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Críticas e contracríticas: da incompetência pressuposta ao imprescindível

2.2 Organizações familiares: da exposição pública à intimidade

2.2.4 Críticas e contracríticas: da incompetência pressuposta ao imprescindível

Quando comparada com outras empresas, multinacionais ou estatais, a empresa familiar apresenta alguns fatores limitantes, que, no entendimento de Lodi (1987), caracterizam-se como sendo fraquezas evidentes:

1. Conflito de interesse entre família e empresa, que se refletem na descapitalização, na falta de disciplina, na utilização ineficiente dos administradores não-familiares e no excesso de personalização dos problemas administrativos.

2. Uso indevido dos recursos da empresa por membros da família transformando a companhia num erário dos familiares. [...]

3. Falta de sistemas de planejamento financeiro e de apuração de custos e de outros procedimentos de contabilidade e de orçamento, que tornam o lucro um resultado totalmente fortuito e não planejado.

4. Resistência à modernização do marketing. Ficando a comercialização sujeita a alguns vendedores antigos e de “confiança” ou à falta de uma boa política de produtos e de mercados.

5. Emprego e promoção de parentes por favoritismo e não por competência anteriormente provada (LODI, 1987, p. 4).

Entretanto, de acordo com o autor, essas fraquezas não são as responsáveis, por si sós, em deixarem as empresas familiares fadadas ao fracasso. Existiriam fatores associados à família que seriam fontes de sucesso. O fracasso estaria associado não às supostas ineficiências advindas da união de família e empresa, e sim ao não saber lidar com questões que surgem no âmbito

familiar, ou até mesmo seu completo desconhecimento, e que são transferidas para a esfera organizacional. Em consultas realizadas com dirigentes de empresas familiares, Lodi (1987) constatou as seguintes características, que são possibilidades, consideradas por ele como forças:

1. A lealdade dos empregados é mais acentuada na empresa familiar, após algum tempo, pois os colaboradores se identificam com pessoas concretas que aí estão o tempo todo, e não com dirigentes eleitos por mandatos de assembleias, ou por imposição de poderes públicos.

2. O nome da família pode ter grande reputação no estado, na região ou no país inteiro, funcionando como uma cobertura econômica e política. [...]

3. A continuidade da administração. A sucessão de familiares competentes na direção do negócio dá origem a um grande respeito pela firma.

4. A união entre os acionistas e os dirigentes, fazendo com que os acionistas sustentem a empresa mesmo quando há perdas, e também facilitando a comunicação entre a Diretoria Executiva, o Conselho de Administração e a Assembleia dos Acionistas. 5. O sistema de decisão mais rápido, pois termina ali, no escritório central, três ou no máximo quatro níveis acima do nível de execução.

6. Sensibilidade social e política do grupo familiar dirigente que cria raízes na elite nacional, a influencia e é por ela alimentado de informações. Perfeita permeabilidade de influências aos interesses nacionais e regionais.

7. As gerações familiares em sucessão permitindo um traço de união entre o passado e o futuro, entre os valores do fundador e as vocações e visões pessoais dos dirigentes atuais (LODI, 1987, p. 4-5).

Às empresas familiares foram também transmitidas atribuições críticas associadas à geração de um entrave no crescimento econômico da região na qual elas desenvolvem suas atividades. Isso se deve à noção de que seus administradores gerenciam baseados em ações tradicionalistas e protecionistas, terminando por não considerarem as mudanças necessárias para atenderem às oportunidades de um mercado global, o que deixaria comprometido o desenvolvimento da competência dessas empresas e regiões, em comparação a outras que acompanham as necessidades do mercado.

Entretanto, várias empresas familiares não apenas se adaptaram estrategicamente às oportunidades do mercado, como também se mostraram serem possuidoras de características fundamentais que permitiram sua permanência em ambiente competitivo, tal como se apresenta o mercado da atualidade. Essas características se perfazem em ações de tomadas de decisão menos burocráticas e impessoais, pois o acesso aos dirigentes é fácil, podendo tornar as operações mais flexíveis e as decisões mais rápidas, se comparadas às das empresas que não possuem os laços familiares presentes em sua gestão. Os administradores dessas empresas também são considerados mais ousados e detentores de um espírito empreendedor, permitindo boas soluções empresariais no contexto dos negócios. Além disso, outros fatores, ainda que não exclusivos das empresas familiares, mas muito mais manifesto nestas, podem ser mencionados como suas vantagens, tais como, “lealdade, dedicação, sensibilidade, integridade de diretrizes administrativas, sacrifícios feitos pela família, entreajuda, orgulho familiar, concepção de

continuidade e uma consciência profunda dos objetivos da empresa”, pois ser empreendedor e empresário pressupõe e possui por base uma compreensão mais ampla das relações humanas (GRZYBOVSKI e TEDESCO, 1998, p. 48).

Depois que o mercado empresarial, referenciado pelo modelo norte americano de organização regido pela produtividade, vislumbrou a estrutura ideal de empresa que emergiria de unidades industriais gigantescas, despersonalizadas, perfeitamente burocratizadas e com especialistas e administradores profissionais altamente competentes, e só assim capazes de concorrerem nos mercados mundiais, a empresa familiar recebeu um estigma, um signo: o da incompetência pressuposta, do declínio anunciado. As características que conduziam a esse título seriam que: a empresa familiar possui uma organização informal, confusa e incompleta; a adoção do valor pessoal em detrimento da competência; pratica do nepotismo, impossibilitando a profissionalização; imediatista, não permitindo qualquer forma de planejamento; paternalista; marcada pelo drama da sucessão (GONÇALVES, 2000; DAVEL e COLBARI, 2003); arcaica; e incapaz de superar as exigências do mercado (CRAIDE, 2005). O princípio que orientava o sucesso das organizações era aquele que aplicava a separação entre questões familiares e negócios, considerando que estava nas questões familiares a fonte potencial capaz de inabilitar o trabalho e desequilibrar a harmonia do sistema da organização (DAVEL e COLBARI, 2003).

No enfoque proposto por Emmendoerfer e Helal (2008), a presença da família, como ela participa das decisões e o quanto a empresa se profissionaliza são os fatores principais para alcançar o sucesso ou o fracasso da organização. A profissionalização remete às estratégias associadas à coordenação de atividades e aos esforços da gestão adotados com o objetivo de tornar a administração mais racional e competitiva e pode ser definida por basicamente duas importantes ações administrativas: a delegação de responsabilidades e tarefas; e o grau de formalização dos mecanismos usados para controlar as ações desenvolvidas na empresa. A passagem de uma organização de base familiar para uma organização profissionalizada é repleta de inconsistências, o que pode comprometer o desempenho pretendido:

Antes de tudo, para evoluir para um estilo profissional de administração, o empresário deve reconhecer e convencer-se da necessidade de tais mudanças. Nesse momento a empresa familiar acaba passando por um dilema: em virtude de sua formação, em grande parte dos casos a organização familiar tende a apresentar um caráter pessoal e informal. Contudo, o crescimento da empresa leva-a para um caminho no qual são demandadas uma maior profissionalização e formalização dos procedimentos e atividades. Geralmente, as empresas familiares, ao atingirem uma determinada fase de crescimento, sofrem uma inconsistência entre o perfil familiar e pessoal da gestão e a necessidade de profissionalização e burocratização (EMMENDOERFER e HELAL, 2008, p.363).

De acordo com Tedesco (2008), há, também, uma tendência em associar como uma das características da empresa familiar, qual seja, a carência de modernidade. Essa identificação é quase direta em razão do atraso, da dispersão de recursos, da pouca racionalidade em termos de controle e dinamismo e de fatores que são intrínsecos a essas organizações como, por exemplo, o foco no paternalismo, comprometimento da racionalidade em contrapartida aos fortes laços afetivos e aversão a mudanças e riscos, o que termina por remeter à gestão familiar a exclusão da modernidade, sendo esta entendida como algo externo à empresa, e incluindo o tradicional como algo intrínseco. No entanto, o que se pode afirmar acerca das organizações familiares é que elas carregam capitais simbólicos, em união “aos laços sociais, ao pertencimento étnico cultural, às estratégias de troca de dons, vínculos, fatores formais e informais, conexões sociais, proximidade, reciprocidade e trabalho” (TEDESCO, 2008, p. 97)

Para o autor, existe uma economia simbólica baseada na cooperação interna e externa, esta última ligada à vizinhança; e reciprocidades, lealdade e alianças, no sentido de dimensões simbólicas que conferem sentido ao trabalho e a produção, fatores que podem influenciar nas estratégias de reprodução e divisão do patrimônio.

Essa ideia de incompetência por parte das empresas familiares não se confirma, pois a grande corporação, baseada naquele modelo, se mostrou incompleta, haja vista que sua departamentalização rígida, especialização, burocratização e planejamento se apresentam como características engessadas que não se mostram coerentes com as exigências do mercado atual de “criatividade, flexibilidade, capacidade de adaptação e transformações”, cabendo às empresas familiares as características desejáveis para o mercado (GONÇALVES, 2000, p. 12).

Sob o mesmo pensamento Davel e Colbari (2003) elucidam que as influências familiares não só fazem parte da empresa como são fundamentais, norteadoras e motivadoras da harmonia do sistema organizacional.

Saraiva et al. (2008) também apontaram as empresas familiares como possuidoras de características que permitem que elas sobrevivam com desempenhos positivos exatamente porque lhe cabem aspectos atrelados à família. Esses aspectos familiares estão em constante coerência com o contexto atual, em que encontramos em cada organização, um mundo.

A afirmação de Emmendoerfer e Helal (2008) é similar, para os autores, essas inconsistências apontadas pelas características geradas pelo entrelaçamento do familiar e dos negócios podem ser superadas, pois o perfil familiar não necessariamente irá de encontro com os pressupostos de uma gestão profissionalizada.

Apesar das inconsistências que permeiam a gestão familiar, seja por seus conflitos, seja por suas resistências, no sentido de deixar de beneficiar o negócio para beneficiar a família, a

empresa familiar ainda assim se sobressai para enveredar por caminhos que conduzem a sua continuidade. Tomadas de decisão, mesmo que tenham por base a família, em detrimento ao negócio, visam à continuidade da empresa, pois o negócio é a família; e a família, o negócio. A família assume continuidade na medida em que o negócio permanece, assim como o negócio assume a continuidade enquanto a família permanece, não sendo possível estabelecer limites em que possamos distinguir até onde vai a família ou começa o negócio.

Mencionada como uma instituição fadada ao insucesso, empresas familiares não apenas mostram o contrário, como também permitem a associação satisfatória entre as duas instituições, família e empresa. Passam por transformações históricas no que se refere à dinâmica da própria família e ao contexto do ambiente nos quais elas estão inseridas, garantindo uma perpetuidade ao longo do tempo (GRZYBOVISKI e TEDESCO, 1998; GONÇALVES, 2000; DAVEL e COLBARI, 2003; EMMENDOERFER e HELAL, 2008; SARAIVA et al.; 2008).

Remontando à história da empresa familiar no Brasil, elas ultrapassaram as críticas e qualidades que condenam sua continuidade, pois empresas familiares que iniciaram suas atividades há tempos permanecem até os dias de hoje.

2.2.5. Capitanias Hereditárias, Cana de Açúcar, Café e Industrialização: a Cultura