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CAPÍTULO II – OS CONTEXTOS ONDE SE DESENVOLVE A CRIANÇA E O ADOLESCENTE

2. A ESCOLA COMO CONTEXTO DE DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

2.4. O DESEMPENHO ESCOLAR

2.4.1. Fatores que podem influenciar o desempenho escolar

Os contextos que são constituídos por variáveis múltiplas e complexas podem condicionar o sucesso das aprendizagens e neutralizá-lo (Tavares, 1996).

Existem vários fatores que podem interferir no desempenho escolar do aluno. Esses fatores, que podem ser extrínsecos ou intrínsecos em relação ao aluno, quando conhecidos, podem ser muitas vezes transformados e tornar-se facilitadores de um bom desempenho escolar (Marques, 1998; Andrade & Laros, 2001).

Podemos considerar como fatores intrínsecos, características pessoais do aluno, como o género sexual, a inteligência, a memória, a dedicação, a idade com que entra na escola (quanto mais cedo, melhor o desempenho escolar) (Chechia & Andrade, 2004; Menezes- Filho, 2005) ou o desenvolvimento cognitivo. Quanto ao género, os rapazes distraem-se mais do que as raparigas com a mesma idade e isso parece influenciar o desempenho escolar (Dal’Igna, 2007), já que o fracasso escolar é maior nos rapazes do que nas raparigas (Carvalho, 2001; 2003). Aparentemente, as capacidades cognitivas têm, na altura da adolescência, bastante importância nos desempenhos escolares dos estudantes. A passagem para o pensamento formal (Piaget, 1984) permite aos estudantes a compreensão de matérias mais complexas e permite a abstração. Esta forma de pensamento permite ao aluno organizar a sua resposta em função do que apreendeu e não apenas repetindo o que o professor disse (característico da memorização). À medida que as crianças crescem e se desenvolvem e

passam para a fase da adolescência, a capacidade que lhes permite processar a informação recebida parece aumentar, havendo alterações no processamento da informação, como seja o aumento do conhecimento, a capacidade de organizar o pensamento e a aptidão de executar várias funções mentais conjuntamente. As descrições de Piaget apontam para diferenças qualitativas na compreensão, organização e processamento de informação, entre estudantes na fase das operações concretas e na fase das operações formais (Sprinthall & Collins, 1994).

Estudos desenvolvidos pelo Conselho Nacional de Educação (Dias, 2001) revelam que os maiores problemas de insucesso educativo se verificam nas crianças e jovens que apresentam dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento, como as situações de agressividade, por exemplo. As dificuldades de aprendizagem relacionam-se ainda com a mais baixa autoestima dos adolescentes (Antunes et al., 2006). Por outro lado, estudos realizados por Pereira (2001) revelam que os alunos com estratégias de coping mais ajustadas apresentam, para além de maior motivação, melhor desempenho escolar, o que nos remete para a importância do desenvolvimento da resiliência. Nesta linha de ideias, Brancalhone, Fogo & Williams (2004), referem que no seu estudo não encontraram diferenças no desempenho académico de crianças expostas à violência quando comparadas com os seus pares não violentos, propondo que o constructo da resiliência ajude a esclarecer os resultados desse estudo, uma vez que as características da criança e os fatores de proteção possam ter mediado a sua adaptação.

No entanto, para além dos fatores intrínsecos ao indivíduo, também os fatores extrínsecos se revelam importantes para o desempenho escolar. Nesta categoria, temos os fatores que se relacionam com a família, com o ambiente familiar, com a escola e com o contexto.

No que se relaciona com a família, a educação dos pais, os fatores económicos da família (sendo um obstáculo a pobreza e um fator favorecedor pertencer a uma classe social elevada), a participação ou afastamento dos pais na vida escolar (Sammons, 1995; Chechia & Andrade, 2004; Menezes-Filho, 2005; Nogueira, Cunha, Viana & Resende, 2009) e as características do ambiente familiar (Ferreira & Marturano, 2002; Cummings, 2010; Sturge- Apple, Davies & Cummings, 2010) parecem ser diferenciadoras do desempenho escolar do aluno.

Por outro lado, a presença ou ausência das relações da família com a escola pode afetar o desempenho escolar do aluno (Brofenbrenner, 1986; Garbarino, 1992; Gil, Reynolds & Pai, 1995).

Assim, as famílias podem, por um lado, constituir-se como um apoio e um recurso para as crianças em meio escolar mas, por outro lado, tornar-se fonte de stress, distração e comportamentos desadaptados. Os efeitos da ambiente familiar no desempenho escolar têm sido identificados nos diferentes níveis de ensino, desde o pré-escolar, ao universitário, sendo que o envolvimento direto dos pais na vida escolar dos filhos parece ser um preditor significativo de progresso académico desde a infância até à adolescência (Marturano, 2006).

O ambiente doméstico influencia também o desempenho escolar: os estudantes com apoio dos pais (principalmente do pai) têm melhores resultados escolares. Estudantes que vivem com ambos os pais têm melhores resultados. Os pais de adolescentes com bom desempenho arranjam tempo para conversar com eles e sabem o que acontece nas suas vidas, levam as crianças a sério e elas retribuem (Papalia & Olds, 2000; Andrade & Laros, 2007). Assim, parece que o fraco envolvimento das famílias no trabalho escolar dos seus educandos, para além das condições socioeconómicas, é frequentemente identificado como estando associado à má performance do aluno (GAVE, 2005).

Viver numa família coesa, harmoniosa, onde os problemas são resolvidos, com menores falhas de supervisão, em que a ênfase é no desenvolvimento da criança parece ser promotor de um bom desempenho escolar. No entanto, pertencer a uma família complicada, hostil, pouco afetiva ou uma família em que os membros parecem estar separados, evitando enfrentar os problemas, parece ser pouco favorecedor do desempenho escolar (Ferreira & Marturano, 2002; Cummings, 2010; Sturge-Apple, 2010). Também os filhos de pais democráticos tendem a ser melhores alunos que os filhos de pais autoritários ou permissivos, parecendo que a inconstância está associada a notas mais baixas (Papalia & Olds, 2000). Por outro lado, parece que a herança cultural familiar afeta mais a língua materna do que a matemática (Nogueira et al., 2009)

A violência doméstica (agressão da mãe ou da própria criança) parece ainda ser um fator que facilita um fraco desempenho escolar (Brancalhone, Fogo & Williams, 2004), enquanto que boas relações entre os pais parecem ser promotoras de redução de problemas nos filhos e, consequentemente, de melhor desempenho escolar (Schoppe-Sullivan, Weldon, Claire Cook, Davis & Buckley, 2009).

A condição socioeconómica é também um fator de grande importância no desempenho escolar. Os filhos de pais pobres e sem instrução têm maior possibilidade de viver em ambientes familiares e escolares negativos e de passar por acontecimentos mais stressantes (Papalia & Olds, 2000), pelo que o estatuto socioeconómico parece exercer uma influência superior ao género e aos antecedentes de imigração no aproveitamento escolar (GEPE, 2010b).

Os ter mais e melhores recursos foram relacionados com indicadores de bom desempenho escolar e ajustamento (Marturano, 2006; Nogueira et al., 2009). O desempenho académico é, de um modo geral, melhor em ambientes enriquecidos e intelectualmente estimulantes, enquanto que ambientes empobrecidos parecem inibir o bom desempenho. De qualquer forma, o modo como os pais interagem com os seus filhos em casa, parece ser mais importante para o desempenho escolar do que o seu estatuto social, dado que famílias com baixo estatuto socioeconómico podem desenvolver crianças resilientes, inteligentes e bem- educadas (Weiss, 2008).

Outro dos fatores importantes no desempenho escolar é a qualidade da escola que os alunos frequentam. O tipo de gestão da escola que o aluno frequenta ou ser aluno de escola privada (Chechia & Andrade, 2004; Menezes-Filho, 2005; Andrade & Laros, 2007), parecem ser diferenciadores positivos do desempenho escolar do aluno, sendo que as condições físicas da escola também influenciam o desempenho escolar (Gabinete de Avaliação Educacional [GAVE], 2005).

A escola parece preocupar-se eventualmente com os danos físicos que acontecem aos alunos. No entanto, a preocupação com os problemas emocionais surgem apenas e normalmente quando eles interferem com a aprendizagem. Contudo, as crianças com mau desempenho escolar podem melhorá-lo, com o aumento da resiliência (Weiss, 2008).

Tendo em mente que a perceção do ambiente escolar é importante na ligação que os estudantes estabelecem com a escola (Cunningham, 2007), a criação de ambientes que providenciem normas claras e consistentes para comportamentos saudáveis, ajudam ao sentimento de segurança na escola e promovem o sucesso académico e social e, ao promoverem o desenvolvimento de competências e afetos, para além dos conhecimentos, desenvolvem inúmeros fatores de proteção (Paixão, 2004), que são por outro lado fatores de resiliência.

Como referem D’Ávila, Marturano & Elias (2005) A maior vulnerabilidade pessoal das

crianças corresponde a um ambiente familiar menos apoiador, onde o suporte está centrado nas questões escolares (p. 112).

A figura nº 2 ilustra esquemática e genericamente os fatores que podem interferir no desempenho escolar do aluno.

Figura nº 2 - Fatores que podem interferir no desempenho escolar do aluno

Desempenho escolar do aluno

Fatores intrínsecos Inteligência

Memória

Dedicação à escola

Menor idade com que entra na escola

Desenvolvimento cognitivo Estratégias de coping mais adequadas

Fatores extrínsecos Família: Educação dos pais Fatores económicos

Participação dos pais na vida escolar

Ambiente Familiar Escola: Qualidade Tipo de gestão Contexto

CAPÍTULO III – A RESILIÊNCIA

Ao referirmo-nos ao desenvolvimento humano, referimo-nos aos seus vários aspetos, podendo afirmar que este é um processo multimodal e multifatorial que, embora constante, não é linear nem igual de pessoa para pessoa (cada um de nós é igual apenas a si próprio) e é algo que sem dúvida acontece, mercê da adaptação a novas situações e da transformação de situações de conflito em situações de bem-estar.

Sabemos que quanto maior o desenvolvimento pessoal, mais flexível é a pessoa e melhor se adapta a situações desfavoráveis (Tavares, 1996, 2001). Neste contexto, para Gomes-Pedro (2011), resiliência pressupõe autonomia e uma coerência do caminho para a liberdade (p.18).

Este capítulo é dedicado à temática da resiliência, característica que parece emergir do processo de transformação existente no decurso do desenvolvimento humano, assumindo a resiliência como um fator de bem-estar.

No contexto desta exposição abordaremos resumidamente o conceito e o processo de desenvolvimento da resiliência tendo em conta os fatores que promovem o desenvolvimento de uma personalidade resiliente e ainda os fatores de risco e a vulnerabilidade que interferem negativamente nesse processo. Abordaremos ainda quais as características comuns aos indivíduos resilientes e a resiliência como fator de desenvolvimento humano.