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CAPÍTULO 3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

3.1 Léxico

Estudar o léxico de uma língua é uma forma de conhecer a história social de uma determinada comunidade. Para Abbade (2009, p. 144), as palavras estão unidas em uma cadeia e “formam um campo linguístico através de um campo conceitual e exprimem uma visão do mundo de acordo com a reconstituição que elas possibilitam”. Pode-se afirmar, então, que a língua revela a história de uma sociedade ou, neste caso, revela uma característica do autor José de Alencar, em um determinado conjunto de obras, as indianistas.

Estudar o léxico significa ir muito além do mero funcionamento da língua, significa adentrar na constituição e na organização de uma comunidade. O léxico é, então, um patrimônio cultural de uma língua e, como afirma Biderman (2001), é a soma de toda a experiência acumulada de uma sociedade e do acervo da sua cultura que perpassa por todas as idades. Assim, os membros dessa comunidade podem ser considerados “sujeitos-agentes” tanto no processo de reelaboração contínua do léxico, como no processo de perpetuação ou de exclusão desse léxico.

Ainda nesse sentido, Câmara Junior (1972, p. 266) afirma que a língua é um microcosmo da cultura. Para o autor, “tudo o que a cultura possui se expressa através da língua, mas também a língua em si mesma é um dado cultural, ao mesmo tempo em que a língua integra em si toda a cultura, ela deixa de ser esse fragmento para ascender à representação em miniatura de toda a cultura”.

Por estar intimamente relacionado com a representação da realidade, todo o saber elaborado por uma comunidade, cristaliza-se por meio do léxico que está em constante movimento de renovação, ou seja, novas palavras são criadas ou ressignificadas, enquanto outras entram em desuso pelos falantes. Essa renovação ocorre porque o sistema linguístico é considerado aberto; sendo assim, os falantes são responsáveis pela criação de novas palavras ou pela ressignificação das já existentes, por meio da atribuição de novos significados. Biderman (2001, p. 179) ressalta que, no processo de desenvolvimento característico de qualquer sociedade, “o léxico se expande, se altera e, às vezes, se contrai. As mudanças sociais e culturais acarretam alterações nos usos vocabulares”.

As alterações podem resultar no fato de que algumas unidades do léxico podem ser marginalizadas, ou seja, entrar em desuso ou desaparecer como, por exemplo, aquelas relacionadas a atividades que deixam de existir, como algumas profissões. Por outro lado, porém, coerente com o processo evolutivo da língua, outras unidades lexicais podem ser “ressuscitadas” com novas conotações. Ainda segundo Biderman (2001), o surgimento de novas significações de vocábulos já existentes ou a produção de novos é uma forma de enriquecer o léxico de uma língua.

Nesse sentido, pode-se ratificar em Antunes (2012) que

A constante expansão do léxico da língua se efetua pela criação de novas palavras (doleiro, internetês), pela incorporação de palavras de outras línguas (deletar, mouse, leiaute, tuitar, blogar), pela atribuição de novos sentidos a palavras já existentes (salvar, fonte, vírus), processos que costumam coexistir e deixar o léxico em um ininterrupto movimento de renovação. (ANTUNES, 2012, p. 31).

Apesar da dinamicidade da língua, a renovação lexical não ocorre de maneira desordenada, ou seja, não se parte do zero, como afirma Antunes (2012, p. 29) “isso não quer dizer que as palavras sejam destituídas de toda e qualquer estabilidade de significado ou que, em cada momento de interação, os sentidos sejam criados inteiramente ‘a partir de um estado cognitivo Zero’.” Complementa o autor, afirmando que “às palavras são associados significados básicos, que constituem a base para a derivação de outros significados, próximos, associados, afins”. (ANTUNES, 2012, p. 29).

É justamente por este caráter de instabilidade, de dinamicidade, de possibilidades múltiplas de criação e ressignificação é que a língua pode ser ajustada às necessidades dos

falantes sempre que necessário. Dessa forma, Biderman (1998, p. 91-92) afirma que “o léxico de uma língua constitui uma forma de registrar o conhecimento do universo. Ao darmos nomes aos referentes, o homem os classifica simultaneamente”.

Os estudos sincrônicos de uma língua, por meio do léxico, revelam as características de um povo no que se refere aos hábitos e, de maneira ampla, revela a cultura desse povo, como já mencionado. Já os estudos diacrônicos do léxico de uma comunidade revelam as mudanças naturais pelas quais esta comunidade passou. Nesse sentido, Fiorin (2001, p. 115) afirma que “o léxico de uma língua se forma na História de um povo” e Vilela complementa afirmando que o léxico é “parte da língua que primeiramente configura a realidade extralinguística e arquiva o saber linguístico duma comunidade” (VILELA, 1995, p. 6).

Isso implica dizer que o léxico é a identidade do homem, pois é pelo léxico que o pensamento se manifesta, ou seja, a própria existência do homem está relacionada com léxico. O léxico pode ser definido então como um conjunto de palavras que compõem uma língua, ou seja, “designa o conjunto de unidades que formam a língua de uma comunidade, de uma atividade humana, de um locutor, etc.” (DUBOIS, 2007, p. 364).

Os conceitos de alguns termos são relevantes nos estudos do léxico, portanto, ainda que sucintamente, são necessários esclarecimentos sobre os termos palavra, vocabulário,

lexema e lexia. Dubois (2007) estabelece uma oposição entre léxico e vocabulário, ao afirmar

que o léxico é reservado à língua e vocabulário ao discurso. Assim sendo, o vocabulário de um texto, por exemplo, pode ser considerado uma amostra do léxico de uma língua. Pode-se entender, então, que o léxico é o conjunto de unidades linguísticas básicas de uma língua e pode ser listado em ordem alfabética em dicionários, assim como o vocabulário também pode ser apresentado com as mesmas características de um dicionário, porém de uma amostra específica. Adotaremos, para esta tese, a perspectiva de Dubois (2007), de que vocabulário pode ser uma amostra específica com as mesmas características de um dicionário.

O vocabulário, no dizer de Pavel e Nolet (2002, p. 133), é o repertório monolíngue, bilíngue ou multilíngue de vocábulos organizados conforme critérios determinados, como palavras pertencentes a uma atividade específica ou de um determinado campo semântico, acompanhadas, normalmente, de definições com explicações sucintas.

A unidade-padrão de um vocabulário especializado é o vocábulo. Para Barbosa (2001, p. 40), vocábulo “tem um significado restrito e caracterizador de um universo de discurso (...),

assim o vocabulário deve armazenar elementos configurados de uma norma discursiva”. Assim, procede falar em vocabulário de um autor, ou vocabulário em um grupo de obras pertencentes à mesma classificação como as indianistas de Alencar.

Quando se trata de definir palavra, Vilela (1995, p. 97) afirma que palavra possui um valor ambíguo, o “que torna desaconselhável o seu uso num discurso especializado. Em razão disso, prefere a utilização do termo unidade ou item lexical para nomear unidades consideradas semanticamente plenas e registradas no léxico de uma língua, como os verbos e substantivos. Essas unidades, segundo o autor, têm potencialidades de se combinarem entre elas ou com os afixos para formarem outras unidades e, nas relações entre elas, formar os sintagmas.

Apesar de o conceito de palavra ser impreciso, em razão de ter sentido amplo, alguns serão apresentados. Para Rey-Debove (1984), palavra pode ser formada por um só morfema, como mar; ou de vários, como declaração. Completando esse conceito, Azeredo (2004) explica que palavra é uma unidade geral a que corresponde o significado essencial. Vilela (1979, p. 19) amplia o conceito de palavra ao afirmar que a palavra “resulta da análise do sintagma mínimo, é uma entidade significativa solta, não extensa, embora frequentemente ainda analisável noutras entidades menores simultâneas”. Ainda é possível analisar o vocábulo palavra de outras perspectivas como na análise morfológica ou fonológica, contudo, para fins desta tese, cabe-nos o conceito de que a palavra é uma entidade significativa.

A fim de evitar um possível problema de ambiguidade em relação ao termo palavra, Dubois (2007, p. 360), utiliza o termo lexema para definir a unidade de base do léxico, uma vez que, para o autor, “de um modo geral, o emprego do termo “lexema” permite evitar uma ambiguidade do termo ‘palavra’. É embaraçoso ter que dizer que cantando é uma forma da palavra cantar, como o exige a gramática tradicional”. O lexema é então o elemento da língua, ou seja, é a forma básica que possibilita as possíveis formas do discurso e todos os possíveis significados da palavra. Vilela (1979, p. 21) afirma que “o lexema é uma grandeza linguística real, de que dispõe a competência do falante/ouvinte, cujo alcance não é representável pelo uso, mas apenas pela reflexão”.

Em relação ao termo lexia, Rey-Debove (1984, p. 48) afirma que “lexia é a unidade significativa máxima”. O autor justifica esta afirmação dizendo que as lexias estão inseridas como unidades no código de nossa memória, porém não temos liberdade de mudá-las, por

isso as reproduzimos tais e quais. Pottier (1972) conceitua lexia como a unidade de comportamento léxico e é a unidade funcional significativa do discurso. O autor propõe que as lexias são classificadas em lexias simples, compostas, complexas e textuais. As lexias simples podem ser uma palavra como mesa, cama; já as lexias compostas podem ter duas ou várias palavras e são resultados de uma integração semântica, como guarda-roupa, pé-de-

moleque; as lexias complexas são sequências de unidades consideradas como sequências

cristalizadas pela língua e grafadas como uma unidade e correspondem a um único referente no plano da língua, como guerra de nervos; já as lexias textuais ocorrem quando uma lexia complexa alcança o nível de um enunciado de texto, como os provérbios ou adivinhações, por exemplo.

Sobre a classificação das lexias, Borba (2003, p.22, 23-24) também aponta que há lexias simples e complexas. Assim, as lexias simples são “formadas por uma única forma livre [cara, porto, vento] e complexas as que combinam mais de uma forma livre [porta-luvas, mal-mequer, joão de barro] ou uma forma livre e uma ou mais de uma forma presa [desconsolo, incontrolável]”. O autor ainda complementa com a definição para palavras compostas que, segundo ele,

Para as palavras compostas ou simplesmente compostos, têm sido propostas análises ao nível da morfologia derivacional. São itens lexicais complexos formados por justaposição de formas livres, cuja integridade fonética permite que sejam grafados com ou sem hífen, com ou sem espaço em branco: pé-de-cabra, bem-te-vi, sempre-viva, casa de saúde, casa da sogra, girassol, passatempo, varapau. (BORBA, 2003, p. 23-24).

Como já mencionado, a conceituação de vocábulos e suas especificidades é um procedimento conflituoso, porém estabelecer o recorte utilizado é essencial para situar o aporte teórico no qual se embasa esta pesquisa. Ressaltamos que, neste estudo, em razão de tratarmos acerca do léxico de Alencar, utilizamos unidade lexical ou item lexical na perspectiva de Vilela e vocábulo, na perspectiva de Barbosa, como sinônimos. A seguir, traçaremos apontamentos sobre Lexicologia e Lexicografia.