CAPÍTULO II – ELEMENTOS DE DIREITO URBANÍSTICO
3.3. Características e finalidades
Sob a luz do princípio da função social da propriedade, a execução de
determinada obra pelo particular ou pelos agentes públicos não deve colocar em
risco outros valores ou garantias assegurados à coletividade. Determinados
projetos podem causar distúrbios para a vizinhança, tendo em vista o incômodo ou
os prejuízos sociais que decorrem de sua implantação, seja pela inadequação da
obra, seja pela sua inconveniência naquele momento específico.
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A construção de um presídio e meio a uma área residencial adensada pode ser
tomada como um fator a agravar a insegurança da população do entorno. Por
outro lado, obras públicas realizadas ao final de mandatos eletivos causam
transtornos à população, na medida em que são executadas simultaneamente,
causando prejuízos à mobilidade urbana e ao sossego dos munícipes e alterando
a rotina dos cidadãos que habitam, trabalham ou transitam na localidade. Da
mesma forma que a construção de estradas ou instalação de novas praças de
pedágio a desviar o tráfego rodoviário para dentro do espaço urbano de pequenas
cidades, congestionando as vias de trânsito local, são fontes causadoras de
impacto.
No campo da iniciativa privada, a construção de empreendimentos de determinado
porte, como shopping centers ou grandes edifícios comerciais é causa de
adensamento de tráfego, de aumento de circulação de pedestres, de necessidade
de aumento de oferta transporte coletivo, de redes pluviais mais eficientes, além
de melhoria dos equipamentos públicos do entorno.
O simples aparecimento de uma obra ou atividade pode gerar constrangimentos
ou distúrbios se construída em determinados locais ou se tiverem uma dimensão
considerável. Não só todos os serviços públicos prestados na região como
também os simples comportamentos daqueles que habitam nas proximidades
podem ser afetados pela tão-só construção de um empreendimento, ainda que em
conformidade com toda a legislação urbanística que disciplina a forma pela qual
ele deve ser levado a efeito.
83Neste sentido, o EIV tem um caráter preventivo, pois se presta a antever as
repercussões que determinado empreendimento vai gerar na região em que será
erigido, a fim de que o Poder Público, quando necessário, ordene medidas para
amenizar aqueles efeitos e manter o equilíbrio da vida da população.
8483 SOARES, Lucéia Martins, Estudo de Impacto de Vizinhança. In: DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio (coords.), Estatuto da Cidade (comentários à Lei Federal 10.257/2001), p.307.
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Para Celso Antonio Pacheco Fiorillo, o EIV ganha um sentido de harmonização:
“O EIV visa harmonizar a ordem econômica do capitalismo (artigo 1º, IV
e artigo 170 da CF) em face dos valores fundamentais ligados às
necessidades de brasileiros e estrangeiros residentes no país
justamente em decorrência do trinômio vida-trabalho-consumo”.
85Procurando sintetizar os conceitos, podemos afirmar que o EIV caracteriza-se
como instrumento que permite a tomada de medidas preventivas pelo poder
público, a fim de evitar o desequilíbrio no desenvolvimento urbano e garantir
condições adequadas de ocupação dos espaços habitáveis, objetivando a
proteção dos interesses difusos dos cidadãos. É um documento técnico que deve
ser elaborado previamente à emissão das licenças e autorizações administrativas
de construção, ampliação ou funcionamento de empreendimentos na área urbana.
Deve ser exigido tanto para obras públicas como para particulares, sendo que sua
exigência depende de regulamentação por lei municipal.
Quanto à finalidade, o EIV destina-se a medir o impacto dos novos
empreendimentos no espaço urbano e apontar modificações no projeto, seja este
público ou privado, com o intuito de eliminar ou minimizar os efeitos indesejáveis.
Com base neste Estudo, caberá à Administração impor a execução de
intervenções urbanísticas às expensas do interessado, para melhorar a
capacidade de infra-estrutura do bairro ou da região, pois não seria razoável
atribuir esse ônus ao conjunto da sociedade.
Embora seja tarefa do Município determinar quais os tipos de empreendimentos
ou atividades que estarão sujeitos ao Estudo, a proteção do bem estar social cabe
às entidades estatais – União, Estado-membro, Município - porque todas elas são
instituídas para a defesa dos interesses da comunidade. Fica, assim, o direito de
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construir sujeito à tríplice limitação administrativa, reclamada pelo bem-estar social
segundo a competência e atribuições institucionais de cada uma das esferas de
governo.
86A predominância dos interesses do Município justifica-se pelo interesse local,
sendo assim caracterizada toda a matéria que guarde uma ligação direta com as
necessidades e os interesses do Município, cuja repercussão recai na vida de
seus habitantes. Contudo, a mesma matéria pode ter influência nas esferas de
interesse da União ou do Estado-membro, justificando-se a intervenção destes
entes, inclusive na esfera judicial quando tal circunstância ocorrer.
A ordem urbanística, como já salientamos, deve ser defendida pelo Ministério
Público, no sentido de garantir o meio ambiente urbano de qualidade e exigir dos
Poderes Públicos a regulamentação dos institutos criados pelo Estatuto da
Cidade, dentre os quais o EIV. E a fundamentação dessa exigência, em nossa
visão, decorre do artigo 30, da Constituição Federal, que em seu inciso I
determina a competência do Município para legislar sobre assuntos de interesse
local, conjugado com o artigo 182, que determina ao Município a tarefa de
executar a política de desenvolvimento urbano com o objetivo de ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes.
Uma vez deixando de exercer esta competência e ocorrendo lesão ao patrimônio
público em virtude dessa omissão, seja ela dolosa ou culposa, a chamada Lei de
Improbidade Administrativa garante a responsabilização do agente público com
integral ressarcimento do dano (artigo 5º da Lei nº 8.249/92).
Por fim, é importante notar que o EIV não deve discutir impactos ou danos
ambientais, uma vez que estes devem ser analisados em outra espécie de estudo,
o EIA (Estudo de Impacto Ambiental), não havendo de se confundir os dois
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institutos. A propósito, o Estatuto da Cidade deixa claro, em seu artigo 38, que a
elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação do EIA previsto pela
legislação ambiental.
No documento
O Estudo de Impacto de Vizinhança à Luz do Estatuto da Cidade e das Normas de Direito Urbanístico
(páginas 75-79)