CAPÍTULO II – ELEMENTOS DE DIREITO URBANÍSTICO
3.4. Natureza jurídica
Não há dúvida que o EIV insere-se no Direito Urbanístico como instrumento de
justiça social na ocupação dos espaços das cidades, possibilitando um melhor
planejamento urbanístico para as cidades. Em conjunto com os demais
instrumentos criados de política urbana criados pelo Estatuto da Cidade, como a
operação urbana consorciada, outorga onerosa do direito de construir, dentre
outros, o EIV destaca-se como importante ferramenta do Direito Urbanístico para
alcance das funções clássicas e elementares da urbs: habitação, trabalho,
circulação e diversão.
Mais do que um fator de limitação ou restrição ao direito de propriedade, o EIV
deriva de norma urbanística cuja utilidade dependerá da capacidade de identificar
os impactos negativos e positivos do empreendimento almejado, de tal modo a
possibilitar um diagnóstico preciso da situação e a busca de soluções para mitigar
os efeitos danosos e potencializar os aspectos favoráveis de cada projeto.
A propósito, José Afonso da Silva cita três diferentes grupos de normas
urbanísticas, dependendo do objeto a transformar: (a) Normas de sistematização
urbanística – que estruturam os instrumentos de organização dos espaços
habitáveis, e são pertinentes (1) ao planejamento urbanístico; (2) à ordenação do
solo em geral e de áreas de interesse especial; (b) Normas de intervenção
urbanística – que se referem à delimitação e limitações no direito de propriedade e
ao direito de construir; (c) Normas de controle urbanístico – que são aquelas
destinadas a reger a conduta dos indivíduos quanto ao uso do solo, como as que
80
estabelecem diretrizes de atividades urbanísticas dos particulares, as que regulam
a aprovação da urbanificação, a outorga de certificado ou certidão do uso do solo,
a licença para urbanificar ou para edificar.
87Concluímos, então, que o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) enquadra-se na
terceira modalidade - como norma de controle urbanístico - por se tratar de
requisito à expedição de licença ou autorização urbanística, nas hipóteses
definidas por lei municipal, sem deixar de contar, todavia, com características de
intervenção e sistematização.
Além disto, trata-se de um instituto que serve de complemento para outras leis e
regulamentos municipais destinados a organizar o território urbano, mas que já se
mostravam insuficientes para garantir o bem estar da população.
Com efeito, dada a competência exclusiva conferida aos Municípios pela
Constituição Federal para ordenar, planejar e controlar o território urbano (artigo
30, VIII), a organização das cidades baseou-se em leis de zoneamento e de uso e
ocupação do solo. Percebeu-se, todavia, que essa legislação não seria eficaz para
garantir qualidade de vida, bem-estar social e desenvolvimento sustentável das
cidades. Quando muito, tais regulamentos servem para determinar as atividades
humanas que podem ser exercidas em cada parte do espaço urbano; daí as
classificações de zonas de uso residencial, comercial, industrial, institucional ou
zonas mistas.
A divisão da cidade em zonas visa a atribuir a cada setor um uso específico,
compatível com a sua destinação. Porém, as cidades nem sempre nascem
planejadas, gerando bairros mistos e promíscuos em usos e atividades. Daí o
zoneamento superveniente, repartindo a área urbana em zonas residenciais,
81
comerciais, industriais e outras, com a indicação dos usos conformes,
desconformes e tolerados.
88A mera divisão da área urbana em usos certamente não seria suficiente para a
exata conformação das funções sociais de cada área de zoneamento, pois este
contempla as naturezas de uso, os coeficientes de edificação, as taxas de
ocupação, os recuos exigidos das construções, dentre outros fatores que
concorrem para dar completa e real identidade ou sentido à partição da cidade em
zonas.
Para Mariana Mencio, a incapacidade atribuída ao zoneamento de regular todos
os usos conflituosos de vizinhança, passou a ser resolvida pelo Estudo de Impacto
de Vizinhança. Segundo a autora:
“Os empreendimentos muitas vezes poderão comportar, mesmo
atendendo aos requisitos urbanísticos que propiciam a expedição de
licença de construir e a localização adequado em termos da Lei de
Zoneamento, profundos impactos nas regiões ao redor de onde estão
localizados, sobrecarregando o sistema viário, saturando a infra-
estrutura, drenagem, esgoto, energia elétrica e outros”.
89Como se vê, as leis de zoneamento e de uso e ocupação de solo não são
suficientes para garantir o controle efetivo da utilização dos espaços urbanos,
sendo incapazes de evitar, por seus próprios meios, o uso inadequado ou
incômodo da propriedade urbana.
Além do aspecto do planejamento, necessário para o desenvolvimento sustentável
tanto no núcleo das cidades como para os casos de expansão da malha urbana,
88 Ibid, p. 125.
89 MENCIO, Mariana, A Influência do Estudo de Impacto de Vizinhança na Expedição da Licença Urbanística para Construção de Empreendimentos ou Atividades com Efeitos Potencialmente Negativos sobre o Meio Ambiente Urbano” In: PIRES, Luis Manuel Fonseca, MENCIO, Mariana (coords).
Estudos de Direito Urbanístico I – Licenças Urbanísticas e questões polêmicas sobre as exigências da Lei de Parcelamento do Solo, p. 61.
82
entendemos o EIV como ferramenta substancial para o exercício de políticas
urbanas. Prova disto é que o Poder Público Municipal pode criar hipóteses de
exigência do Estudo mais abrangentes do que o previsto no próprio Estatuto da
Cidade.
Sob nosso enfoque, o EIV não é útil apenas para detectar se determinado
empreendimento é viável para o local pretendido. Temos que a sua finalidade é
muito mais abrangente, pois pode indicar quais as medidas necessárias, sob o
aspecto urbanístico, social e econômico para que o empreendimento ou atividade
que se pretende realizar se torne um elemento catalisador de vantagens para a
comunidade e seu entorno, sem prejudicar o próprio empreendedor, pois este, se
excessivamente onerado tenderá a desistir do projeto ou procurar outro local onde
as exigências sejam menos severas.
É neste contexto que compreendemos o EIV como um instrumento de execução
da política urbana, destinado a oferecer ao Poder Público os subsídios
indispensáveis para decisão sobre o licenciamento, ou não, de determinado
empreendimento ou atividade, pois, com as informações nele contidas, caberá ao
Administrador detectar as repercussões que determinados empreendimentos
podem gerar na região e, a partir de tal diagnóstico, elaborar medidas mitigadoras
do impacto, para manter ou melhorar a qualidade de vida da população de seu
entorno ou, caso isto não seja possível, denegar a licença urbanística.
No documento
O Estudo de Impacto de Vizinhança à Luz do Estatuto da Cidade e das Normas de Direito Urbanístico
(páginas 79-82)