• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

3.3 Caracterização de obras lexicográficas

A Lexicografia, como mencionado, pode ser o estudo e o fazer dos dicionários. Apesar da aparência de catálogo lexical, pela forma de listagens em que as unidades lexicais de uma língua são registradas, o dicionário possui regras próprias de confecção. São textos metalinguísticos e assumem uma função didático-pedagógica, como afirma Dubois (1971), o objetivo dos dicionários é essencialmente pedagógico, pela propriedade e possibilidade de levar conhecimentos aos leitores sobre uma comunidade inteira, por meio de sua língua.

O dicionário de uma língua pretende propor uma descrição do léxico de uma determinada língua, assim, como atesta Vilela

A comunidade linguística codifica o seu saber acerca do mundo no seu dicionário de um modo prático, mas não reflete de modo total a língua, nem a própria realidade armazenada. Aliás, há outros testemunhos acerca do “arranjo” que a língua representa: a comunidade segmenta linguisticamente a realidade de acordo com os seus interesses religiosos, culturais econômicos etc. (VILELA,1995, p. 95).

O dicionário de uma língua, então, deve estar de acordo com as necessidades do usuário. Em razão disso, Vilela (1995) propõe que a definição lexicográfica deverá ser regida por algumas propriedades: i) a definição deverá estabelecer uma relação entre o geral

(gênero) e o individual (espécie); ii) a definição não poderá ser formulada negativamente, se for possível formulá-la positivamente; iii) a definição não poderá ser circular; iv) deverá apresentar uma correspondência gramatical entre a entrada e a paráfrase de definição; v) os elementos linguísticos usados na definição deverão ser mais frequentes do que o vocábulo definido.

Essas são regras gerais para elaboração de um dicionário, porém Villalva e Silvestre (2014) ressaltam que a descrição lexicográfica vai refletir os propósitos do lexicógrafo, como os métodos de compilação e os documentos disponíveis, ou seja, é um recorte condicionado pela perspectiva do autor. Os autores, por outro lado, reforçam que nenhum dicionário moderno ou antigo pode ser considerado como uma representação extensa e exata de um léxico, eles apresentam uma perspectiva subjetiva da língua e do léxico, num determinado período histórico, pois é possível afirmar que, a despeito do trabalho exaustivo, dificilmente se conseguirá reunir todas as palavras em uso de uma língua em um dicionário.

Nessa perspectiva, Bidermam (2001, p. 97) reforça a ideia de que “grandes monumentos lexicográficos de muitas línguas nada mais são que vastos repertórios vocabulares de um determinado estado da língua, pois um sistema aberto em expansão, como o léxico, não pode ser apreendido, nem descrito na totalidade”. O dicionário é, então, o conjunto de vocábulos de uma determinada língua ou, em outra instância, pode ser de termos próprios de uma ciência ou arte, que mantém as características de os termos virem dispostos em ordem alfabética e com o significado ou a descrição do termo (MACIEL, 2001, p. 42).

Como os dicionários podem ser elaborados com funções específicas, Maciel (2001) ressalta que há tipologias para os dicionários e apresenta três: dicionário de língua geral, dicionário especializado e dicionários técnicos.

O dicionário de língua geral ocupa-se em abarcar o léxico de uma língua, portanto tende a apresentar um inventário mais completo. Segundo o autor, esse dicionário apresenta uma realização mais ou menos padronizada da unidade lexical e procura abranger os possíveis usos e significados. Pode incluir as formas que as palavras podem assumir, assim como paradigmas morfológicos, campos semânticos, sinônimos e antônimos, dentre outros aspectos. Com as informações constantes desse dicionário, espera-se que o usuário/leitor possa ser capaz de empregar as palavras no sistema linguístico, utilizando-a eficientemente para exteriorizar os pensamentos no processo de comunicação.

Já o dicionário especializado centra-se em um recorte de um léxico da língua geral ou da linguagem de especialidade, e foca em vocábulos especiais usados em contextos particulares. Apesar de ser um recorte da língua geral, o dicionário especializado mantém as regras do dicionário geral para elaboração e produção. O que os distingue é a questão de limites do objeto, já que o dicionário especializado faz um recorte e seleciona um conjunto de palavras pelos mais diferentes critérios, por representar um repertório linguísticos utilizado por um autor, por um grupo sociodialetal, ou, ainda, por grupos de especialidades.

Por último, na proposição de Maciel (2001, p. 44), há os dicionários técnicos que podem, por sua vez, serem classificados em dois grandes grupos: dicionários lexicográficos e dicionários terminológicos. Nos lexicográficos, “o termo é um elemento linguístico de um vocabulário especializado que tem seu referente no universo real ou imaginário. A definição do dicionário técnico lexicográfico é uma explicação ou descrição do significado de um termo como um item lexical dentro do sistema linguístico”. Nos dicionários terminológicos, “o termo é um sistema de conceitos específicos”. A definição parte de um corpo de conhecimento e inclui expressões complexas na forma de sintagmas, siglas, abreviaturas, ou seja, elementos que reportem às ciências envolvidas ou nos ramos que se desejam inventariar no dicionário.

Os dicionários gerais de língua estão em constante alargamento em busca de abarcar os itens lexicais existentes, assim como para melhorar as informações e anotações sobre os itens. Apesar disso, Villalva e Silvestre (2014) alertam que os dicionários são instrumentos de consulta obrigatória, quando se deseja averiguar o uso e o significado de uma palavra. Os autores também advertem que os dicionários de língua contemporânea são importantes instrumentos de consulta e de trabalho, porém há que se proceder a uma leitura crítica dos dados oferecidos, isso porque, em alguns casos, apresentam repetições de informações de dicionários antigos.

As advertências dos autores são pertinentes, porém hoje os dicionários ainda são uma rica fonte de atestação das palavras. Mesmo com as repetições das informações de dicionários antigos, os contemporâneos apresentam um esforço de adaptação do vocábulo à atualidade, já que, em alguns casos, a grafia, os contextos de produção podem ser diferentes, assim como a palavra pode ter sido ressignificada, o que exigiria uma readaptação.

Em relação aos dicionários, os consulentes tendem a se comportar de formas diferentes, ou seja, procuram informações para suprir a necessidade de um momento, por isso, para a produção de um dicionário, há critérios pré-estabelecidos como o público-alvo a que se destina. Em razão disso, há os dicionários monolíngues, bilíngues ou multilíngues. “Os dicionários monolíngues são tipicamente concebidos para utilizadores nativos da língua em objeto. Nos dicionários bilíngues, distinguem-se uma língua de partida e uma língua de chegada”. (VILLALVA, SILVESTRE, 2014, p. 194).

Em relação aos dicionários monolíngues, Biderman (2001) atesta que

Existem vários tipos de dicionários monolíngues, os dicionários de língua, os dicionários analógicos (ou ideológicos), os dicionários temáticos ou especializados (de verbos e/ou regência verbas, de sinônimos e antônimos) os dicionários etimológicos, os dicionários históricos, os dicionários terminológicos das diferentes áreas do conhecimento. (BIDERMAN, 2001, p. 131).

Por meio da afirmação da autora, é reforçado que os dicionários monolíngues são indispensáveis para consulentes que desejam esclarecimentos sobre itens de sua própria língua. Por outro lado, Dubois (1971) afirma que, para a consulta a outras línguas, parte-se para consultas a dicionários bilíngues ou plurilíngues, o que implica conhecimento pelo leitor seja de uma linguagem-fonte (tema) seja de uma linguagem-alvo (versão).

Em outro viés de análise sobre os dicionários, a apreciação quantitativa, os dicionários podem ser classificados com base no número de entradas, por exemplo, o Houaiss apresenta 442 mil verbetes, enquanto o mini Aurélio, cerca de 30 mil. Dubois (1971) afirma que os dicionários podem ser considerados extensivos, quando tendem a cobrir a totalidade dos itens lexicais de uma língua, de um dialeto ou léxico funcional de uma atividade técnica determinada; em contrapartida, há os considerados intensivos, quando se procede a uma escolha definida de itens. O objetivo é apresentar o maior número possível de informações, definições, desenvolvimento descritivo, histórico, entre outros.

Além do dicionário, como obras lexicográficas, há também o vocabulário e o glossário. Barbosa (2001) propõe a distinção entre vocabulário e glossário por critério quali- quantitativo. O vocabulário representa o universo do discurso; o glossário pretende representar o léxico de um único texto em sua especificidade A autora considera também que os dicionários estão no nível do sistema (língua, abstrata), todo o léxico é fonte do trabalho e

se tenta apresentar todas as acepções de um verbete, é o que se deseja; já os vocabulários, por outro lado, estão no nível da norma (fala do grupo, abstrata). O vocábulo é um recorte do sistema e o termo é uma unidade de trabalho relacionada a uma área de especialidade. Quanto às acepções, são todas mencionadas, porém considerando uma área de especialidade; e nos glossários, no nível da fala (individual, concreta), as palavras com significado específico são o foco do trabalho e, diferentemente do vocabulário, apresentam uma única acepção.

Fromm (2004), com base em Barbosa (2001), propõe um esquema acerca das tipologias, conforme Quadro 1.

Quadro 1: Tipologias de obras lexicográficas com base em Barbosa

Dicionário Vocabulário Glossário

Nível do sistema Nível da norma Nível da fala

Trabalha com todo o léxico disponível e o léxico virtual

Trabalha com conjuntos manifestados dentro de uma área de especialidade

Trabalha com conjuntos

manifestados em um determinado texto Unidade: lexema (significado abrangente; frequência regular) Unidade: vocábulos/termos (significado restrito; alta frequência) Unidade: palavras (significado específico; única aparição) Apresenta (teoricamente) todas as acepções de um mesmo verbete

Apresenta todas as acepções de um verbete dentro de uma área de especialidade

Apresenta uma única

acepção do verbete (dentro

de um contexto determinado) Perspectivas: diacrônica, diatópica, diafásica e diastrática Perspectivas: sincrônica e sinfásica Perspectivas: sincrônica, sintópica, sinstrática e sinfásica

Fonte: Barbosa, (2001, apud FROMM, 2004, p. 17)

Ainda com o propósito de estabelecer a distinção entre vocabulário e glossário, trazemos Krieger e Finatto (2004, p. 51), que afirmam que “glossário costuma ser definido como repertório de unidades lexicais de uma especialidade com suas respectivas definições ou outras especificações sobre seus sentidos. É composto sem pretensão de exaustividade”. Pode- se afirmar, então, que glossário pode ser considerado um repertório, a partir de uma determinada especificidade como, por exemplo, glossário de uma obra literária ou de um autor.

Com base nas questões sobre tipologias de obras lexicográficas, consideramos que o produto de nossa pesquisa, constitui-se como um vocabulário, uma vez que tratará do léxico indianista que reflete a produção alencariana, no que se refere aos romances da trilogia indianista. Outro aspecto relevante sobre as obras lexicográficas é a sua constituição. Esse assunto é tratado na seção seguinte.