CAPÍTULO II – ELEMENTOS DE DIREITO URBANÍSTICO
3.7. O EIV, o Direito de Construir e o Direito de Vizinhança
O Direito Urbanístico, como ramo do direito público, não deve ser interpretado
como limitação do direito de construir, nem tampouco consideramos que o EIV
deva ser visto uma derivação do direito de vizinhança.
Em que pese a interface existente entre estes diferentes ramos da ciência jurídica,
o direito de construir e o direito de vizinhança são de ordem privada e disciplinam
a construção e seus efeitos nas relações com terceiros, enquanto o direito
urbanístico ordena o espaço urbano e as áreas rurais que nele interferem por meio
de imposições de ordem pública, expressas em normas de uso e ocupação do
solo, ou de proteção ambiental, ou enuncia regras estruturais e funcionais da
edificação urbana coletivamente considerada.
aprovação. (...) Assim, o referido dispositivo é genérico, conferindo aos Municípios a definição de quais tipos
de empreendimentos e atividades dependerão de Estudo de Impacto de Vizinhança, conforme ressaltou o
próprio assessor jurídico da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, em seu parecer (fls. 953-TA), bem como a
Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saneamento Urbano (fls. 86-TA).(...) Logo, se o Município de Belo
Horizonte não regulamentou o aludido artigo da Lei 10.257/01, a ausência da realização do Estudo de Impacto
de Vizinhança não conduz à conclusão de houve ilegalidade por parte da Prefeitura de Belo Horizonte ao
conceder a licença pleiteada.(...) Em sendo assim, não conheço o recurso principal”.
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Sob o aspecto do Direito Civil, a liberdade de construir é a regra. As restrições e
limitações ao direito de construir formam as exceções, e, assim sendo, só são
admitidas quando expressamente consignadas em lei ou regulamento. É o que se
infere do artigo 1.299 do Código Civil, segundo o qual “o proprietário pode levantar
em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os
regulamentos administrativos”.
Caio Mário da Silva Pereira assim comenta tal dispositivo legal:
“O proprietário tem o direito de levantar em seu terreno as construções
que lhe aprazam. É uma verdade tão comezinha que não haveria mister
enunciar-se. No entanto, a lei o proclama mais com o propósito de lhe
imprimir um condicionamento: a observância a regulamentos
administrativos que subordinam as edificações a exigências técnicas,
sanitárias e estéticas; e o respeito ao direito dos vizinhos, que não deve
ser violado pelas edificações”.
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Nesse dispositivo do Código Civil nota-se duas premissas fundamentais: a
proteção do direito dos vizinhos e o impedimento de erigir edificações
contrariamente aos regulamentos administrativos, consubstanciados em diplomas
legais especiais, editados pelo poder público competente, no que diz respeito à
segurança, forma, higiene e estrutura das edificações.
Hely Lopes Meirelles aborda o tema sob o seguinte enfoque:
“No poder de levantar em seu terreno as construções que entender está
consignada, para o proprietário, a regra da liberdade de construção; na
proibição do mau uso da propriedade está o limite dessa liberdade. A
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normalidade do direito de construir se traduz no respeito ao direito dos
vizinhos e às prescrições administrativas sobre construção”.
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Trata-se de limitação da liberdade de edificar, a qual se faz necessária a fim de
evitar conseqüências danosas à coletividade. Portanto a licença para construir, ou
mesmo para ampliar obra pré-existente, deve sim ficar condicionada à prévia
verificação do impacto que aquele empreendimento pode causar, conforme as
hipóteses estabelecidas por lei municipal.
Já o direito de vizinhança, instituto de direito privado e que, como vimos, não se
confunde com o direito urbanístico, encontra-se regulado pelo artigo 1.277 do
Código Civil, que por sua vez é parte da Seção I do Código, denominada “Do uso
anormal da propriedade”.
Segundo este artigo, aquele que sofre interferências da propriedade vizinha, a
ponto de prejudicar a segurança, a saúde ou o sossego tem o direito, pela via
judicial, de fazer cessar tais incômodos.
Um dos pontos de intersecção que se percebe entre o Direito Urbanístico e o
Direito Civil, é que tanto o Poder Público tem o direito de fazer cessar as
interferências pelo mau uso da propriedade, isto é, em virtude da desobediência
das normas de regulação urbanística ou das finalidades para a qual o imóvel foi
licenciado, como também o particular pode fazer uso desse direito se o uso
inadequado atentar contra a segurança, o sossego ou a saúde de quem habita o
imóvel vizinho.
Depois de concedida a licença, existe ainda a possibilidade de revisão, pela
Administração, com base nos pressupostos da anulação (quando se verifica vício
de legalidade no processo de licenciamento), revogação (que consiste em ato de
controle de mérito, ou seja, por motivo de interesse público que desaconselhe a
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realização da obra licenciada) e cassação (sempre que houver descumprimento
das exigências que deram origem à licença). Dentre as modalidades de revisão,
apenas a revogação gera obrigação de indenizar para o Poder Público, na
hipótese de prejuízos causados ao titular da licença revogada.
Em matéria ambiental, a Resolução Conama 237/97, em seu artigo 19
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, trata de
hipóteses em que a licença pode ser revista ou cancelada, em razão de violação
de normas legais, omissão de informações ou superveniência de graves riscos
ambientais e de saúde. E dentre as três hipóteses previstas na citada Resolução,
consideramos que apenas a última (superveniência de graves riscos ambientais e
de saúde) podem acarretar eventual direito de indenização, uma vez que as duas
primeiras situações decorrem de infrações no processo de licenciamento e,
portanto, não suscetíveis de reparação.
Por fim, nos casos em que o mau uso da propriedade atentar contra a segurança,
o sossego ou a saúde, o prejudicado poderá recorrer aos meios judiciais para
fazer cessar a interferência, dentro da esfera de proteção do direito privado.