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Natureza Jurídica da Contribuição Previdenciária

3 PENALIDADE DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA

4.2 Natureza Jurídica da Contribuição Previdenciária

A natureza jurídica da contribuição previdenciária referente ao RPPS, que é o valor descontado da remuneração do servidor para custear a Previdência Social, é matéria amplamente discutida pela doutrina.

Raul Miguel Freitas de Oliveira acredita não ser tributária a sua natureza, considerando ser ‘’ uma exação estatal voltada ao financiamento de um sistema protetivo de determinadas coletividades’’, ao que elenca algumas diferenças entre tributo e contribuição previdenciária:

''As regras específicas aplicáveis às contribuições previdenciárias seriam, basicamente: a) princípio da anterioridade diferente dos tributos; b) para a formação do vínculo obrigacional que lhe confere a exigibilidade, indispensável a configuração não só do fato gerador (como para os tributos), mas também da prestação do benefício a segurado; c) aplicabilidade de normas previstas na Lei nº 8.212/1991 (Plano de Custeio da Previdência Social), afastando a de normas do Código Tributário Nacional, como, por exemplo, as que preveem a denúncia espontânea (artigo 138 do CTN) ou hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (artigo 151 do CTN)''.81

Apesar de se referir à contribuição social do RGPS (art. 195 da CF), e não especificamente à contribuição previdenciária do RPPS (art. 40 caput c/c art. 149, § 1º da CF), é interessante colacionar os apontamentos de alguns autores, como Wladimir Novaes Martinez, que também não admite o caráter tributário da contribuição previdenciária, afirmando que se trata de ‘’ salário socialmente diferido e juridicamente, exação não tributária''. Sua posição é justificada no sentido de que as contribuições exigem requisitos próprios, distintos dos tributos, como lei complementar para sua instituição, anterioridade segundo o ‘’ princípio da trimestralidade’’ e ‘’ sítio disciplinador’’ próprio na Constituição.82

Para este autor, a Constituição estabeleceria um Sistema Exacional Nacional e um Sistema Tributário Nacional, que não se confundiriam, frisando que a contribuição social faria parte do primeiro, não sendo uma espécie do gênero tributo.

No mesmo sentido discorre Marcus Orione Gonçalves Correia:

''Logo, é esdrúxulo conceber-se a existência de contribuições especiais, como um quarto gênero de tributo, ou mesmo, entender-se que existe um tributo ''sui generis''. Estas classificações, além de ilegais, são extremamente perigosas, na medida em que abrem ensejo a um excessivo poder de tributação do Estado-Executivo. (...)

Portanto, as contribuições previdenciárias não apresentam, no nosso

81 OLIVEIRA, Raul Miguel Freitas de. Previdência dos Servidores Públicos: regime próprio e previdência

complementar dos agentes públicos. Leme: J.H. Mizuno, 2013, p.212-213, 216.

82 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Contribuições previdenciárias - questões atuais. São Paulo: Dialética, 1996, p. 269.

entendimento, natureza tributária. Assim, possuem normas próprias e princípios

próprios - não se lhes aplicando os concernentes aos tributos em geral.’’ (grifo nosso).83

Marco Aurélio Greco também defende que as contribuições previstas no art. 149, § 1º da CRFB não possuem natureza tributária, não concebendo que o simples fato de ‘’ser servidor’’ possa ser considerado fato gerador:

‘’Na visão tradicional, caberia perguntar: qual a ‘’materialidade’’ do fato gerador deste tributo? Seria ‘’exercer função ou emprego público’’? Como conjugar o regime estatutário com uma definição que parta da materialidade do fato gerador? (...)

Porém, se fosse adotada a visão tradicional do tributo (apoiada no seu fato gerador, o dispositivo examinado seria muito curioso porque previdência e assistência - em matéria de servidores públicos – são conceitos ligados à própria definição do relacionamento básico entre entidade pública e servidor. Daí a pergunta: como pretender sustentar que um Estado-membro está, através de um Instituto de Previdência, cobrando um tributo de seus servidores? Esta é uma incógnita que deixo para ser respondida por quem sustentar a natureza tributária sob a ótica clássica do fato gerador.’’84

Érica Paula Barcha Correia destaca não se tratar a contribuição previdenciária de tributo em virtude da suposta ausência de compulsoriedade daquela, pois a demonstração da relação de emprego seria suficiente para concessão do benefício, mesmo que o empregador não tenha efetuado o recolhimento das contribuições. Além disso, também se remete à figura do segurado contribuinte facultativo para descaracterizar o caráter compulsório. 85

Tércio Sampaio Ferraz também defende que a contribuição previdenciária do RPPS não é expressão de um ‘’ poder de império tributante’’, mas uma ‘’ exação pro labore facto’’, oriunda da relação jurídico-administrativa funcional estabelecida entre o servidor e o poder público.86

Sérgio Pinto Martins sintetiza as principais teorias acerca da natureza jurídica da contribuição social, quais sejam, teoria do prêmio do seguro, teoria do salário diferido, teoria do salário social, teoria do salário atual, teoria fiscal, teoria parafiscal e teoria da exação fiscal

sui generis, esta última a preferida dos previdenciaristas. O referido autor refuta todas elas, concluindo pela natureza tributária da espécie. Vejamos:

83 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Da natureza jurídica não tributária das contribuições previdenciárias.

Universitária Revista das Faculdades Integradas Toledo, Araçatuba -SP, v. 2, nº 1, p. 68 -74, jun. 1999.

84 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura ‘’sui generis’’). São Paulo: Dialética, 2000, p. 81. 85 CORREIA, Érica Paula Barcha. Natureza jurídica das contribuições sociais de custeio da seguridade

social à luz da CF/88. Revista de Previdência Social, São Paulo, LTr, ano XXII, nº 216, p. 943 - 952, nov.

1998.

86 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Parecer sobre a contribuição dos inativos. Curitiba: Paranáprevidência, 31 out. 2000.

A teoria do prêmio do seguro entende que a contribuição à Seguridade Social equipara-se ao prêmio de seguro pago pelo beneficiário às companhias seguradoras para ficar coberto pelos benefícios do sistema. O seguro é um contrato de natureza privada, enquanto a contribuição tem natureza pública, sendo decorrente de lei e não de ajuste de vontades.

As teorias do salário diferido, salário atual e salário social têm em comum o fato

de que uma parte do salário é descontada do empregado para o sistema de previdência social, visando à formação de um fundo de recursos que futuramente irá prover a subsistência do operário, quando, pela ocorrência de um risco social (aposentadoria, morte, invalidez etc.), não tiver condições de obter meios próprios para sua subsistência. É um salário que será diferido, pago no futuro, socializado entre todos. Entretanto, o pagamento não é feito pelo empregador, mas pelo INSS, razão pela qual não pode ser salário. Muitas vezes, não é atual, pois não representa exatamente a quantia percebida pelo trabalhador, além de que certos segurados não percebem salário, como os autônomos.

A teoria fiscal entende que a contribuição à Seguridade Social é tributo, por ser

compulsória e prevista em lei. A crítica que se faz é que não pode ser enquadrada como imposto, taxa e contribuição de melhoria.

A teoria parafiscal sustenta que a contribuição da Seguridade Social não é exigida

pelo Estado, mas pelo INSS, além de não ser própria do primeiro. Seria, assim, uma contribuição parafiscal (finanças paralelas às do Estado).

Entende a teoria da exação sui generis que a contribuição é uma exigência distinta, com previsão em lei, que não pode ser enquadrada como tributo.

Na verdade, a contribuição tem natureza tributária, pois é uma prestação pecuniária, exigida em moeda ou valor que possa exprimir-se. É compulsória,

pois independe da vontade da pessoa de contribuir. Tem previsão em lei. Não se constitui em sanção de ato ilícito e é cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (lançamento). A contribuição está enquadrada no art. 149 da Constituição, na parte final do dispositivo, quando faz referência à contribuição prevista no § 6º do art. 15 da Lei Maior. Trata-se, portanto, de tributo, na modalidade contribuição social. A execução judicial para a cobrança da Dívida Ativa da autarquia da União, que é o INSS, será regida pela Lei nº 6.830/80. (grifo nosso).87

Outro argumento utilizado pelo supracitado doutrinador para justificar o caráter tributário da contribuição previdenciária é a sua localização na Constituição Federal, pois sua previsão encontra-se inserta no Capítulo do Sistema Tributário Nacional.

Os ilustres tributaristas Ives Gandra Martins88 e Hugo de Brito Machado89 também incluem as contribuições previdenciárias no rol de tributos.

Apesar dessa divergência doutrinária, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento que a contribuição previdenciária possui natureza jurídica de um tributo autônomo, diante da adoção da teoria pentapartite pelo ordenamento jurídico brasileiro, que

87 MARTINS, Sérgio Pinto. Fundamentos de Direito de Seguridade Social. São Paulo, Atlas, 2005, p33 – 34. 88 MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 717-721.

considera como tributo os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, o empréstimo compulsório e as contribuições especiais, previstas no art. 149 e 149-A da Constituição Federal.

A propósito, veja-se, ad exemplum, RE 44176790, AgR 658576/RS91, AI-AgR 679355/RS92, RE 55666493 e RE 14673394, que consideram o empréstimo compulsório e as contribuições especiais, inclusive as contribuições previdenciárias, como espécies tributárias autônomas desde o advento da Constituição Federal de 1988, ostentando natureza jurídica própria que as distingue dos impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Interessante frisar que a contribuição previdenciária somente pode ser instituída para atender à finalidade específica, qual seja, o custeio dos benefícios previdenciários concedidos aos segurados. Portanto, não se pode utilizar os recursos provenientes da contribuição previdenciária para emprego em outras áreas. 95

90 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 441767, Relator(a): Min. EROS GRAU, Órgão Julgador: Primeira Turma, julgado em 29/03/2005, DJ 22-04-2005

91BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Agravo Regimental nº 658576/RS, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Órgão Julgador: 1ª Turma, Julgamento em 27/11/2007, DJ 19-12-2007

92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 679355/RS, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Órgão Julgador: 1ª Turma, Julgamento em 27/11/2007

93 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 556664, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, julgado em 12/06/2008, DJ 14-11-2008.

94 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 146733, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, julgado em 29/06/1992, DJ 06-11-1992.

95 ALEXANDRINO, Marcelo, PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 898.

5 A INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA É cediço que, no ordenamento jurídico pátrio, a Constituição Federal posiciona-se no topo da pirâmide idealizada por Kelsen, isto é, no mais alto grau da hierarquia das normas. Assim, todo o restante da legislação deve obediência aos ditames constitucionais.

Destarte, o princípio da supremacia da Constituição conduz a interpretação e a aplicação das normas infraconstitucionais, sendo de fundamental importância o estudo dos aspectos da penalidade de cassação de aposentadoria que afrontariam a nossa Lei Maior.

Nesse sentido, a constitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria é bastante discutida por juristas, por suspostamente ofender uma série princípios da Constituição Federal. Em suma, os principais pontos levantados pelos defensores da tese de inconstitucionalidade são os seguintes: caráter contributivo da aposentadoria e autonomia da relação previdenciária; constituição de ato jurídico perfeito do ato de concessão da aposentadoria, que seria um direito adquirido; segurança jurídica; afronta à isonomia e à pessoalidade da pena; enriquecimento ilícito — sem causa — da administração pública; impossibilidade de supressão de direitos pelo legislador infraconstitucional e afronta à dignidade da pessoa humana.

A seguir, vejamos detalhadamente a fundamentação dessas questões, bem como sua procedência e receptividade pela jurisprudência pátria.

5.1 Caráter Contributivo da Aposentadoria e Autonomia da Relação Previdenciária