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Caracteres similares e dissimilares entre as matrizes de covariância

5. DISCUSSÃO

5.2 Caracteres similares e dissimilares entre as matrizes de covariância

Observei que um grupo de seis caracteres cranianos foram os que mais divergiram nas comparações entre os pares de espécies. Três caracteres estão associados a região do neurocrânio: BR-PT (bregma e ptérion), BA-OPI (básion e opístion) e APET-TS (região anterior petrosal do temporal e junção temporo-esfenoidal). Destes, APET-TS e BA-OPI, estão associados a subregião da base craniana; enquanto BR-PT está associado a subregião da abóbada craniana. Os outros três caracteres entre os mais divergentes estão associados a região da face: ZS-ZI (zigomaxilar superior e zigomaxilar inferior), ZI-ZYGO (zigomaxilar inferior e sutura zigo-temporal inferior) e MT-PNS (tuberosidade maxilar e espinho posterior

130 nasal). Os marcadores ZS-ZI e MT-PNS a subregião oral e ZI-ZYGO está associados a subregião zigomática. Entre os marcadores mais divergentes, dois deles (ZS-ZI e ZI-ZYGO) apresentaram o valor do coeficiente de variação claramente maiores (em média duas vezes maiores) do que a média desse mesmo coeficiente para todas as variáveis em cada espécie. Essa variação pode explicar a identificação dessas duas variáveis nas análises de SRD (Anexo 8.4).

BR-PT foi o caráter que apresentou a maior porcentagem de divergência entre as espécies. O bregma (marcador BR) é posicionado na sutura fronto-parietal, e juntamente com o PT, compõe um dos marcadores mais importantes no que se refere à anatomia e funcionalidade cranianas. Por ser um marcador anatômico que se localiza em uma região de encontro de diversos ossos, o PT pode ser extremamente plástico dentro de uma espécie ou até mesmo dentro de uma única população de espécies. Esse padrão foi evidenciado por Porto, (2009) em crânios de Homo sapiens. Esse autor observou que nesse grupo, o PT pode apresentar até quatro padrões diferentes de posicionamento relativo dos ossos frontais, parietais, esfenoidais e temporais. No grupo dos roedores sigmodontíneos o PT é marcado na região de encontro dos ossos parietais, frontais e temporais. Uma possível plasticidade no desenvolvimento do caráter BR-PT poderia ser uma explicação da maior divergência observada entre esses roedores, como observado para Homo (Porto, 2009). Contudo, a medida apresentou uma variação baixa em torno da média (menor que 10%), enquanto Homo apresentou um coeficiente de variação em torno de 40% para essa variável. Um outro fator qualitativo que reforça este resultado do SRD é que duas variações do encontro das suturas frontoparietais e frontoescamosais entre gêneros da tribo Oryzomyini (onde é

131 marcado o PT) foram descritas por Weksler (2006; figura 14), indicando que duas formas para essa região pode ocorrer na referida tribo da subfamília e em gêneros diferentes.

O segundo caráter mais dissimilar nas comparações par a par foi o BA-OPI, que representa o comprimento da abertura do foramem magnum. Esse padrão de divergência no BA-OPI também foi revelado em estudos envolvendo outros taxa de mamíferos (Marroig et al., 2011), como o roedor Calomys callosus (Garcia, 2010). Há evidências que relacionam o controle do desenvolvimento na região do basioccipital à genes associados ao desenvolvimento do esqueleto axial, em particular da articulação entre o crânio e o primeiro elemento deste esqueleto (Kessel et al., 1990; Skuntz et al., 2009). Dessa forma, é possível que esse caráter esteja mais geneticamente integrado ao esqueleto axial do que ao crânio propriamente dito e, dessa forma, apresentar-se mais dissimilar em relação a outros caracteres cranianos. Outra possibilidade é que a base desenvolve primeiro como suporte ao resto do crânio e com as modificações subsequentes no desenvolvimento da face e da abóboda, como no modelo do Palimpsesto (Hallgrímsson et al., 2009), o sinal de modularidade da base desaparece devido a sobreposição de modificações subsequentes tanto espacialmente como temporalmente.

Em relação a medida APET-TS, o APET se relaciona ao osso petrosal, que está localizado próximo aos órgãos da audição e do equilíbrio, e esse marcador ocorre entre os ossos basiesfenóide e basioccipital. O TS por sua vez está relacionado à sutura temporo- esfenoidal. O desenvolvimento e a expansão da bula timpânica pode apresentar variação entre espécies de sigmodontíneos de acordo com sua distribuição geográfica ou de hábitat (Abdala & Díaz, 2000). De maneira geral, mamíferos que habitam ambientes secos possuem

132 bulas maiores, em comparação aos que se distribuem em áreas húmidas (Vaughan et al., 2000). Além disso, a audição e olfato estão entre os sentidos mais importantes para os sigmodontíneos, uma vez que sinais químicos e auditivos são muito usados para a comunicação (Nowak, 1999; Poor, 2005). Estas particularidades funcionais e anatômicas discutidas acima poderiam influenciar a orientação das suturas relacionadas à esses marcadores indicando uma maior divergência entre as espécies. Infelizmente não foi possível compilar dados de distribuição e hábitat para todas as espécies da amostra, mas uma possível abordagem futura, caso esta informação esteja disponível na literatura, seria prever a priori dado a distribuição e hábitat das espécies se certos aspectos funcionais/anatômicos estariam relacionados a mudanças nos padrões de integração.

Os marcadores relacionados ao arco zigomático (ZS-ZI e ZI-ZYGO) também apresentaram variação evidente entre as espécies em termos das suas associações com os outros caracteres do crânio. Estes marcadores estão relacionados ao osso jugal, tanto anteriormente na região da maxila quanto posteriormente na região do temporal. Esse resultado de dissimilaridade dessas duas medidas pode ser devido, ao menos parcialmente, a própria variação do contato do osso jugal com as porções anteriores e posteriores do arco zigomático. Observei algumas variações intraespecíficas durante o processo de medição, porém seria necessário um teste para avaliar se houve tamanha interferência nos resultados. Em contrapartida, a variação do osso jugal e também do arco zigomático pode ser bem informativa entre gêneros de Sigmodontinae, apontando diferenças descritas entre gêneros e até mesmos espécies da subfamília Sigmodontinae. Como exemplo, Weksler (2006; figura 30) descreveu três formas (estados qualitativos de um caráter) desse osso

133 entre os táxons da tribo Oryzomyini e apontou essas diferenças entre Oryzomys palustris, Microryzomys altissimus e Microryzomys minutus. Mais ainda, na região do arco zigomático, junto com a mandíbula, encontra-se a inserção da musculatura mastigatória dos roedores, formada, principalmente, por um complexo de camadas do músculo masseter (Turnbull, 1970). A musculatura da mastigação de toda a ordem Rodentia estão entre as mais especializadas entre todos os mamíferos (Nowak, 1999, Cox & Jeffery, 2011) e os sigmodontíneos fazem parte de um grupo de roedores, a subordem Myomorpha, que detém uma das maiores expansões das camadas do masseter no crânio (Cox & Jeffery, 2011, Cox et al., 2012). A morfologia craniana e os músculos da mastigação permitem ao miomorfos uma alta perfomance na sua mordida e assim explorarem diversas formas de ítens alimentares, o que ajuda a explicar o grande sucesso evolutivo desse grupo. A posição e orientação desse complexo muscular no arco zigomático junto com a posição dos incisivos e molares podem contribuir de formas diferentes para a direção do movimento e para a força da mastigação; e dessa maneira, estar associado ao uso de diferentes recursos alimentares entre os táxons da subfamília (Rinker, 1954; Voss, 1988). Estas diferenças na alimentação entre estes rodeores podem então ser parte da causa das diferenças observadas nestes caracteres entre as matrizes aqui comparadas. Dentro de um contexto teórico mais geral isto levanta a hipótese de que seleção direcional causada pelas diferenças na dieta poderia ter sido a causa destas disrupções localizadas nestes caracteres do padrão geral de correlação entre os caracteres cranianos utilizados aqui.

A medida MT-PNS também foi frequentemente dissimilar entre as espécies. Ela mede basicamente a distância entre o último molar (MT) e a extremidade posterior (região

134 do basicrânio) do palato (PNS). A região do palato e molares está também associada ao processo de alimentação das espécies e possivelmente as modificações do aparato masticatório, como descrevi, são refletidas para essa medida. Ademais, a variação do comprimento do palato tem sido um argumento taxônomico muito comum para caracterizar espécies ou grupos de roedores sigmodontíneos (e.g. Hershkovitz, 1962; Thomas, 1906; Weksler, 2006), o que também sugere que a dissimilaridade comum dessa região entre os táxons de Sigmodontinae tenha raiz em modificações localizadas da estrutura geral de covariação.

De maneira geral, um conjunto de caracteres relacionados às subregiões oral e nasal foram os mais similares entre as comparações das matrizes de correlação e covariância. Embora haja uma alta diversidade ecológica e uma variedade de formas cranianas entre os roedores sigmodontíneos é possível observar um padrão anatômico das subregiões oral e nasal entre as espécies, padrão este que define a própria ordem Rodentia e envolve a região rostral (dois incisivos seguidos de um diástema e molares). Esses resultados apontam para a relevância do uso da ferramenta metodológica SRD em estudos de comparação de matrizes. Isto porque todos os caracteres identificados aqui como os mais divergentes parecem estar associados a interpretações qualitativas ou quantitativas destas diferenças que são até certo ponto intuitivas, apesar de serem interpretações exploratórias a posteriori.

Por meio dos métodos de comparação de matrizes foi possível afirmar a existência de alta similaridade estrutural entre as matrizes de correlação e covariância. Por sua vez, o método SRD permitiu verificar precisamente em quais caracteres cranianos essas

135 diferenças e semelhanças estão localizadas. Essa informação abre as possibilidades de testes futuros, a partir dos caracteres mais dissimilares, que podem nos auxiliar a entender quais caracteres estão mais suscetíveis, e se há um padrão, nas modifições entre as espécies. Por exemplo, entre os sigmodontíneos, existe uma associação entre esses caracteres e os de uso de habitat, locomoção ou dieta? Outra questão interessante seria entender se caracteres mais dissimilares estão associados às principais descrições qualitativas entre as espécies (ou gêneros) da subfamília. Essas questões merecem ser avaliadas em detalhe futuramente.