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4. Apresentação e discussão dos resultados

4.1. Histórico dos serviços/programas/projetos

4.1.3. Serviço Especializado em Abordagem Social

Em meados de 2011, surge o SEAS em Natal/RN, em uma padronização nacional, também vinculado à SEMTAS e atuando com os CREAS. Com o início do supracitado serviço, o município volta a ter o atendimento realizado no âmbito da rua. SEAS1 relembra o processo: O Canteiros deixa de existir, passa a ser CREAS e, por um período de tempo, esse trabalho de busca ativa deixa de existir também. [...] Aí, volta com o nome “abordagem social” – que antigamente era Reconstituindo Vidas, Canteiros –, e aí, agora volta, e a gente sempre usava esse nome “busca ativa”, mas agora a gente não usa mais. É “abordagem social”. Serviço Especializado em Abordagem Social. Que é uma abreviatura de SEAS, né?

Diante da colocação, torna-se importante demarcar a desativação do serviço realizado no contexto da rua por alguns anos. Moura e Noto (2010) ressaltam que as crianças e adolescentes necessitam de um contexto social dinâmico e de relações estáveis, as quais, em sua maioria, traduzem-se pelo estabelecimento das instituições que lhes atendem como principais referências. Isto posto, os autores afirmam que as frequentes desativações dos serviços voltados para essa população culminam em uma ameaça ao seu adequado desenvolvimento. Ou seja, serviços instáveis e desarticulados configuram uma rede oscilante de cuidado e de risco, podendo contribuir para a permanência de crianças e adolescentes nas ruas. Não há como discutir sobre a situação deste público no período de desativação do serviço

de abordagem de rua no município, uma vez que está para além do escopo deste trabalho. Contudo, deve-se sinalizar sobre a questão relacionada ao acesso e à permanência de crianças e adolescentes à rede de atendimento, tendo em vista que o serviço de abordagem de rua se apresenta como um grande articulador desse processo para esta população. Sendo assim, é possível que sua ausência culminasse em uma maior fragilidade na inserção de crianças e adolescentes em situação de rua nas políticas públicas.

Ambas as participantes da pesquisa, uma educadora social e uma assistente social, já haviam atuado no âmbito da abordagem de rua. SEAS1 já havia trabalhado no programa Canteiros, e SEAS2, antes de atuar na SEMTAS, também já havia trabalhado no CnaR, da Política de Saúde. Então, as referidas profissionais tinham uma carga de experiência pregressa no campo ao serem inseridas no serviço. Subentende-se que experiências anteriores possibilitam uma maior habilidade para lidar com os processos que se interpõem ao trabalho na rua, sejam esses atrelados às potencialidades ou aos desafios nesse contexto de atuação. Sobre a inserção no serviço, as entrevistadas relatam:

Eu entrei em 2006, né? Foi o concurso de 2006, na prefeitura. E já foi para o sistema de rua mesmo, né? Que era o antigo Canteiros. [...] Sim, concurso de 2006, como educadora social. [...] O serviço deixou de existir por uma questão de gestão... Da prefeitura mesmo. Mudança de prefeito, mudou um pouco essa visão. [...] Aí, fiquei internamente, mas sempre sabendo que ia ser abordagem de rua de novo. Aí, assim, quando voltou abordagem nessa nova roupagem, pensei bem e como eu sempre gostei desse trabalho da abordagem, voltei. [...] Faz um ano e meio mais ou menos. (SEAS1)

Na Abordagem, eu entrei dia 25 de janeiro deste ano [2018]. É recente, mas, antes de entrar na SEMTAS, nesse concurso agora de 2016, eu trabalhei cinco meses no Consultório na Rua. No processo seletivo da saúde. Aí, por isso que eu conheço a minha equipe e a equipe [da outra unidade], porque eu sempre ficava na referência da abordagem. (SEAS2)

No que concerne aos objetivos do serviço, a Tipificação Nacional dos Serviços

possibilitar condições de acesso à rede de serviços e a benefícios assistenciais; identificar famílias e indivíduos com direitos violados, a natureza das violações, as condições em que vivem, estratégias de sobrevivência, procedências, aspirações, desejos e relações estabelecidas com as instituições; promover ações de sensibilização para divulgação do trabalho realizado, direitos e necessidades de inclusão social e estabelecimento de parcerias; promover ações para a reinserção familiar e comunitária. Quando questionadas sobre os objetivos do serviço, as participantes pontuam apenas aspectos relacionados às condições de acesso à rede de serviços, por meio dos encaminhamentos, e as orientações nas ações voltadas para os próprios usuários, bem como para a sociedade de maneira geral, comerciantes, etc. No decorrer das entrevistas, também foram observadas falas direcionadas ao esforço de se compreender sobre as histórias de vida dos usuários, as condições em que vivem, as violações que perpassam as famílias, assim como de se identificar a existência ou não de relações dos usuários com as instituições do poder público.

Nós trabalhamos com a questão do educativo, né? Nós orientamos, nós encaminhamos, mas a gente não retira do local. [...] Porque, assim, o nosso serviço, vamos dizer assim, ele se limita à questão de abordar a criança ou adolescente, ver o que está acontecendo, fazer as devidas orientações, os encaminhamentos para outros serviços. (SEAS1)

Nosso trabalho é numa perspectiva educativa e de orientação e encaminhamentos, mas a gente conta com a adesão também, porque eles também têm vontades, têm que ser respeitados. (SEAS2)

Apesar de, atualmente, o referido serviço apresentar posturas divergentes ao que era realizado no Programa Canteiros e de atuar com base no respeito à autonomia dos usuários, o que se percebe na fala de uma das participantes da pesquisa é que, no início do SEAS, a retirada de crianças e adolescentes do local da rua ainda era uma prática adotada pelos profissionais. Isto pode ser identificado por meio do trecho:

Anteriormente, eu tomei conhecimento que, quando se encontrava crianças, adolescentes em situações de trabalho infantil, mendicância, muitas vezes, a equipe da abordagem social levava em casa para entregar ao responsável. (SEAS2)

Observa-se que o serviço surgiu sob a influência do extinto Programa Canteiros. Possivelmente, isso se consolidou pela inserção de profissionais que traziam as experiências de atuação pregressa do referido programa no SEAS. Apenas com o decorrer do tempo, o serviço se adapta ao que é estipulado por documentos oficiais da PNAS, permanecendo assim até os dias atuais. É importante mencionar a compreensão de que o deslocamento dessa população de maneira coercitiva, como foi realizada pelo Programa Canteiros durante determinada fase, configura-se como violadora de direitos. No entanto, há que se destacar que existem especificidades em cada caso envolvendo crianças e adolescentes em situação de rua e que se deve sempre enfocar em ações que possibilitem a proteção desse público. Sendo assim, ainda que haja a extrema necessidade em realizar o deslocamento dessa população para sua residência ou instituição, nunca deverá ser efetuado de maneira coercitiva. Todas as ações devem ser baseadas no diálogo, na construção de vínculos, etc.