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Caráter Contributivo da Aposentadoria e Autonomia da Relação Previdenciária

3 PENALIDADE DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA

5.1 Caráter Contributivo da Aposentadoria e Autonomia da Relação Previdenciária

de aposentadoria foi publicada, como, por exemplo, a lei federal nº 8.112/90, que prevê a sanção para o servidor público federal estatutário, a aposentadoria desses agentes tinha, em geral, um caráter de prêmio, considerando que eles não pagavam contribuição para financiar a concessão da aposentadoria. Portanto, tratava-se simplesmente de uma ‘’ benesse’’ do Estado pelos bons serviços prestados, pois o benefício era custeado integralmente com recursos provenientes do Estado; conforme evidenciava o art. 231, §2º da Lei nº 8.112/1990, que, na sua redação original, estabelecia que ‘’ o custeio da aposentadoria é de responsabilidade integral do Tesouro Nacional’’.

No entanto, a partir da emenda nº 03/1993, o caráter de prêmio da aposentadoria foi gradativamente alterando-se para uma contraprestação a que faz jus o servidor, que passou a participar ativamente para o seu financiamento, considerando que a contribuição do servidor

público federal tornou-se obrigatória para o custeio de sua aposentadoria. Para os servidores subordinados aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios, a contribuição ainda não era obrigatória.

Confirmando essa tendência, a Emenda Constitucional nº 20/1998 incluiu expressamente o termo ‘’caráter contributivo’’ no caput do art. 40 da CF para qualificar o regime de previdência dos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluindo suas autarquias e fundações.

Destarte, o critério para aferir o preenchimento dos requisitos para concessão de aposentadoria deixou de ser o tempo de serviço, passando a ser o tempo de contribuição. Assim, a aposentadoria tornou-se um direito que o servidor faz jus por ter realizado contribuições durante sua vida laboral.

A Emenda Constitucional nº 41/2003 consolidou definitivamente a inserção da contributividade no regime previdenciário dos servidores públicos, pois impôs essa característica também para os vinculados aos Municípios, aos Estados e ao Distrito Federal.

Assim, após as reformas previdenciárias, a penalidade de cassação de aposentadoria padeceria de inconstitucionalidade, pois a natureza jurídica da aposentadoria do servidor público foi completamente reformada, assemelhando-se atualmente a um ‘’ seguro’’, uma contraprestação devida pelas contribuições descontadas.

Veja-se o posicionamento de DINIZ:

Entretanto, como é de conhecimento público, a redação dada pela Emenda Constitucional n.º 20/98 no caput do artigo 40 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), estabeleceu-se o regime contributivo no Sistema de Seguridade dos servidores públicos. Ocorre que o regime contributivo é, por essência, um regime de caráter eminentemente retributivo, isto é, toda contribuição vertida a título de custeio deve, de outro vértice, corresponder à concessão de um benefício previdenciário, de forma obrigatória 96

Contraprestação é, por definição, a ‘’ obrigação ou conjunto de obrigações a que, num contrato, uma parte se obriga em correspondência à(s) da outra.’’97

No caso, sabe-se que a relação firmada entre o servidor e o órgão previdenciário não é contratual, mas, mutatis mutandis, o conceito é cabível. Portanto, se o servidor cumpriu integralmente a parte que lhe cabia, qual seja, o pagamento das contribuições; não poderia o Estado recusar-se a cumprir a sua, que seria pagar os proventos de aposentadoria, pois não se

96

DINIZ, Paulo de Matos Ferreira. Reforma da previdência na vida do servidor público civil da união. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 141.

trata de um ‘’ favor’’ estatal, mas simplesmente de um dever retributivo. Destarte, há uma relação direta entre o custeio e o benefício. A propósito, vejamos parte do voto condutor do Ministro Celso de Mello, do STF, proferido na ADI n.º 2010, em que se destaca o caráter eminentemente retributivo do regime contributivo:

Sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou majoração) da contribuição de seguridade social, pois, no regime de previdência de caráter contributivo, deve haver necessariamente correlação entre custo e benefício.

A existência de escrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula, segundo a qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição. Doutrina. Precedente do STF.98

Jair Teixeira dos Reis disserta sobre o assunto:

Tratando-se de servidor inativado ou ativo que já implementou o direito à aposentadoria, seja civil ou militar, a partir do momento que o benefício deixou

de ser prêmio e passou a ser um direito subjetivo constitucional, a essência da prestação previdenciária experimentou significativa transformação,

deflagrando-se efeitos antes não considerados, que justificam e asseguram a manutenção do servidor no Regime Próprio de Previdência, o que torna a decisão

que conclui pela pena de cassação da aposentadoria inconstitucional. (grifo

nosso)99

Destarte, não parece razoável admitir que um servidor que contribuiu durante anos para usufruir de uma velhice tranquila, veja-se desamparado. Embora tenha cometido atos reprováveis na atividade, o fato é que houve descontos na sua remuneração, assim como contribuição para um sistema previdenciário, que se assemelha a um seguro e se propõe justamente a garantir a subsistência do contribuinte quando este não tenha mais condições de laborar.

A propósito, DI PIETRO corrobora essa semelhança com o contrato de seguro:

(...) está presente a ideia de previdência social (como encargo do Poder Público, em oposição à previdência privada), que funciona à semelhança do contrato de seguro, em que o segurado paga determinada contribuição, com vistas à cobertura de riscos futuros. 100

No mesmo sentido, o Professor Sacha Calmon Navarro Coelho pondera que:

Dentre as contribuições sociais ressaltam as previdenciárias, pagas por todos os segurados proporcionalmente aos seus ganhos, para garantirem (...) aposentadorias. Estas são as verdadeiras contribuições que podem ser incluídas na espécie dos tributos vinculados a uma atuação específica do Estado relativamente à pessoa do

98 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2010 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 30/09/1999, DJ 12-04-2002.

99 REIS, Jair Teixeira dos. A inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria após a Emenda Constitucional n.º 3, de 17 de março de 1993. Revista de Previdência Social. n. 352, mar. 2010. p. 211. 100 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanello. Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Atlas, 2014, p. 645

contribuinte.101

Os juristas que sustentam a constitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria afirmam que o vínculo previdenciário é consequência do vínculo jurídico mantido com a Administração quando na ativa e, portanto, pode influenciar na concessão ou manutenção do benefício previdenciário, pois esse elo não se desfaz com a inatividade do servidor.

A propósito, o então Desembargador Araken de Assis, por ocasião do julgamento da Apelação Cível Nº 70000924886, concluiu que era possível a aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria, pois seria ‘’ impossível, no caso, distinguir entre a relação estatutária e a previdenciária, pois esta última não existe’’. 102

No mesmo sentido:

O servidor público inativo recebe os proventos de aposentadoria do Estado da mesma forma que o servidor na ativa. Ou seja, ao contrário da iniciativa privada que cessa o vínculo com o empregador após a aposentadoria e o INSS assume o pagamento das aposentadorias, o Estado assume duas obrigações: a de pagar o servidor ativo e daquele que passou para a inatividade, com base nas variações salariais.103

Já os defensores da sua inconstitucionalidade argumentam que a relação funcional que o servidor tinha com a Administração por ocasião do exercício do cargo não se confunde com o vínculo do agente com o Regime Próprio de Previdência Social.

O Desembargador Paulo Dimas Mascaratti do TJ-SP reforça essa tese, acrescentando que as contribuições são recolhidas a órgãos de previdências autônomos, com natureza jurídica de autarquias, e não aos próprios entes. Interessante colacionar trecho do voto do citado Desembargador no Agravo Regimental nº 2012743-23.2014.8.26.0000/50000:

Mostra-se evidente que essa relação jurídico-tributária, absolutamente autônoma em relação ao vínculo funcional, não pode ser desconstituída no processo administrativo disciplinar.

Nem colhe a indicação de alguns doutrinadores de que o servidor inativo ainda mantém vínculo com o Estado, o que justificaria a subsistência da pena de cassação da aposentadoria; tal colocação é de manifesta inconsistência, tendo em vista que na atualidade, por conta do novo regime instituído, as contribuições são recolhidas a órgãos de previdência autônomos, com a natureza jurídica de autarquias, que se incumbem da concessão e manutenção dos benefícios; recolhem eles, inclusive, as contribuições devidas pelos entes federados, os quais não têm qualquer

101 COELHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 2007 102

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70000924886, Quarta Câmara Cível, ,Relator: Araken de Assis, Julgado em 02/08/2000.

103

FERRARO, Suzani Andrade. As Emendas Constitucionais nº 20/1998 e 41/2003 e o Equilíbrio Financeiro

e Atuarial nos Regimes de Previdência Social. Pontifícia Universidade Católica. São Paulo, março de 2006, p.

ingerência no sistema; logo, o servidor, a partir das contribuições que faz, fica vinculado apenas ao ente de previdência para efeito de obtenção de benefícios, tal como ocorre com os trabalhadores privados (vinculados ao INSS); bem por isso, nada do que se passa no âmbito das relações de trabalho pode repercutir no sistema previdenciário, pois a retribuição (implemento do benefício), como registrado precedentemente, não depende mais da simples condição de servidor público, mas da relação direta com o seu custeio na forma prevista nas normas pertinentes; a vinculação causal se estabelece estritamente entre contribuição e benefício (...) pouco importando para a sua concessão se houve ou não bom desempenho pelos servidores de seus encargos, que a rigor, como os trabalhadores da iniciativa privada, devem ser tratados como SEGURADOS e nada mais.(grifo nosso)104

No mesmo sentido:

Ao passar para a inatividade os proventos recebidos pelo servidor perdem a vinculação necessária com o desempenho do cargo ou função, não recebendo mais remuneração como consequência de uma contraprestação, na forma da lei, mas proventos, calculados pelo tempo de contribuição.105

Por fim, apesar de também haver divergência, acredita-se que esse argumento é o mais consistente para defender a inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria, considerando o caráter contributivo da aposentadoria e a distinção da relação previdenciária e da relação jurídico-administrativa.

5.2 Ato jurídico perfeito, direito adquirido e segurança jurídica

Os juristas que defendem a inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria, invariavelmente remetem-se à ofensa aos princípios do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da segurança jurídica na aplicação dessa sanção.

A proteção do direito adquirido e do ato jurídico perfeito tem previsão legal no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. Vejamos:

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

O art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro define o que seriam esses institutos, conceituando o ato jurídico perfeito como ''o já consumado segundo a lei

104

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo Regimental nº 2012743-23.2014.8.26.0000/50000, Relator: Paulo Dimas Mascaratti, Órgão Julgador: Órgão Especial, Data de Julgamento: 23 de abril de 2014, DJe 02/06/2014.

105

MARROS, Mauro Roberto Gomes de. Improbidade Administrativa e a aplicação da pena de perda da

aposentadoria. Rio de Janeiro, março de 2014. Disponível em

http://www.gomesdemattos.com.br/artigos/improbidade_administrativa_aposentadoria.pdf, acesso em 11 de outubro de 2014.

vigente ao tempo em que se efetuou''; e o direito adquirido como aquele que ''o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, assim como aquele cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem''.

Essas normas prestigiam um dos princípios norteadores do nosso ordenamento, qual seja, a segurança jurídica, estabilizando situações consolidadas no tempo. Referido preceito garante a confiança nas instituições, que restaria prejudicada caso a sociedade não pudesse ter a certeza de que essas situações estariam protegidas, o que acarretaria intranquilidade e hesitação em face de uma constante mutabilidade.

A propósito, Hely Lopes Meirelles ratifica a importância do princípio da segurança jurídica, afirmando que é “uma das vigas mestras do Estado de Direito" e, "ao lado da legalidade, um dos subprincípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito". 106Assim, o princípio da segurança está implícito na própria ideia de justiça.

Neste azo, o ato jurídico perfeito seria o ato de concessão de aposentadoria, e o direito adquirido seria o direito a receber os proventos da mesma.

Ainda para os defensores da tese de inconstitucionalidade da pena, não poderia o Poder Público alterar arbitrariamente as condições previstas no sistema jurídico para a aposentação do servidor, de forma a alcançá-lo a meio caminho da inativação, pois a situação do servidor aposentado seria regulada pela lei previdenciária em vigor ao tempo da concessão do benefício.107

Tarsis Nametala Sarlo Jorge pondera que ''o servidor em atividade tem sua situação jurídica regida por uma relação de serviço, de natureza objetiva. Já aposentado, coloca-se em situação jurídica subjetiva, pois uma vez concedida a aposentadoria, faz nascer o direito adquirido.'' 108

Assim, entendem que se uma aposentadoria foi deferida regularmente pela Administração, respeitando os ditames legais e constitucionais, com o reconhecimento da satisfação de todos os requisitos; essa aposentação constituiria Ato Jurídico Perfeito, ficando imune a qualquer prejuízo posterior à sua constituição ou configuração. 109

Vale mencionar também que o ato de concessão de aposentadoria é um ato

106 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 99. 107 LEMOS, MARIA JOSÉ QUEIROZ. A Inconstitucionalidade da Pena de Cassação de Aposentadoria dos

Servidores Públicos à luz da Emenda Constitucional nº 20/1998. Disponível em http://www.anima- opet.com.br/pdf/anima6/TCC-Maria-Jose-JUL2011.pdf.

108

SARLO JORGE, Tarsis Nametala. Teoria geral do direito previdenciário e questões controvertidas do

regime geral e do regime dos servidores públicos e dos crimes previdenciários. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2005. p.183.

109

administrativo complexo, isto é, formado pela manifestação de vontade de órgãos diversos, aperfeiçoando-se apenas após o seu registro no Tribunal de Contas, segundo posição majoritária do Supremo Tribunal Federal.

Destarte, se à época do ato de concessão da aposentadoria, o servidor preenchia os requisitos necessários para tanto e, portanto, o ato foi regular, defende-se que o benefício previdenciário não poderia ser cancelado.

Por oportuno:

A aposentadoria do servidor decorre de um ato complexo da Administração Pública, após o implemento de tempo de contribuição, da idade e, eventualmente, do pedágio por parte do servidor. Complexo porque necessita da manifestação de vontade de dois ou mais órgãos para obtenção de uma única vontade, no caso a aposentadoria. Com a demissão do servidor aposentado, já usufruindo do benefício previdenciário, cujo ato de concessão encontra-se registrado pelo Tribunal de Contas, cumprindo as formalidades legais, tem-se que a pena de cassação da aposentadoria viola os princípios do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, previstos no artigo 5.º, XXXVI, da Carta Magna. O benefício em manutenção está protegido pelo manto protetor da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), visto que os procedimentos aposentatórios, do pedido inicial até o registro pelo Tribunal de Contas geraram efeitos concretos, que se consumaram, considerando que os atos administrativos não se encontram maculados de vícios. Por força do artigo 5.º, XXXVI, da CF/88, não há como justificar a adoção de medidas extremas pelo Poder Público que venham cessar direitos individuais assegurados pelo estado democrático de direito, a ponto de cancelar um benefício previdenciário concedido regularmente. Uma vez deferida a aposentadoria e registrada pelo Tribunal de Contas, não se pode cancelar o ato concessório, pois o direito dela decorrente já se incorporou ao patrimônio do segurado. (grifo nosso)110

Interessante colacionar os apontamentos de Ivan Barbosa Rigolin, que tece severas críticas à penalidade de cassação de aposentadoria:

Somente pode ser cassada a aposentadoria de quem a obteve de modo irregular, contra a lei, contra a Constituição, contra o ordenamento jurídico expresso.

Ignora o artigo que a aposentadoria é um ato jurídico perfeito, que quita de parte a parte — Administração e servidor — todo e qualquer direito pendente, ou expectativa, ou desacerto passível de regularização futura. A aposentadoria corrige pendências até então existentes, apara arestas, arredonda cantos vivos, elimina descompassos como créditos ou débitos recíprocos.

Quando concedida regularmente, a aposentadoria não pode ser prejudicada por atos ou fatos subsequentes, relativos ao servidor, salvo aqueles que indicam fraude, pelo mesmo servidor, na demonstração de que tinha os requisitos para aposentar-se, ou salvo ainda erros da Administração, praticados quando da concessão da mesma aposentadoria.

Afora nestas hipóteses, não será um fato praticado há quinze anos pelo servidor hoje aposentado que poderá, em nenhuma hipótese no universo, prejudicar a atual

110

LEMOS, MARIA JOSÉ QUEIROZ. A Inconstitucionalidade da Pena de Cassação de Aposentadoria dos

Servidores Públicos à luz da Emenda Constitucional nº 20/1998. Disponível em http://www.anima-

aposentadoria.

Esta constitui um estado definitivo e supostamente correto, estável, a proteger o ex-servidor. Tal garantia evidentemente jamais será turbada ou ameaçada por algo, ainda que grave, que, praticado no passado pelo mesmo aposentado, não foi apurado tempestivamente, tendo mesmo, às vezes, prescrito, ainda enquanto o servidor era ativo.

Preferiu o autor da L. 8.112, refratário às regras mais basilares do direito, repetir a estultice espantosa e inacreditável do art. 212 do antigo estatuto dos funcionários públicos civis da União, o qual cometeu a heresia de prever a cassação da aposentadoria do servidor que um dia tenha praticado usura! Os humoristas brasileiros não seriam capazes de bravata tão engraçada!

Ousamos advertir a União — e ainda hoje o ousamos: jamais se rebaixe a aplicar, ou a voltar a aplicar, o histriônico art. 134 da L. 8.112!

Nunca a União conseguirá, se houver o mínimo de segurança jurídica no País, cassar a aposentadoria de inativo que enquanto na atividade praticou falta punível com a demissão. (grifo nosso)111.

No entanto, percebe-se que esse argumento não se sustenta, pois o que ocorre no ato de cassação de aposentadoria não é a ''mudança das condições previstas no sistema jurídico para a aposentação do servidor'', mas simplesmente o desatendimento dessas condições, que já estavam previamente estabelecidas.

A propósito, Suzani Andrade Ferraro, em trabalho de dissertação de mestrado, afirma que:

O questionamento acerca da existência ou não do direito adquirido somente pode surgir quando a lei nova passa a disciplinar matéria da lei antiga. O direito adquirido apenas será suscitado em caso de conflito de leis no tempo, quando, então, um sujeito de direito afirma possuir direito a algo e, a partir daí, passa a requerer algo.

112

Com efeito, o imbróglio em tela não é relativo a conflito de leis no tempo, pois, na situação admitida, a lei que previa a penalidade cassação de aposentadoria é anterior à concessão da aposentadoria e, portanto, consiste em uma possibilidade regular, ao menos nesse aspecto, de perda dela.

Ressalte-se que a aposentadoria não é ato jurídico intangível, podendo ser retirada caso haja substrato fático e legal que justifique esse procedimento.

Se fosse adotado o raciocínio de ofensa ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, nenhum tipo de ato administrativo poderia ser cassado, o que seria um verdadeiro disparate, pois a cassação consiste justamente na extinção de um ato em virtude de o seu beneficiário ter

111 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao Regime único dos Servidores Públicos Civis. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 348 - 349.

112

FERRARO, Suzani Andrade. As emendas constitucionais nº 20\1998 e 41\2003 e o Equilíbrio Financeiro

e Atuarial nos Regimes de Previdência Social. Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, Março de 2006, p.

descumprido condição indispensável para a sua manutenção. A propósito, José dos Santos Carvalho Filho leciona:

Cuida-se de penalidade por falta gravíssima praticada pelo servidor quando ainda em atividade. Se essa falta fosse suscetível, por exemplo, de pena de demissão, o servidor não faria jus à aposentadoria, de modo que, tendo cometido a falta e obtido a aposentadoria, deve esta ser cassada. Trata-se, por conseguinte, de penalidade funcional, ainda que aplicada a servidor inativo.

Registre-se, por oportuno, que não há direito adquirido do ex-servidor ao benefício da aposentadoria, se tiver dado ensejo, enquanto em atividade, à pena de demissão. Por isso, inteiramente cabível a cassação da aposentadoria – na verdade, até mesmo a aposentadoria compulsória de magistrado, que tem natureza punitiva, está sujeita à cassação se decisão superveniente a decretar em razão da