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DAS INTERAÇÕES COM O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Antes de tudo, como frisa Salomão Viana (2015), precisa-se notar que o novo código de processo civil e o EPD são diplomas legais gestados quase que ao mesmo tempo, apesar disso, vale ressaltar, não possuem perfeita consonância legislativa entre si.

O propósito básico do EPD é promover a inclusão, e na mesma linha segue o novo código de processo civil, como pode-se perceber pela redação de seu artigo 199, que trata diretamente das pessoas com deficiência. (VIANA, 2015).

Art. 199. As unidades do Poder Judiciário assegurarão às pessoas com deficiência acessibilidade aos seus sítios na rede mundial de computadores, ao meio eletrônico de prática de atos judiciais, à comunicação eletrônica dos atos processuais e à assinatura eletrônica. (BRASIL, 2015).

Um dos principais motivos de entrave para o andamento do processo, e portanto, um dos principais fatores que colocam em cheque o princípio da duração razoável do processo, é a pratica de atos fora dos limites territoriais da competência do juiz ou respectivo, ensejando a necessidade da expedição de cartas. Dessa temática, tratam em harmonia os artigos 236 do novo código de processo civil e o artigo 95 do EPD, assegurando à pessoa com deficiência o direito de somente ter a obrigação de comparecer em certos lugares em decorrência de relações com o poder público, se lhe for possível e de forma que não viole direitos básicos decorrentes das características especiais de uma pessoa com deficiência. (VIANA, 2015).

Art. 95. É vedado exigir o comparecimento de pessoa com deficiência perante os órgãos públicos quando seu deslocamento, em razão de sua limitação funcional e de condições de acessibilidade, imponha-lhe ônus desproporcional e indevido, hipótese na qual serão observados os seguintes procedimentos:

I - quando for de interesse do poder público, o agente promoverá o contato necessário com a pessoa com deficiência em sua residência;

II - quando for de interesse da pessoa com deficiência, ela apresentará solicitação de atendimento domiciliar ou fará representar-se por procurador constituído para essa finalidade.

Parágrafo único. É assegurado à pessoa com deficiência atendimento domiciliar pela perícia médica e social do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pelo serviço público de saúde ou pelo serviço privado de

saúde, contratado ou conveniado, que integre o SUS e pelas entidades da rede sócio assistencial integrantes do Suas, quando seu deslocamento, em razão de sua limitação funcional e de condições de acessibilidade, imponha- lhe ônus desproporcional e indevido. (BRASIL, 2015).

Em consonância com o artigo 95 do EPD, vale conferir a redação do artigo 236 do código de processo civil:

Art. 236. Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial.

§ 1o Será expedida carta para a prática de atos fora dos limites territoriais do

tribunal, da comarca, da seção ou da subseção judiciárias, ressalvadas as hipóteses previstas em lei.

§ 2o O tribunal poderá expedir carta para juízo a ele vinculado, se o ato

houver de se realizar fora dos limites territoriais do local de sua sede.

§ 3o Admite-se a prática de atos processuais por meio de

videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real. (BRASIL, 2015, grifo nosso).

A regra extraída do parágrafo terceiro do artigo 236 do novo código de processo civil, que fala da prática de atos mediante sistema de vídeo conferência ou por meio de método idôneo de transmissão de som e imagem, não é aplicável apenas a esta seção do código, mas também na parte referente às testemunhas e aos advogados. Assim, o advogado portador de deficiência também poderá se valer de ambas as normas supra citadas, tanto a do EPD como a do novo código de processo civil. (VIANA, 2015).

Da mesmas forma, em rápida análise, pode-se notar também que o trecho do parágrafo primeiro do artigo 751 do novo código de processo civil, ao dispensar a obrigatoriedade do deslocamento da pessoa com deficiência perante o poder público quando esta não for possível, é intimamente relacionado com o texto do artigo 95 do EPD:

Art. 751. O interditando será citado para, em dia designado, comparecer perante o juiz, que o entrevistará minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens, vontades, preferências e laços familiares e afetivos e sobre o que mais lhe parecer necessário para convencimento quanto à sua capacidade para praticar atos da vida civil, devendo ser reduzidas a termo as perguntas e respostas.

§ 1o Não podendo o interditando deslocar-se, o juiz o ouvirá no local onde

estiver. (BRASIL, 2015).

É interessante perceber que o novo código de processo civil, em sintonia com o EPD, também se mostra inclusivo nos procedimentos que versam sobre direito de família, dedicando um trecho na parte de procedimentos especiais para cuidar das chamadas ações de família, em particular o artigo 699, mostrando a

preocupação do legislador com as situações que envolvem as pessoas com deficiência. (VIANA, 2015).

Art. 699. Quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a abuso ou a alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar acompanhado por especialista. (BRASIL, 2015).

Percebe-se que o legislador, ao redigir o artigo supracitado, ainda se utilizada do termo incapaz para se referir à pessoa com deficiência, o que gera confusão a partir da vigência do EPD.

Rogério Alvarez de Oliveira (2016, p.1) afirma que as expressões “interdição” e “incapacidade” devem ser abandonadas, visto todo o cuidado especial do EPD ao evitá-las, mesmo sabendo que o novo código de processo civil ainda faça referência a elas. Tais termos, segundo o autor, “geravam estigma desnecessário às pessoas com deficiência mental ou intelectual, pois toda pessoa é capaz e suscetível de direitos, podendo ser suprida sua incapacidade intelectual de fato por meio da curatela.”

Assim, percebe-se muitas semelhanças entre o EPD e o novo código de processo civil, entretanto, como bem observa Henrique Koga Fujiki (2015, p.1), há sim visíveis dissonâncias entre os dois diplomas legais. É exemplo o tratamento assimétrico do instituto da curatela, onde o EPD tenta afastar a ideia de interdição no Direito Civil, tirando a pessoa com deficiência da condição de incapaz e mirando em sua inclusão, opoente ao novo código de processo civil, que visando melhorar as condições pró-interditando, focou-se no processo de interdição.

Segundo Paulo Lobo (2015, p.1), é incabível a interpretação que retome ao modelo de interdição superado. Apesar do novo código de processo civil usar equivocadamente a terminologia, deve ser respeitado o novo modelo de curatela, como medida protetiva e temporária, respeitando a força normativa superior tanto da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência como do EPD que o regulamenta.

Salomão Viana (2015) afirma que em determinado momento há um desgarramento, onde o legislador não foi suficientemente atento, sendo que essa falta de atenção ocorreu em verdade no momento da produção do texto do EPD, visto que o novo código de processo civil já havia sido sancionado e publicado, ao contrário do EPD.

Vale lembrar que o novo código de processo civil não pode revogar os artigos do código civil que, por força do EPD, foram alterados, mesmo sendo lex

priori pois, além de ser norma especial, recai também sobre o EPD o fato de se

basear na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, ratificados pelo congresso nacional por meio de decreto legislativo e de acordo com o §3º do Art. 5º da Constituição Federal, significando que possui força de emenda constitucional. (FUJIKI, 2015, p.1).

Este também é o entendimento de Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro (2015, p.1), para quem o EPD também possui status de norma constitucional, visto estar lastreado na convenção supracitada.

Salamão Viana (2015), ao perceber tais incongruências, aponta que se ajustes tinham de ser feitos, deveriam ser feitos no texto do EPD, ou, minimamente, se na elaboração do EPD fosse percebido a necessidade de alterar textos do novo código de processo civil, que esse o dissesse expressamente.

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