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4. Apresentação e discussão dos resultados

4.2.2. Capacitação

No que concerne às capacitações, o MNMMR foi o único que revelou ter momentos frequentes e continuados de formação. Os entrevistados ressaltaram que o movimento possuía três Centros de Formação espalhados pelo país, sendo um no Sudeste, um no Norte e outro no Nordeste do Brasil, especificamente na cidade do Recife/PE. Apesar de o Centro não estar situado em Natal/RN, frequentemente, os educadores se deslocavam para participar de atividades de capacitação, ou ainda recebiam no município as pessoas responsáveis por esses processos. Torna-se nítido na fala dos entrevistados que existia uma enorme preocupação do movimento sobre a formação continuada de seus educadores, o que, provavelmente, foi essencial para uma atuação de tamanha mobilização. Pode-se constatar tais afirmações por meio dos trechos de fala de MNMMR1:

E a gente enquanto educadores teve que se capacitar para isso. E é uma coisa que também nos formou precursores no movimento popular. Foi o primeiro movimento popular que criou seu Centro de Formação. Nós tínhamos nosso Centro de Formação em três polos. O primeiro nasceu em São Paulo, tinha o outro no Norte, que não me lembro se era em Belém e o outro aqui no Recife. E nós tínhamos um contato muito prático, né? Com o pessoal do Centro de Formação.

Existiam alguns cursos que eram modulados e tinham outros que eram módulos únicos, né? [...] As capacitações eram de alto nível. E nós tínhamos palestrantes de nome que vinham convidados pelo movimento. Tinham algumas pessoas locais, capazes, e aí se qualificavam para o Centro, e o Centro contratava por hora/aula.

Dentre as atividades do movimento, tem-se a Política de Formação dos educadores, tendo como objetivo potencializar o conjunto das intervenções do MNMMR para a efetivação de seu projeto político-pedagógico, em uma perspectiva crítica transformadora da realidade. Ainda como objetivos específicos são elencados: propiciar espaços de reflexão, debates, estudo e capacitação no interior do Movimento e na exterioridade diretamente relacionada a este, que articulem a superação da problemática das crianças e adolescentes socialmente marginalizadas; sistematizar criticamente o conjunto de experiências vinculadas ao processo educativo, produzindo e socializando material didático-pedagógico, dando ênfase à produção de subsídios destinados à organização de crianças e adolescentes das camadas populares, prioritariamente meninos e meninas de rua; prestar assessoria técnica, por meio do Centro de Formação, a programas de atendimento a crianças e adolescentes excluídos, bem como apoiar educadores sociais por meio de serviços, tais como banco de dados, biblioteca, videoteca, livraria, etc.; desenvolver investigações, pesquisas e levantamentos a serviço da formação que consolide a cidadania das crianças e dos adolescentes (MNMMR, 1995).

Diante disto, observa-se que a formação dos educadores era entendida como uma prática permanente, demandando uma postura constante de reflexão, problematização, planejamentos e avaliações, contribuindo para a construção de uma consciência crítica sobre si e sobre suas práticas. Com isto, busca garantir instrumental necessário para a compreensão da estrutura da sociedade que produz desigualdades sociais, além do entendimento sobre as conjunturas sociais, históricas e econômicas, possibilitando atuações condizentes com cada momento na dinâmica da luta por direitos. Além disso, cabe mencionar que os processos formativos do

MNMMR eram estabelecidos a partir de uma relação dialética, em que os saberes eram socializados em momentos de trocas dinâmicas de aprendizagem e crescimento (MNMMR, 1995).

Já o Programa Canteiros e o CnaR relataram terem tido algum momento de capacitação, especialmente no início de sua atuação. No entanto, há algumas divergências em razão do período de inserção dos entrevistados na instituição. Por exemplo, para Canteiros1 e para CnaR2, que tiveram sua inserção logo no começo da implementação do programa e do serviço, a capacitação inicial ocorreu, tendo, assim, um maior suporte para a realização de suas atividades.

Logo de início, nós tivemos, aí, eu acho que dois ou três dias de capacitação bem intensa, junto com a Vara da Infância e da Juventude, o próprio pessoal da SEMTAS, os educadores mais antigos, coordenadores de Casas de Passagem. Tudo para explicar como era um pouco do sistema e como mais ou menos deveria ser feita essa abordagem. Não só para nós, como para o grupo de policiais. (Canteiros1)

A gente teve um acompanhamento, a gente teve uma formação com uma psicóloga da [Fundação Oswaldo Cruz] FIOCRUZ, teve uma formação com ela. E também a gente participava de um grupo terapêutico, lá na UFRN, que era com uma professora, uma psicóloga. (CnaR2)

No entanto, quando se observa as falas de Canteiros2 e de CnaR1, as quais passaram a fazer parte do quadro de funcionárias do município depois de certo período em que as instituições foram implantadas, identifica-se divergência em relação aos relatos dos demais entrevistados, visto a ausência de capacitações. Ou seja, os momentos de formação ocorriam no início das atividades das instituições. Apesar da rotatividade de profissionais, tais momentos não tinham continuidade, dificultando a realização das atividades de maneira mais embasada e com maior segurança pelos profissionais que entravam/entram nas instituições no decorrer de sua atuação. Isto emerge nos seguintes trechos:

Para os aprovados do concurso de 2006, foi feito só uma, não posso nem chamar de formação, mas foi um acolhimento, um recebimento. Nem acolhimento não foi, mas foi ali no [Centro Municipal de Referência em Educação] CEMURE, para explicar as questões administrativas. Os direitos que a gente tinha, os deveres que a gente tinha, a estrutura, os organogramas da SEMTAS. Então, assim, não foi nada específico, foi uma apresentação geral, bem geral! Tanto que estavam todos os servidores aprovados, né? Então, capacitação, não teve. Orientação, não teve. Então, a gente foi e descobriu o que era o serviço ao longo do serviço, né? E era uma das queixas também que sempre foi tida, né? A baixa qualificação da secretaria para os profissionais. Não existia isso de capacitação, de formação. Não existia. (Canteiros2)

As meninas que têm mais tempo do que eu falam que existiam muitas capacitações. A gente tinha supervisão também. Embora, quando eu entrei, a gente só teve dois momentos, que era na UFRN [com uma professora]. Ela que dava essa supervisão para a gente. E tinha também um momento com uma psicóloga da FIOCRUZ, que eu não tive a oportunidade de conhecer, mas era um momento bem enriquecedor de partilhas, né? E ela trazia muita experiência, segundo relato das colegas de equipe. Mas eu não tive esse momento. [...] E, antes, assim, concomitantemente, tinham capacitações. Hoje em dia, desde que eu entrei, existem apenas fóruns pontuais, mas não se configura como capacitação, não. É mais como uma partilha mesmo de experiência, como também para delineamento da rede e cuidado compartilhado. (CnaR1)

As capacitações devem ser realizadas de maneira permanente, tendo em vista que o trabalho com crianças e adolescentes em situação de rua envolve situações complexas. Além disso, Santana et al. (2004) ainda ressaltam que a alta rotatividade de profissionais nesses serviços e programas reflete algumas dificuldades deste tipo de atividade. As autoras revelam também que a rotatividade prejudica o desenvolvimento do trabalho continuado e a capacitação da própria equipe, condizendo com o que foi expresso nas falas acima mencionadas. Salienta- se que os momentos citados por CnaR1 sobre partilhas de experiência com a rede de atendimento também são extremamente importantes e necessários para o processo de formação.

No entanto, talvez sejam insuficientes do ponto de vista teórico. Há que se compreender melhor como esses momentos são pensados e realizados.

A partir das entrevistas, percebe-se que o SEAS é o que possui maior dificuldade em relação às capacitações, algo muito ressaltado na fala das entrevistadas:

Não teve capacitação. Houveram promessas, mas, assim, pela rotina do dia a dia... [...] A gente teve, assim, palestras, algumas, né? Da área da saúde, o pessoal do Hospital Giselda [Trigueiro] explicando algumas coisas. Teve uma no Palácio dos Esportes – que não era bem uma capacitação; era, assim, uma junção de serviços para a gente “trocar figurinhas”. Foi legal, esse momento, mas não foi uma capacitação, entende? Foi uma troca entre os serviços. (SEAS1)

Vejo a ausência de educação permanente aos profissionais da Assistência Social. Então, até o presente momento, nenhuma reunião técnica, nenhuma atividade relacionada ao profissional da abordagem social, mesmo para a gente estar revendo, debatendo sobre os nossos processos de trabalho. Não vejo isso na própria SEMTAS, em nenhum dos serviços, mas aí, em particular da Abordagem, também não. [...] “Você vai aprendendo na prática, qualquer dúvida pergunte!”. Então, foi basicamente isso que eu tive ao entrar no serviço. É claro que a gente vai perguntando um ao outro pela curiosidade, mas eu acredito que nem essas pessoas que entraram no serviço da Abordagem anteriormente tiveram os seus momentos de qualificação. (SEAS2)

Moreira, Preuss, Lavoratti, Ribeiro e Schmidt Junior (2013) realizaram uma pesquisa com os municípios de uma região do Paraná e identificaram que poucos promoveram algum tipo de capacitação para os profissionais que atuam com situações de violações de direitos de crianças e adolescentes, constatação alinhada às dificuldades explanadas pelas entrevistadas do SEAS. É possível que essa realidade ocorra em outras regiões do país, culminando em práticas pouco eficazes ou até mesmo revitimizadoras, voltadas para uma das populações que mais necessita de garantia de direitos. Importante destacar que essa deficiência não é da PNAS, que prevê a formação continuada dos profissionais, mas da gestão local, por não colocar em prática tal orientação. Santana (2003) afirma que a capacitação para profissionais que chegam aos

serviços voltados para crianças e adolescentes em situação de rua deve ser seriamente pensada para que haja uma continuidade na forma de atendimento. A autora ainda revela que a capacitação teórica não é suficiente, devendo ocorrer um acompanhamento em campo de novos integrantes do serviço por determinado período, configurando-se como um acolhimento deste profissional. Concorda-se com Santana e ressalta-se que esse acompanhamento em campo pode ser desenvolvido por profissionais que já atuam no serviço e compõem a equipe do novo integrante. Assim, em certa medida, este último ponto já ocorre, o que não se sabe ao certo é como é realizado pela própria insuficiência de capacitação teórica dos profissionais mais antigos também. Ou seja, é importante problematizar que mesmo os profissionais mais antigos, por mais que possuam a experiência prática e tenham conhecimento sobre os fluxos da rede de atendimento do município, têm momentos de formação teórica insuficientes.