medida substitutiva de atuação do indivíduo e restritiva de direitos, deve ser abolido, visto que este não possui mais intimidade com o novo conceito de curatela concebida pelo EPD.

Segundo Paulo Lobo (2015, p.1) poderá a pessoa com deficiência, em seu interesse exclusivo, ser submetida a curatela. Ao contrário da antiga sistemática

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desse instituto, a nova curatela deve durar o menor tempo possível, sendo proporcional ás necessidades e circunstâncias de cada caso, conforme preconiza o artigo 84 do EPD.

Não obstante, como lembra Atalá Correia (2015, p.1), outra evidencia da continuidade da possibilidade de interdição de pessoas portadoras de deficiência, é a manutenção da legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar a interdição nos casos de deficiência mental ou intelectual, nos termos do artigo 1.769 do Código Civil.

Conforme explica Pablo Stolze (2015), a pessoa com deficiência passa a ser considerada legalmente capaz, mesmo que para atuar na vida social se valha de institutos protetivos, a exemplo da curatela, que passa a ser considera, a partir da vigência do EPD, como medida extraordinária. Sendo assim a partir do EPD, admitindo-se a capacidade legal da pessoa com deficiência, a interdição total deixa de existir.

O EPD preconiza de forma evidente que, mesmo que o indivíduo se valha da curatela, não devemos considera-lo como incapaz. Estaremos diante da curatela de pessoa capaz, algo inusitado na história e tradição do Direito brasileiro. (SIMÃO, 2015, p.1).

Pablo Stolze (2015) aponta que o juiz, ao analisar a condição existencial da pessoa com deficiência, percebendo a necessidade de aplicação de um instituto protetivo, para que esta atue na vida social, não deve, dentro do possível, passar logo a designação de um curador. Deve o juiz sempre optar por opção preferencial a curatela, visto que esta passou a ser considerada medida extraordinária.

Paulo Lobo (2015, p.1) afirma que passa ser obrigatório, por possuir agora caráter de excepcionalidade, o juiz fazer constar da sentença as razões e motivações para a curatela específica como também o seu tempo de duração, nos termos que preceitua o EPD.

Como consequência das alterações relativas ao instituto da capacidade e curatela introduzidas pelo EPD, segundo Nelson Rosenvald (2015, p.1), pode-se esperar os seguintes desdobramentos:

a) haverá intenso ônus argumentativo por parte de quem pretenda submeter uma pessoa à curatela em razão de uma causa permanente; b) sendo ela curatelada, a incapacidade será apenas relativa, pois a incapacidade absoluta fere a regra da proporcionalidade; c) a curatela, em regra, será limitada à restrição da prática de atos patrimoniais, preservando-se, na

Referências

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