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4. O DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO COMO CATEGORIA

4.4. Caracterização dos direitos individuais homogêneos

Consoante parte da doutrina, a transindividualidade do direito individual homogêneo é meramente artificial se comparada aos direitos difusos ou coletivos em sentido estrito, cuja transindividualidade é real. Para esta conclusão, a doutrina baseia-se no fato de que na origem os direitos seriam divisíveis, bem como determináveis os sujeitos. Além disso, a reparabilidade seria direta.

Nesse sentido, a síntese elaborada por Pedro Lenza para caracterizar

os direitos transindividuais: a) difusos – a transindividualidade é real ou essencial

ampla; há indeterminação dos sujeitos; a indivisibilidade é ampla; são indisponíveis; há um vínculo meramente fático a unir os sujeitos; não há unanimidade social; a organização é possível, mas sempre subotimal; e a reparabilidade é indireta; b)

coletivos em sentido estrito – a transindividualidade é essencial restrita; há

determinabilidade dos sujeitos; há divisibilidade externa e indivisibilidade interna; são coletivamente disponíveis e individualmente indisponíveis; há uma relação jurídica-base a unir os sujeitos; a unanimidade social é irrelevante; a organização-

ótima é viável; e a reparabilidade é indireta; c) individuais homogêneos – a

transindividualidade é artificial (ou legal) e instrumental; determinabilidade dos sujeitos; divisível; são disponíveis, quando a lei não disponha o contrário; núcleo comum de questões de direito ou de fato a unir os sujeitos; irrelevância da unanimidade social; organização-ótima viável e recomendável; e a reparabilidade é

direta, com recomposição pessoal dos bens lesados.532

530 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Op. cit., p. 33/34 e 38. 531 PIZZOL, Patrícia Miranda. Op. cit.

194 No mesmo sentido, o posicionamento de Ricardo de Barros Leonel ao tratar do direito individual homogêneo:

São características destes interesses: serem

determinados ou determináveis; serem essencialmente individuais; ser divisível o objeto tutelado; e surgirem em virtude de uma origem ou fato comum, ocasionando a lesão a todos os interessados a título

individual.533

Nessa perspectiva, os direitos individuais homogêneos seriam uma mera criação técnico-jurídica a possibilitar a proteção coletiva para direitos

individuais subjetivos clássicos.534

Percebe-se, pois, que a caracterização exposta deixa transparecer a ideia de ser o direito individual homogêneo nada mais que uma somatória dos direitos individuais puros. Por isso, falar-se em transindividualidade artificial, divisibilidade do direito e identificação dos lesados.

Parece, todavia, ser possível estabelecer contornos distintos nessa caracterização. Para tanto, duas questões devem ser enfrentadas satisfatoriamente, são elas: quem sofre a lesão e qual a reparação que se busca no processo coletivo para defesa do direito individual homogêneo, enquanto espécie de direito transindividual.

Havendo um direito individual homogêneo, ou seja, aquele decorrente da origem comum, conforme a econômica definição legal, quem sofre a lesão não é apenas o indivíduo, mas a coletividade.

533 LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 108.

534 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo: superação da summa divisio direito

público e direito privado por uma nova summa divisio constitucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey,

195 Observe-se, o mesmo fenômeno ocorre no direito difuso e no direito coletivo em sentido estrito. Ou seja, além da sociedade (entenda-se sociedade também como sinônimo de grupo ou classe), o indivíduo também é lesado. Todavia, nem por isso, afirma-se que estes direitos não sejam essencialmente transindividuais, mas justamente o inverso.

De fato, havendo uma lesão, como aquela descrita no artigo 81, parágrafo único, III, do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, a ocorrência de apenas um fato (origem comum) a gerar diversas pretensões, os prejudicados exclusivos não são tão somente os eventuais lesados, mas a sociedade como um tudo – ainda que existam pessoas não inseridas no grupo dos lesados –, cujo desejo se constitui na eliminação/reconhecimento da conduta lesiva (o fato gerador da origem comum).

Tanto isso é verdade que ao se propor uma ação civil pública para proteção de direito individual homogêneo não se investiga quem sejam os prejudicados, mas simplesmente a existência do fato comum.

Essa assertiva é confirmada pela doutrina e pelo direito em vigor (artigos 95 e 97 do Código de Defesa do Consumidor), ao menos por duas razões: a) a sentença prolatada apenas reconhece a responsabilidade pelos danos causados; e b) o dano individualmente sofrido será apurado em momento posterior, isto é, na

competente e devida liquidação.535

No ponto, assim se manifesta Ada Pellegrini Grinover, ao afirmar que o objeto litigioso é tratado de forma indivisível:

Isso significa, no campo do Direito Processual, que, antes das liquidações e execuções individuais [...], o bem jurídico objeto da tutela ainda é tratado de forma indivisível, aplicando-se a toda coletividade de maneira

196

uniforme, a sentença de procedência ou

improcedência.536

Portanto, o que efetivamente se protege nesta hipótese é o direito individual homogêneo considerado em si mesmo e apenas reflexamente o direito individual puro. Há, é verdade, a possibilidade de nenhum prejudicado com o fato vir a juízo e pleitear, com base na sentença coletiva, a sua reparação individual. Ocorrendo esta situação, pode-se afirmar que o direito individual puro não foi efetivamente protegido, pois a reparação foi inexistente, mas o direito individual homogêneo o foi.

A propósito, explica Luiz Antonio Rizzatto Nunes que, não obstante a origem comum, a identidade de danos não é imprescindível, in verbis:

Apesar disso – isto é, apesar de ser origem comum –

não se exige, nem se poderia exigir, que cada um dos indivíduos atingidos na relação padeçam do mesmo mal. Aliás, não só o aspecto do dano individualmente considerado será oportunamente apurado em liquidação de sentença, como o fato de serem tais danos diversos em nada afeta a Ação Coletiva de proteção e apuração dos danos ligados aos Direitos

Individuas Homogêneos.537

Ao se propor uma ação para proteger direito individual homogêneo duas reparações são formuladas: uma próxima e outra remota. Aquela, é a reparação ao próprio direito individual homogêneo que se contenta com o reconhecimento da conduta lesiva globalmente considerada; a remota, é a reparação para cada indivíduo. Afirma-se remota, pois aqui não mais se terá um processo coletivo, mas individual, no qual vigora o direito de demandar do indivíduo.

536 GRINOVER, Ada Pellegrini; e outros. Op. cit., p. 783. 537 RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Op. cit., p. 92.

197 Essa conclusão também é confirmada pelo fato de que não havendo habilitação de interessados ou havendo habilitação incompatível com a lesão, o autor ideológico promoverá a reparação fluida (artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor) e esta não consistirá na mera soma das possíveis indenizações individuais.

Aliás, afirma-se não ter sido conferida ao Ministério Público legitimidade para liquidar o direito reconhecido na sentença em nome das vítimas, o que é correto, pois neste caso não há um vero processo coletivo, mas mera

representação processual.538 Em se tratando, porém, da reparação fluida o Ministério

Público terá legitimidade, mesmo dever funcional para liquidar539, porquanto nesta

hipótese haverá uma verdadeira liquidação coletiva, típico processo coletivo.

Portanto, tudo conspira a favor de se pensar o direito individual homogêneo de forma autônoma ao direito individual puro.

Por esse contexto, observa-se ainda que a reparação individual é perseguida. Entretanto, o que realmente se pretende proteger na ação em que se discute direito individual homogêneo é a sociedade que como entidade global foi lesada, porquanto a reparação é pleiteada de forma meramente global, na sua dimensão social e, por isso, genérica.

Não por outra razão, a doutrina afirma que o direito individual homogêneo de per si é um direito indisponível. Nesse sentido, a opinião de Pedro Lenza quando admite ser incompatível a transação, ao afirmar não ser possível

qualquer “disposição do direito material”.540

538 GRINOVER, Ada Pelegrini; e outros. Op. cit., p. 787.

539 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 1347. 540 LENZA, Pedro. Op. cit., p. 85/86.

198 Considere-se ainda, conforme Antonio Gidi, que a homogeneidade é

um conceito relacional, haja vista a origem comum.541 Todavia, uma vez verificada a

relação entre um e outro direito individual puro, nasce um novo direito, um direito transindividual, que em nada se confunde com aquele, pois os direitos individuais puros não serão deduzidos em juízo pelo autor ideológico, inclusive por faltar legitimidade, mas sim a lesão coletiva, ou seja, o direito individual homogêneo nascido da lesão descrita.

Portanto, o direito individual homogêneo, considerado de forma autônoma, possui transindividualidade real, haja vista a sua dimensão social e coletiva; o bem tutelado (ressarcimento dos danos causados) é indivisível; é indisponível, pois o autor ideológico não pode transacioná-lo (admite-se transação formal: prazos, modo de cumprimento etc.); e a reparabilidade é indireta, inclusive

na hipótese do art. 100.542