• Nenhum resultado encontrado

4.3 Os professores desistentes: trajetórias e narrativas

4.3.2 Características de Dilnei

Dilnei, 45 anos, nasceu em um município próximo a Florianópolis e é o filho intermediário entre três irmãos. Da mesma forma que a maioria dos professores pesquisados, não se identificou quanto à raça. Sua mãe não completou o Segundo Grau e o pai tem o Primeiro Grau completo. A mãe, além das tarefas como dona-de-casa, trabalhava como costureira e o pai como caminhoneiro.

Dilnei não se enquadrou em nenhum dos estados civis descritos no questionário (solteiro, casado, separado, divorciado, viúvo) e sugeriu-me que colocasse a opção “outras”. Possui dois filhos, um deles com 23 anos e o outro com 20 anos de idade.

O professor estudou o Primeiro e o Segundo Graus em escolas públicas no interior do estado, e no Segundo Grau concluiu o Magistério. Cursou Pedagogia em

uma universidade pública como sua segunda opção (a primeira era Administração). Cursar Pedagogia apresentava a vantagem de que as aulas aconteciam no período noturno e, como ele precisava trabalhar, era o curso que mais se adequava. Concluiu seu curso superior no início dos anos 80 e fez uma especialização em Educação Pré- escolar para atuar nesta área.

Trabalhou durante três anos como professor no Ensino Fundamental e foi chamado para atuar com a equipe técnica central no órgão central da administração. Dilnei afirmou em sua entrevista que gostava de ver o trabalho feito com crianças. Ele desenvolvia uma espécie de supervisão pedagógica em várias unidades da rede, mas declarou não ter habilidade para trabalhar diretamente com as crianças na condição de professor.

Um aspecto bastante interessante diz respeito à representação de “professor- problema” que o mesmo possuía quando de sua passagem como docente no Ensino Fundamental. Da mesma forma que Gerson e os outros pesquisados, Dilnei relatou que havia um certo controle exercido pelas professoras sobre a maneira como o mesmo atuava com as crianças. E, fazendo um paralelo com a Educação Infantil, critica a centralização do trabalho pedagógico a partir da autoridade das professoras que, segundo ele, gostariam que todas as crianças mantivessem a atenção voltadas para elas.

[...] quando eu trabalhava, eu pouco desenvolvia atividades com a turma toda ao

mesmo tempo. Eu sofria sérias reclamações da secretaria. Eu era um professor- problema. Fui um professor-problema por que? Porque eu não tinha um trabalho assim, com todas as crianças. Eu era um professor anarquista. Por que? Eu não tinha a necessidade da criança estar sempre comigo. Eu quero que a criança desenvolva a atividade que foi prometida, que foi discutida para fazer. E hoje na educação infantil é

a mesma coisa. (DILNEI, PROFESSOR DESISTENTE).

Contemporâneos na Educação Infantil, Gerson e Dilnei, segundo esse último, trocavam idéias à época em que desenvolviam suas atividades sobre a questão do “domínio” do grupo. Dilnei dizia querer fazer um trabalho diferenciado no Ensino Fundamental oferecendo mais liberdade às crianças, enquanto Gerson tentava o mesmo na Educação Infantil. Dilnei relatou que os dois eram conhecidos como os

“professores-problema” porque, segundo as professoras, não “dominavam” as crianças.

Ambos os docentes apresentaram algumas semelhanças em suas representações quanto ao trabalho que empreenderam na condição de professores. Mesmo que em áreas diferentes – um na Educação Infantil e outro no Ensino Fundamental – elaboraram alguns paralelos com a educação das crianças pequenas. Dentre essas elaborações, ficou evidente que o controle, domínio e a disciplinarização das crianças, a atenção de todos voltadas ao mesmo tempo para a figura do/a professor/a, é algo ainda extremamente valorizado pelas profissionais de maneira geral.

Quando o docente se propõe a elaborar um trabalho em que a “disciplina”, como sinônimo de controle corporal, é dinamizada de maneira diferenciada das relações baseadas no autoritarismo, esse professor passa a ser estigmatizado na instituição e sua “competência profissional” questionada. Isso demonstra que o “controle e o disciplinamento” são aspectos extremamente importantes da cultura institucional e aqueles que não se enquadram são considerados “professores moles”. Mesmo que esses professores não tivessem como projeto seguir carreira no magistério, e utilizaram-na como forma de ascensão funcional, a imagem que tem alguns de seus colegas atuantes no magistério é a de que eles desistiram da profissão, algo como se seu projeto inicial tivesse “falhado” ou não tivessem conseguido concretizá-lo.

Uma outra argumentação possível para compreender a desistência desses docentes insere-se no discurso acerca da masculinidade diretamente associada ao sistema capitalista. No Brasil, Nolasco (1995, p. 50) defende que o trabalho apresenta- se como ambíguo na construção da masculinidade: ao mesmo tempo que a constrói, a fragiliza.

O trabalho e o desempenho sexual funcionam como as principais referências para a construção do modelo de comportamento dos homens. Desde cedo, os meninos crescem assimilando a idéia de que, com o trabalho, serão reconhecidos como homens.

Esse autor afirma que o trabalho se coloca na linha divisória entre a vida pública e a privada, definindo-a. O trabalho propicia a saída dos homens do seio da família viabilizando a independência e o capitalismo procura convencê-los de que tal

atividade fará com que atendam às exigências do modelo de masculinidade vigente. Nesse aspecto, vale a pena investir no estudo também considerando a perspectiva de classe porque certamente os valores, modelos, imagens e experiências vividas por homens provenientes de diferentes camadas da população determinam formas de ver e viver a masculinidade igualmente distintas. A masculinidade para Kaufman (1999, p. 5, tradução nossa) “é uma questão de poder e controle, não ser poderoso significa não ser homem.” Portanto, para esse autor, muitas das significações que associamos à masculinidade se circunscrevem à capacidade de alguns homens exercerem poder e controle sobre outros homens, mulheres e crianças em diferentes espaços sociais. Como decorrência da incorporação das formas hegemônicas de masculinidade, os homens suprimem de suas possibilidades de experiência uma série de emoções e o prazer que envolve o cuidado com os outros, a empatia e a compaixão porque esses são sentimentos incompatíveis com o poder masculino. Esses seriam sentimentos próximos ou restritos à feminilidade e supostamente ausentes ou avessos à masculinidade.

Em síntese, com Kaufman (1999) é possível apreender que as masculinidades são fenômenos contraditórios porque ensejam não somente as características dos homens. É possível falar de uma feminilidade nos homens e de uma masculinidade nas mulheres e essa compreensão contempla a dinâmica do gênero. No entanto, isso pode não ter satisfeito completamente esses docentes que optaram por ocupar outros cargos nos quais a função “garantiria” sua masculinidade. Ou seja, talvez fosse mais cômodo não arriscar. Os novos cargos assumidos representavam algum poder e prestígio pelo caráter generificado das funções então ocupadas e definidas culturalmente como “masculinas”. Um deles na coordenação e o outro no setor financeiro.