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1. DIREITO E (EM) TRANSFORMAÇÃO

1.4. Os “novos” direitos

Ressalta André Franco Montoro no prefácio da 21ª edição da sua consagrada Introdução à ciência do Direito:

54 REALE, Miguel. Filosofia do direito. Volume I. 2ª edição revista e aumentada. São Paulo: Saraiva, 1957, p. 229.

36 A dinâmica da vida econômica e social e as transformações que se operam especialmente no campo de novas tecnologias fazem surgir novas realidades e situações que repercutem sobre as pessoas e suas relações. Essas situações geram novos problemas e a

necessidade da formulação de novos direitos.55

O próprio Montoro relaciona, sem prejuízo de outros, quais seriam esses novos direitos: direito ao ambiente sadio; direito ao trabalho; direitos do

consumidor; direito de participação; e direito ao desenvolvimento.56

A Organização das Nações Unidas, em 4 de dezembro de 1986, aprovou a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, cujo artigo 1º tem a seguinte redação:

O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.

Sobre o direito de participação, a Declaração Universal dos Direitos do Homem no seu artigo 21, item 1, dispõe:

Todo o homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

55 MONTORO, André Franco. Op. cit., p. 27. 56 MONTORO, André Franco. Op. cit., p. 27.

37 Apenas para recordar, o direito de sufrágio, que no caso brasileiro é concedido a todos os nacionais, independentemente do nascimento ou das suas

condições econômicas ou culturais, nem sempre teve esse caráter universal.57 Assim,

na Constituição de 1824 (artigo 94, I) havia voto censitário, ou seja, aquele

dependente do preenchimento de certas condições econômicas.58 A Constituição de

1934 (artigo 108, parágrafo único, “c”), por sua vez, excluía expressamente os

mendigos do processo eleitoral.59

Ainda em relação ao surgimento dos novos direitos e sua simetria com a nova realidade social, confira-se o intenso debate verificado no Brasil e no mundo acerca dos direitos dos homossexuais.

A primeira notícia sobre a homossexualidade vem de Esparta,

Grécia.60 Parece certo, contudo, que homossexuais sempre existiram. Também é

certo que eles sempre foram marginalizados, implícita ou explicitamente. Ainda hoje, a depender do ambiente social no qual homossexual transite, ele sofrerá discriminações, tudo como se fosse um ser humano menor.

No Judiciário, o tema já foi por diversas vezes suscitado, sendo emblemático o Recurso Especial nº 148.897-MG. Neste recurso, o Ministro Asfor Rocha assim se manifestou:

Creio ser chegada a hora de os Tribunais se manifestarem sobre essa união, pelo menos nos seus efeitos patrimoniais, uma vez que não podemos deixar de reconhecer a frequência com que elas se formam,

57 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19ª edição. São Paulo: Atlas, 2006, p. 209. 58 Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa Parochial. Exceptuam-se I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego.

59 Art. 108. São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei. Parágrafo único - Não se podem alistar eleitores: c) os mendigos.

60 Para um estudo detalhado, ver, além de outros: Maria Amália Soler Moreno. Direitos do

homossexual quando do falecimento do companheiro. Dissertação de mestrado, sob a orientação do

38 por isso mesmo que tenho como de bom alvitre

sinalizarmos para a sociedade brasileira – e

especialmente para os que vivem em vida semelhante à

que tiveram recorrente e recorrido – quais os direitos

que possam ser decorrentes dessa sociedade de fato.

Ao comentar essa decisão, acrescenta Dagma Paulino dos Reis:

Podemos afirmar, com segurança, que já passou da hora de também se manifestarem sobre as questões de ordem

familiar (como alimentos, sucessão, pensão

previdenciária), decorrentes desta união, que não pode mais ser marginalizada, e é papel da jurisprudência

despertar o legislador, quase sempre adormecido.61

O Supremo Tribunal Federal parece ter enfrentado o tema de forma definitiva na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 178-DF ao reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Além disso, decidiu que os direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Trata-se de decisão relevante, porquanto tradicionalmente a noção de família está ligada tão somente à união de pessoas de sexos diferentes e, mais recentemente, também com a ideia de comunidade formada por qualquer dos pais e seus dependentes, nos termos do artigo 226 e parágrafos, da Constituição Federal.

61 REIS, Dagma Paulino dos. Homossexualismo e a discriminação no direito e na vida social e

39

Na prática, sem prejuízos das críticas possíveis à postura adotada62, a

decisão do Supremo Tribunal Federal, além do reconhecimento do direito patrimonial, alarga o conceito de família para conferir aos homossexuais direitos subjetivos que outrora somente eram reconhecidos aos casais heterossexuais: adoção, pensão previdenciária etc.

Outros direitos ainda deverão surgir e outros após esses surgirão, porquanto a sociedade não é estática e se transforma ao longo do tempo e, nesse sentido, o direito, como regulador do comportamento social, não pode ficar alheio e deve, pois, criar meios e mecanismos para tornar efetivos esses novos direitos.

Em outras palavras: a criação, a modificação e a extinção de direitos é algo absolutamente natural quando se parte da premissa de ser o direito uma ciência cultural, isto é, fruto da criação humana.