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Capitanias hereditárias, cana de açúcar, café e industrialização: a cultura imigrante

2.2 Organizações familiares: da exposição pública à intimidade

2.2.5 Capitanias hereditárias, cana de açúcar, café e industrialização: a cultura imigrante

De acordo com Craide (2005), Bottino-Antonaccio (2007) e Lopes (2008), a origem da empresa familiar no Brasil pode ser remontada a partir de uma tríade de fases. A primeira e a segunda fase ocorreram à época das capitanias hereditárias, no período que se estende do século XVI até o século XVIII. A terceira fase compreende o período da imigração brasileira, que se iniciou no século XIX.

As capitanias hereditárias marcam o período quando o Brasil foi dividido em quinze porções de terra. Nesse contexto, Craide (2005) e Bottino-Antonaccio (2007) esclarecem que, possuindo a característica de hereditariedade, essas capitanias eram transmitidas por herança de acordo com os princípios seguidos pela monarquia, ou seja, o filho mais velho herdava todo o patrimônio, permitindo que a família preservasse a unidade da propriedade. Aos donatários, ou seja, aos que receberam estas terras da coroa portuguesa ficou reservado o direito de subdividir a sua parte para aqueles que estariam dispostos a explorá-la, na condição do pagamento de impostos. De acordo Bottino-Antonaccio (2007) das quinze iniciais, duas capitanias prosperaram; a de Pernambuco e São Vicente, que constituíram uma base econômica centrada no

plantio de cana de açúcar e na produção do açúcar, podendo ser consideradas as primeiras empresas familiares brasileiras.

Conforme as autoras referenciadas acima, e Lopes (2008), baseada na atividade agrícola e na empresa rural, constituiu-se uma segunda fase da origem da empresa familiar no Brasil. Os exploradores das capitanias hereditárias eram empreendedores que partiram para o interior do país, dando início a projetos de plantação de cana de açúcar e construção de engenhos em áreas afastadas das cidades.

No século XIX, onde hoje é a Região Sudeste do país, o mesmo processo verificado dos exploradores das capitanias hereditárias e empreendedores da cana de açúcar se repetiu com a produção de café, compreendendo a terceira fase que remonta à origem da empresa familiar brasileira (BOTTINO-ANTONACCIO, 2007). De acordo com Grzybovski (2008), essa fase se deu pelo processo imigratório a partir da segunda metade do século XIX, em virtude dos programas para ocupar o território brasileiro com baixa densidade demográfica, embranquecer e europeizar a sociedade e estimular o trabalho livre. O sistema de introdução dos imigrantes se deu pela formação de núcleos coloniais que tinham como base produtiva o trabalho familiar e a pequena propriedade. As famílias imigrantes ficavam responsáveis por cuidar das lavouras, além de outros serviços para o fazendeiro, e isso lhes dava o direito de cultivarem produtos para subsistência. Essas famílias, permanecendo nas fazendas, utilizavam de estratégias de sobrevivência e acumulação do capital, o que permitiu, mais tarde, que se tornassem proprietários de terra. Ao trabalho voltado para a produção agrícola foram associados outros tipos de atividade como o artesanato e a indústria doméstica do colono, que produzia derivados tais como salame, queijo e rapadura. Os agrupamentos de moradia, sempre muito próximos uns dos outros, permitiram um espírito de coletividade que chegava a ultrapassar os laços familiares e de parentesco para se fazer de laços que remetiam à concepção da Grande Família5. Essas estratégias familiares terminaram por promover a expansão econômica de alguns dos colonos que transferiram suas famílias para outras regiões rurais ou urbanas.

Embora o processo de imigração tenha tido um incentivo por parte dos cafeicultores, que não contavam mais com a força de trabalho escrava e necessitavam de mão de obra para as lavouras, outra parte dos imigrantes chegados ao Brasil, sobretudo, os europeus, desembarcaram com a intenção de explorar oportunidades de negócios em um país de base econômica agrícola e rico em recursos naturais, fixando-se nas cidades e desenvolvendo atividades comerciais, seja em

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Garcia e Moreira (2008) elucidam a Grande Família como um mito em que a organização é entendida como uma família e assim, todos os membros que seguirem os valores e as crenças da organização estarão fazendo parte da “Grande Família”.

uma atividade do ramo que já desempenhavam em seu país de origem, ou em outro ramo de atividade, promovendo o primeiro processo da industrialização brasileira (BOTTINO- ANTONACCIO, 2007; GRZYBOVSKI, 2008; LOPES, 2008).

De acordo com Bottino-Antonaccio (2007), um novo impulso à industrialização ocorreu após a Segunda Grande Guerra encerrada no ano de 1945. Os países participantes diretos da guerra estavam com suas indústrias voltadas para o abastecimento próprio, não ofertando os produtos em quantidades suficientes para o Brasil, o que gerou uma demanda brasileira, contribuindo para a implantação de indústrias no país como, por exemplo, indústrias químicas e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), e também a queda da produção agrícola na Europa, permitindo uma abertura para as exportações. Somado a isso, a partir dos anos de 1930, imigrantes de origem judaica, que eram perseguidos, ou que sobreviveram à segunda guerra mundial, ou que foram expulsos dos países Árabes pela criação do Estado de Israel, traziam para o Brasil um fluxo migratório diferenciado daquele basicamente formado por camponeses, que em sua maioria eram compostos de analfabetos destinados principalmente às lavouras de café do século XIX. Esses imigrantes judeus eram dotados de elevado nível cultural, experiência técnica e comercial, e se dirigiam para os centros urbanos, onde predominavam o comércio e os pequenos empreendimentos domésticos (DECOL, 2001).

Outro fator que pode ser associado ao impulso industrial brasileiro foi a implantação da indústria automobilística no país, desencadeando o surgimento de fabricantes de autopeças e também da indústria de eletrodomésticos. Até que o governo militar liderasse a criação dos monopólios estatais como a Eletrobrás e a Telebrás, a economia brasileira se baseou no investimento privado, sustentada, principalmente, pelas empresas familiares (BOTTINO- ANTONACCIO, 2007).

A empresa familiar brasileira é influência direta do processo de imigração e da cultura dos imigrantes que aqui desembarcaram e se dedicaram na construção de um patrimônio (GRZYBOVSKI e TEDESCO, 1998; VIDIGAL, 2000; BOTTINO-ANTONACCIO, 2007; BERNHOEFT, 2008). Esses imigrantes criavam grupos de colaboradores baseados na confiança que reuniam em torno do projeto empresarial irmãos, primos e pessoas da mesma origem, criando nesses grupos características, valores, e crenças fortemente originadas e atreladas à família. A maioria das empresas familiares brasileiras foi fundada pelos imigrantes, erguendo-se pelas suas crenças e valores de solidariedade, desejo de vencer as adversidades, confiança mútua gerada pelo vínculo comum, lealdade e submissão, pertencentes à cultura imigrante aqui instalada. Essas características refletem os valores encontrados em muitas das organizações familiares brasileiras (GRZYBOVSKI e TEDESCO, 1998; BOTTINO-ANTONACCIO, 2007).

De acordo com Grzybovski (2008), algumas famílias empreendedoras e seus empreendimentos estabelecidos no século XIX marcaram o surgimento das empresas familiares no Brasil, algumas delas, presentes até os dias de hoje. Como exemplo, podem ser citados: o italiano Francisco Matarazzo, com empreendimentos voltados para atividades têxteis e metalúrgicas; o português Valentim dos Santos Diniz, que se tornou sócio do armazém onde trabalhava, e que mais tarde se expandiu, formando um conjunto de lojas de conveniência e hipermercados, hoje, o grupo Pão de Açúcar; o alemão Hermann Hering que, com a família Hering, possuía tradição no ramo têxtil e fundou a primeira indústria brasileira destinada à fabricação de vestuário; e o judeu Maurício Klabin que, com a família Klabin, dedicada ao ramo de papéis e fundou a primeira fábrica brasileira de papéis para jornais.

2.2.6. O familiar na Cultura Organizacional: Desvendando a Presença da Família sob o