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CAPÍTULO II – OS CONTEXTOS ONDE SE DESENVOLVE A CRIANÇA E O ADOLESCENTE

1. A FAMÍLIA COMO PILAR DA ESTRUTURAÇÃO PSICOLÓGICA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

1.2. CARACTERÍSTICAS DA FAMÍLIA E PADRÃO DE COMPORTAMENTO DOS FILHOS

Na etapa de abruptas transformações que acontecem entre a infância e a puberdade e na adolescência, o papel da família continua a ser como já dissemos, apesar de todas as diferenças, o de suporte das dificuldades que o jovem sente (Rota, 1995).

A família é também um sistema em interação. Por este motivo, sofre influências sob vários prismas e de acordo com a situação específica de cada um dos seus membros. Se nas famílias se estabelecem vários tipos de relações, parece-nos obvio que se obterão diferentes resultados no que concerne à estrutura familiar.

Bowlby (1984b) refere que os padrões de interação da família se transmitem de geração para geração uma vez que as crianças tendem, mesmo que involuntariamente, a identificar-se com os seus pais, e portanto, a adotar para os seus filhos, quando se tornam pais, os padrões de que tiveram experiência na infância. Assim, a herança da saúde mental ou da enfermidade mental, transmitida através da microcultura familiar, não é menos importante do que a transmitida pelos genes.

Peck, Havigurst, Cooper, Lilienthal, & More (1960), encontraram uma correlação positiva entre a estrutura da personalidade das crianças (adolescentes) e os padrões de interação familiar.

Na página seguinte, no quadro nº 1, podemos encontrar resumidamente o resultado desse estudo.

Quadro nº 1 - A estrutura da personalidade da criança como resultado do padrão de interação familiar

Padrão de interação familiar

Características da interação familiar

Estrutura da personalidade da criança/ adolescente

Famílias

acentuadamente mal estruturadas

grande desconfiança e desaprovação em relação aos seus filhos, a quem dedicam pouco amor, pouca segurança emocional e com quem não têm uma forma coerente de disciplina

crianças amorais:- perceção ambígua das

situações sociais, dos outros e de si próprias, - capacidade reduzida de definirem para si objetivos claros, realistas, que consigam atingir,

- comportamento mal adaptado, com controlo reduzido sobre os seus impulsos, - são normalmente hostis e emocionalmente imaturas, o que dificulta boa adaptação ao mundo social;

Famílias do tipo “laissez-faire”

dão aos seus filhos liberdade para tomar as suas decisões, dão-lhes aprovação,

são tolerantes e inconstantes quanto à disciplina

não transmitem reconhecimento e preocupação pela criança como pessoa

crianças oportunistas:

tentam obter tanta vantagem quanto possível, acomodando-se ao mundo e fugindo às exigências sociais que as obrigam a agir de maneira positivamente socializadas aspiram ser hedonistas mas a felicidade parece depender das relações com terceiros, ativamente amistosas e reciprocamente calorosas, faltando-lhes capacidade para esse tipo de relação. São normalmente tensas, inquietas e insatisfeitas conseguem mesmas. Famílias muito

autocráticas

recorrem à punição e onde se reconhece desconfiança

crianças conformistas:

- acentuada tendência à hostilidade, controlada por uma consciência punitiva, são habitualmente deprimidas, apáticas, infelizes e incapazes de enfrentar o mundo.

Famílias constituídas por pais rígidos ou muito rígidos

Rigidez quanto à disciplina, sem confiança e alguma coerência

Conscienciosas-irracionais, Respeitadas mas não apreciadas pelos colegas. Rigidez que dificulta a convivência. Revelam alguma hostilidade generalizada. Comportam-se de maneira responsável, honesta, por hábito. Exigem tanto dos outros quanto de si. Pais flexíveis Aprovam os seus filhos, as

suas atitudes e os seus amigos, com harmoniosa relação entre si. Rotina é regular sem ser rígida. Confiam no filho. Coerência na disciplina e tolerância. As crianças têm sentimentos fortes e positivos em relação aos seus pais que estendem a outros.

Crianças altruístas-racionais bem integradas, emocionalmente maduras e possuindo princípios morais firmes e interiorizados, gozam ampla e ativamente a vida, têm sadio respeito por si e pelos outros

Adaptado de:Peck et al., (1960).

Também os estudos sobre os estilos de paternidade e maternidade (Baumrind 1967, 1991) demonstram a relação existente entre estes estilos e o comportamento que a criança/ adolescente estabelece com os outros, nomeadamente na escola.

No quadro nº 2, podemos encontrar descritos os estilos de paternidade/ maternidade e o padrão de comportamento da criança.

Quadro nº 2 – Estilos de paternidade/ maternidade e padrão de comportamento da criança

Padrão de paternidade / maternidade

Características de atuação dos pais Comportamento da criança/ adolescente

Autoritária Comportamento autoritário para moldar, controlar e avaliar o comportamento e atitudes dos filhos. Enfatiza o que é tradicional, a importância da obediência para com a autoridade.

Desencorajam o diálogo e utilizam medidas punitivas sempre que o comportamento dos filhos entra em conflito com os seus valores.

Tendencialmente têm menos competência social no contacto com as outras crianças, afastando-se. Em situações de conflito moral, necessitam de procurar autoridade externa para decidir quem estava certo.

Com autoridade (autoritativo)

Admitem que, apesar dos seus maiores conhecimentos e habilidades e da sua maior capacidade de controlar recursos e administrá-los, as crianças também têm direitos. Têm menos probabilidade de usar os métodos punitivos e maior probabilidade de demonstrar que a obediência à autoridade é uma virtude, controlando os filhos através da explicação das regras, considerando o ponto de vista da criança, mesmo que seja diferente do seu. Estabelecem padrões de comportamento elevado para os filhos e encorajam-nos a serem independentes

Autoconfiantes e com autocontrolo, com desejo de explorar o ambiente e as possibilidades, demonstrando mais satisfação

Permissiva Exercem menos controlo sobre os filhos, acreditando que eles devem aprender a comportar-se pela sua própria experiência, não se preocupando muito com a disciplina. Dão muito espaço às crianças para que sejam elas próprias a definir os seus horários e atividades e não exigem os mesmos níveis de realização e comportamento maduro que os pais que apresentam o padrão autoritário ou o padrão com autoridade

as crianças parecem mais imaturas, com dificuldade de controlar os impulsos e de aceitar a responsabilidade pelas suas ações e de reagir independentemente.

Adaptado de: Baumrind (1967, 1991)

Weber, Prado, Viezzer & Brandenburg (2004), referem a propósito dos estilos parentais, no seu estudo com 239 crianças brasileiras e seus pais que o estilo autoritativo é bastante

adequado para uma educação saudável dos filhos (pp.329-330).

Por outro lado, Rosenberg (1965, 1979) estudou a relação entre autoestima dos adolescentes e as relações familiares e constatou que a baixa autoestima se correlaciona com sentimentos de solidão, sensibilidade à crítica, angústia, depressão, enquanto a elevada autoestima se relaciona com a confiança em outras pessoas, participação ativa e possibilidade de se tornar líder.

Outros estudos, nomeadamente o de Wolfradt, Hempel & Miles (2003), revelam que as relações estabelecidas entre estilos parentais e adolescentes influenciam o seu bem-estar.

Assim, a pressão psicológica exercida pelos pais relaciona-se com a ansiedade sentida pelos adolescentes, enquanto que um ambiente caloroso promove estratégias de coping e diminui a ansiedade.

Ainda no que concerne à influência familiar, Cummings (2010) verificou que o tipo de família em que o adolescente está inserido influencia o seu comportamento e as suas aspirações, nomeadamente no que respeita ao desempenho escolar. Ferreira & Marturano (2005) refere também que as famílias das crianças com problemas apresentam menos recursos, maior adversidade e problemas nas relações interpessoais. Por seu lado, Smetana (1995, 2011) refere que os pais assumem uma importância fulcral na construção do conceito moral na adolescência na medida em que as suas interações e as respostas às situações promovem ou não o desenvolvimento moral, influenciando deste modo a construção do mundo do adolescente.