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Os caracteres objetivos do belo

3.2 O pulchrum

3.2.3 Os caracteres objetivos do belo

As referências aos três caracteres do belo - proporção, integridade e clareza – aparecem em diferentes textos de São Tomás, nem sempre sistematizados ou citados ao mesmo tempo. Consideramos oportuno que apresentemos algumas das passagens em que São Tomás se refere diretamente a eles.

Em S. theol., I, q.5, a.4 ad 1, como já visto, São Tomás refere-se à proporção dizendo que o belo consiste “numa justa proporção, pois os sentidos se deleitam em coisas bem proporcionadas, como nas semelhantes a si, uma vez que o sentido, como toda faculdade cognitiva, é uma certa razão”.

218

(grifo nosso) Em I, q.91, a.3c, menciona outra vez a proporção, ao explicar que Deus constituiu o corpo humano convenientemente e também ao referir-se à “devida proporção entre o corpo e a alma e as suas operações”. Em II-II, q.142, a.4, São Tomás menciona a claritas (claridade ou esplendor) ao explicar que o vício da intemperança é o que “mais se opõe ao brilho e à beleza do homem, pois é nos prazeres, que constituem o objeto da intemperança, que menos aparece a luz da

215 DE BRUYNE, p.301.

216 ECO, 1988, p.36.

217 ECO, 1988, p.167.

218 Unde pulchrum in debita proportione consistit, quia sensus delectatur in rebus debite proportionatis, sicut in sibi similibus; nam et sensus ratio quaedam est, et omnis virtus cognoscitiva.

razão, donde vem toda a beleza e esplendor da virtude”.

219

(grifo nosso) Em II-II, q.145, a.2, são mencionadas a proporção e a clareza conjuntamente:

Como se deve deduzir das palavras de Dionísio, à razão de belo ou decoroso concorrem o brilho e a proporção devida. Segundo ele, Deus é belo como “causa da harmonia e do brilho do universo”. A beleza do corpo consiste, pois, em ter o homem membros bem proporcionados, com certo brilho harmonioso de cor. Do mesmo modo, a beleza espiritual consiste em ter o homem comportamento e atividade bem equilibrados pelo esplendor espiritual da razão.220. (grifo nosso)

Também em II-II, q.180, a.2 ad 3, são mencionados os caracteres de proporção e clareza:

Deve-se dizer que a beleza, consiste num certo esplendor e proporção devida. Ora, tanto um quanto outra encontram-se radicalmente na razão, à qual incumbe fazer brilhar a luz e ordenar à justa proporção das coisas. Eis por que, a beleza se encontra, por si mesma e essencialmente, na vida contemplativa, que consiste num ato da razão.

Assim, lê-se no livro da Sabedoria a respeito da contemplação da sabedoria: “Fiquei enamorado da sua formosura”. (grifo nosso).221

Em I, q,39, a.8, São Tomás menciona diretamente os três caracteres requeridos para a beleza: “Primeiro, a integridade ou perfeição: as coisas diminutas por isso mesmo são feias. Depois, as proporções requeridas, ou harmonia. Finalmente, o esplendor: as coisas que têm nitidez de cores, dizemos que são belas”.

222

(grifo nosso)

Em Sent., lib. 1, d.31, q.2, a.1, ao tratar de um atributo do Filho,

223

São Tomás diz que “à noção de beleza duas coisas concorrem, segundo Dionísio, a

219 Secundo, quia maxime repugnat eius claritati vel pulchritudini, inquantum scilicet in delectationibus circa quas est intemperantia, minus apparet de lumine rationis, ex qua est tota claritas et pulchritudo virtutis.

220 Respondeo dicendum quod, sicut accipi potest ex verbis Dionysii, IV cap. De div. nom., ad rationem pulchri, sive decori, concurrit et claritas et debita proportio, dicit enim quod Deus dicitur pulcher sicut universorum consonantiae et claritatis causa. Unde pulchritudo corporis in hoc consistit quod homo habeat membra corporis bene proportionata, cum quadam debiti coloris claritate. Et similiter pulchritudo spiritualis in hoc consistit quod conversatio hominis, sive actio eius, sit bene proportionata secundum spiritualem rationis claritatem.

221 Ad tertium dicendum quod pulchritudo, sicut supra dictum est, consistit in quadam claritate et debita proportione. Utrumque autem horum radicaliter in ratione invenitur, ad quam pertinet et lumen manifestans, et proportionem debitam in aliis ordinare.

222 Species autem, sive pulchritudo, habet similitudinem cum propriis filii. Nam ad pulchritudinem tria requiruntur. Primo quidem, integritas sive perfectio, quae enim diminuta sunt, hoc ipso turpia sunt. Et debita proportio sive consonantia. Et iterum claritas, unde quae habent colorem nitidum, pulchra esse dicuntur.

223 Trata-se aqui da doutrina católica sobre a Santíssima Trindade: “Há um só Deus e não pode haver mais que um. Em Deus há três pessoas divinas, iguais e realmente distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.” (Terceiro Catecismo da Doutrina Cristã, 1937, p.20). Diz também São

saber: consonância e clareza. É dito que Deus é causa de toda beleza enquanto é causa de consonância e clareza”.

224

(tradução e grifo nosso) Em seguida, é indicado o exemplo da beleza humana, que consiste nos “membros bem proporcionados e no esplendor da cor”. Uma terceira propriedade é ainda acrescentada, a magnitude, fazendo referência direta a Aristóteles. Explicitando este terceiro conceito, São Tomás utiliza novamente o exemplo da beleza do corpo humano, dizendo que “os homens pequenos podem ser considerados comensurados e formosos, mas não belos”. Assim, portanto, além da proporção das partes e do esplendor seria necessário também, para a beleza humana, um tamanho adequado ou, em outras palavras, uma magnitude conforme à natureza humana.

Em In De div. Nom., c.IV, l.5, por sua vez, São Tomás menciona, como já visto anteriormente, a claridade juntamente com a consonância: “Deus confere beleza às coisas, enquanto é causa de consonância e claridade em todas as coisas.”

Pode-se observar, portanto, que, ainda que nem sempre apareçam ao mesmo tempo e formulados da mesma maneira, conceitos como os de proporção, consonância, perfeição, integridade, esplendor etc. constantemente são mencionados por São Tomás como elementos inerentes àquilo que é chamado belo.

Tendo-se, pois, considerado, os apontamentos gerais a respeito das propriedades da beleza e de como aparecem nos textos de São Tomás de Aquino, convém esclarecer e analisar agora cada uma delas em particular.

Tomás, em Comp. theol., cap. XXXVI: “Deus é uno e simples. Mas é também Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, embora esses Três não sejam três deuses, mas um só Deus.”

224 Ad rationem autem pulchritudinis duo concurrunt, secundum Dionysium, scilicet consonantia et claritas. Dicit enim, quod Deus est causa omnis pulchritudinis inquantum est causa consonantiae et claritatis, sicut dicimus homines pulchros qui habent membra proportionata et splendentem colorem. His duobus addit tertium Philosophus ubi dicit, quod pulchritudo non est nisi in magno corpore; unde parvi homines possunt dici commensurati et formosi, sed non pulchri.