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A tríade indianista de José de Alencar: O Guarani, Iracema e Ubirajara

CAPÍTULO 2 UNIVERSO DA PESQUISA: ASPECTOS HISTÓRICOS

2.2 A tríade indianista de José de Alencar: O Guarani, Iracema e Ubirajara

José de Alencar, com o propósito de retratar o índio brasileiro, escreveu, como se sabe, a tríade indianista: O Guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874). A Imagem 02 mostra, na sequência, capa e folha de rosto da primeira edição de Iracema; capa da primeira edição de O Guarani; e capa da terceira edição de Ubirajara.

Fonte: Disponível em: Capa Iracema: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2015/12/iracema- exemplar-da-1-edicao-do-livro-de-1865-vai-leilao-em-sp.html; Capa O Guarani:

https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Guarani; Capa Ubirajara: http://obuquineiro.com.br/produto/ubirajara- 3a-edicao/.Acesso em 09 maio 2018.

Durante o seu percurso de vida, acompanhando sua família, Alencar, em visita ao Ceará, reencanta-se pelos índios e pelo conhecimento que eles possuíam da terra, íntimos das plantas e dos animais silvestres (PROENÇA, 1969). Esse encantamento foi o primeiro sinal para que, mais tarde, Alencar desejasse retratar os indígenas em sua produção literária. Apesar de muito tempo transcorrido entre a publicação do primeiro romance, O Guarani, e do último,

Ubirajara, o conjunto remete à fundação, ainda que mítica, do Brasil.

Os três romances, embora o tema seja o mesmo, possuem características diferentes. Alencar mostrou seu forte poder de imaginação e pesquisa, transpondo para o terreno poético a “realidade indígena”. O indianismo ocupou uma parte de sua produção literária e, portanto, é possível perceber uma evolução na criação das obras indianistas. O autor buscou estabelecer, em cada romance, um tipo de relação entre os índios e o povo não índio. Em O

Guarani, o índio Peri convive no universo dos brancos; em Iracema, é o branco que vai

com os índios. Neste último romance, o índio é representado como “puro”, sem interferência de culturas. Essa análise pode ser ratificada em Abreu (2011) ao afirmar que

Ao compor um retrato idealizado do nativo, José de Alencar experimentou diferentes ângulos da temática indianista, já difundidos pela crítica do autor: em O Guarani, colocou o selvagem entre os portugueses; mais tarde, em

Iracema, um português entre os selvagens; e, por fim, em Ubirajara,

encontramos apenas índios entre os índios. (ABREU, 2011, p. 18).

Para Alencar, os índios seriam a melhor matéria para a epopeia nacional, assim sendo seria indispensável conhecer a língua indígena e reforça que é dessa fonte que deve beber o poeta brasileiro, pois ali encontraria o verdadeiro poema nacional. E reforça afirmando que o conhecimento da língua indígena é o melhor critério para a nacionalidade da literatura. “Ele nos dá não só o verdadeiro estilo, como as imagens poéticas do selvagem, os modos de seu pensamento, as tendências de seu espírito, e até as menores particularidades da sua vida”. (ALENCAR, 1865, p. 141).

Assim é possível perceber que Alencar usou os elementos da natureza e dos índios para tecer as cenas de ficção. Abreu chama a atenção para

a abertura dos enredos pelas chamadas “cenas da natureza”: a virgindade e pureza da heroína; a função guerreira dos heróis; os obstáculos ao enlace amoroso, o emprego da cor local” que, com maestria, aproveitou para o enredo de suas obras, adequando-os aos seus propósitos de nacionalidade. (ABREU, 2011, p. 21).

A busca pela nacionalidade inspirou Alencar a narrar o índio, que, para ele, seria o melhor representante de um brasileirismo na linguagem e na literatura idealizadas por ele. Santiago (1984) propõe uma análise para O Guarani, afirmando que é o que tem “a situação histórica mais próxima da nossa”, já sobre Ubirajara, o autor afirma que é “pré-cabralino”. E afirma que mostra um Alencar

com a determinação de se aprofundar mais e mais no conhecimento da cultura indígena, índio mesmo até o momento de sua pureza. À medida que passam os anos, sua visada se torna mais crítica e suas leituras dos cronistas do período colonial mais copiosas, enquanto o texto literário sai menos comprometido com os valores portugueses e mais engajado com as próprias descobertas nacionalistas. (SANTIAGO, 1984, p. 5-6).

Embora impregnado das tradições europeias e da tradição medieval, Alencar propunha uma linguagem e literatura brasileiras, Moraes Pinto (1995) analisa a tríade indianista afirmando que

ele retoma apenas, no contexto de seus romances, os costumes medievais, evidentes n'O Guarani, um pouco menos em Ubirajara e bastante secundários em Iracema. E isso revela ainda uma vez a preocupação de fixar as origens de nossa formação, embora estabelecendo correlações com o romantismo europeu que buscava as raízes da nacionalidade na Idade Média. (MORAES PINTO, 1995, p. 38).

Ao encontro do mencionado por Moraes Pinto, Meyer (1979, p. 186-186) analisou uma passagem do romance na qual compara Peri com um cavaleiro, "crede-me, Álvaro, é um cavaleiro português no corpo de um selvagem! Peri pode ser considerado uma versão indígena de um cavaleiro sem mancha e sem medo”. O índio Peri se submetia às mais perigosas situações para agradar a Ceci, como enfrentar uma onça e descer no precipício para apanhar um objeto perdido.

O Guarani é considerado a lenda de Tamandaré (o Noé indígena), pois a cena da

enchente e quase dizimação se repete com Peri e Ceci, sobreviventes que, a partir de então, dariam origem a uma nova raça que povoaria o Brasil, à similitude da passagem bíblica de Noé.

Proença (1969) menciona que Taunay já divulgara a repercussão de O Guarani, publicado em folhetim em 1857, no Diário do Rio de Janeiro, o que despertou o entusiasmo da sociedade carioca. Taunay considerou esse romance uma verdadeira novidade emocional, até então desconhecida pela cidade. Menciona também que o romance despertou entusiasmo principalmente dos “círculos femininos da sociedade fina e no seio da mocidade”. Enfatiza que o “Rio de Janeiro em peso lia O Guarani e seguia comovido e enlevados os amores de Ceci e Peri”. (PROENÇA, 1969, p. 231).

Contudo, a repercussão do romance não foi privilégio entre os cariocas. Chegava também a São Paulo muitos dias depois, em razão do processo de transporte lento. Porém, ao chegar à capital paulista, os estudantes, embebidos de euforia e envolvimento, reuniam-se em repúblicas para ouvirem da voz alta de algum estudante assinante do Diário do Rio de Janeiro os capítulos da história do casal Peri e Ceci (PROENÇA, 1969).

Ainda de acordo com a análise desse autor, O Guarani teve maior importância pela prosa poética do volume, em que se reponta um novo estilo e um novo ritmo, o que transforma Alencar em um dos três renovadores da linguagem literária no Brasil, ao lado de Mário de Andrade e Guimarães Rosa.

O Guarani foi publicado primeiro e sob grande notoriedade, porém Iracema foi o

romance que consagrou o autor. Em Iracema, não se pode conceber o indianismo simplificando-o a um gênero literário, mas trata de um novo estilo, sobretudo pela tentativa da fixação da imagem do Brasil. “Iracema, portanto, é tanto uma obra nitidamente universal, como o produto mais típico da nacionalidade e da autonomia de nossa literatura (RACHEL DE QUEIROZ, 1960, p. 60). Outros críticos reconhecem também a notoriedade de Iracema como Proença considera o romance um dos mais estudados pelos críticos e lido pelo povo.

Com um século de existência, estudado por quase todos os grandes críticos brasileiros, negado por uns poucos, louvado e querido pelo povo, Iracema ainda será matéria de muitas pesquisas, estudo obrigatório de muitas gerações literárias. E será lido com enlevo pelo povo, que nele encontrará o lirismo, o amor e o sofrimento que as almas simples procuram na literatura. Esse é o destino das obras intrinsecamente ligadas ao sentimento dos povos. E Iracema é um desses livros. (PROENÇA, 1969, p. 53).

Apesar dos elogios advindos de alguns críticos sobre os romances de Alencar, houve também ferrenhas críticas de alguns puristas como Pinheiro Chagas, porém Iracema foi o mais bem-sucedido projeto de independência linguística e literária do Brasil em relação aos colonizadores portugueses. José de Alencar classifica Iracema como “lenda”, a lenda do Ceará, por isso vislumbrou dramatizar a fundação da província do Ceará; transformando em símbolo da independência do país. Sobre isso, pode-se corroborar nas palavras de Castelo (1965) ao afirmar que

Admitimos mesmo que é excepcional, dentro da Literatura Brasileira, mas explicável dentro do nosso Romantismo, o sentimento pátrio-local ampliado em proporções universais. Ao demais, quando o seu extravasamento é enriquecido pelas dimensões estéticas de uma criação de grande superioridade poética. É o caso da transubstanciação de um anseio afetivo no poema lírico que é Iracema, pelo autor dado como “Lenda do Ceará”: muito mais lírico do que épica, os traços característicos que apresenta são a transbordante ternura, a saudade, o carinho, a abnegação e a renúncia, a dignidade, a altivez, a coragem, o desvelo heroico do homem e da mulher por um destino que se faz comum, o de dois povos que se unem, reduzidos ao instante inicial da formação da nacionalidade, entrevisto num espaço histórico afetivamente reduzido. Dessa maneira, a visão mais ampla das origens da própria nacionalidade deriva do sentimento íntimo local mais as

impressões indeléveis do viver brasileiros, limitados este ao âmbito da experiência da sensibilidade aguda, debaixo de poderosa sugestão de luz, cor, som e relevo, para uma exaltação constante dos sentidos. E ele jamais esqueceria esse perene canto de verdadeira alegria, entoado pela Natureza, para sopitar as vicissitudes da sua vida. (CASTELO, 1965, p. 280).

A criatividade e o desejo de Alencar ao retratar o índio não cessou com O Guarani e

Iracema. Completando a tríade indianista, o autor escreve Ubirajara, porém, como

mencionado, não narra a convivência entre brancos e índios, retrata, portanto, o índio puro, representante das selvas brasileiras, o herói romântico. É o índio entre os índios. Ubirajara se diferencia dos demais, já que não há a presença do homem branco entre eles. É o índio idealizado e símbolo da literatura nascente, que volta às origens em busca de uma nacionalidade. “É seu orgulho de descender de um povo, aparentemente bárbaro, mas em verdade, apenas em estado de pureza e autenticidade humanas”. (PROENÇA, 1969, p. 166).

O romance Ubirajara é narrado de acordo com os modelos da idealização romântica, porém valorizando a cultura brasileira por meio da representação da imagem do índio e de seus costumes. Alencar não se fixa no romance pelo romance, ele traz informações de cunho histórico e etnográfico, revelando o seu lado pesquisador dedicado à valorização do índio e da linguagem genuinamente brasileira (RAMOS, 2007).

Ainda há muito o que se falar sobre a tríade indianista de Alencar, tanto no que se refere ao estilo, como também ao enredo e vocabulário, porém encerramos neste ponto. A seguir, em consonância com os objetivos da tese, propomo-nos a trazer as questões teórico- linguísticas que embasam esta pesquisa.