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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC – SP GEOCARLOS AUGUSTO CAVALCANTE DA SILVA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC

SP

GEOCARLOS AUGUSTO CAVALCANTE DA SILVA

DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS: ASPECTOS

MATERIAIS, PROCESSUAIS E SUA NATUREZA JURÍDICA

MESTRADO EM DIREITO

(2)

GEOCARLOS AUGUSTO CAVALCANTE DA SILVA

DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS: ASPECTOS

MATERIAIS, PROCESSUAIS E SUA NATUREZA JURÍDICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação da Professora Patrícia Miranda Pizzol.

MESTRADO EM DIREITO

(3)

FOLHA DE APROVAÇÃO

Geocarlos Augusto Cavalcante da Silva

Direitos individuais homogêneos: aspectos materiais, processuais e sua

natureza jurídica

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Direito.

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BANCA EXAMINADORA

Prof. (a) Dr. (a)_______________________________________

Instituição:_________________ Assinatura:_________________

Prof. (a) Dr. (a)_______________________________________

Instituição:_________________ Assinatura:_________________

Prof. (a) Dr. (a)_______________________________________

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Errar é humano, bem se sabe.

O que o senso comum em geral ignora é que errar,

além de humano, pode também ser científico.

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DEDICATÓRIA

(7)

AGRADECIMENTOS

Embora muitas vezes possa parecer, nenhum trabalho, manual ou intelectual, é resultado de uma atividade solitária. É, antes de tudo, fruto do tempo, das circunstâncias e da influência das pessoas no meio em que o autor acha-se inserido. Nessa perspectiva, há muito a quem agradecer. Por certo, alguns serão esquecidos, mas nas suas imensas bondades compreenderão essa falha.

Primeiro, agradecemos a Deus, que nos concedeu a dádiva da vida e nos forneceu a capacidade de superar os obstáculos para chegar aonde chegamos.

Agradecemos à nossa orientadora, Patrícia Miranda Pizzol, por ter compartilhado o seu tempo e seu conhecimento não medindo esforços para que o trabalho chegasse ao seu termo. Muito obrigado.

Também agradecemos ao Professor Nelson Nery Junior pelas sugestões fornecidas na banca de qualificação. Quem dera houvesse mais professores desse calibre no Brasil.

À Professora Regina Vera Villas Bôas um agradecimento especial pela forma como cuidou do trabalho à época da qualificação. Suas sugestões de leitura foram integralmente acolhidas.

Não poderia deixar de agradecer aos demais professores do mestrado, pois de uma forma e outra este trabalho é também fruto dos debates em aula: Antônio Carlos da Ponte, Eduardo Luiz Michelan Campana, Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, Marcelo Gomes Sodré e Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi.

(8)

Tiago Correia da Silva. Invariavelmente, cada um forneceu sugestões ao trabalho, muitas vezes sem saber que estavam sugerindo.

Agradecemos aos estagiários Caio Motta Mello Locci, Fernanda Timosencho Lima, Mariana Ramalho Cunha, Tiago Castro e Yasmine Silva Oliveira por facilitarem a operacionalização do trabalho.

Agradecemos aos bibliotecários pela ajuda com os livros e por estarem sempre à disposição: Carlos Eduardo da Silva, Dhaiane Araujo Giuntini, Felipe Feitosa Cruz, Marialva B. Rodrigues e Raquel de Fátima Silva.

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo estudar a tutela jurisdicional coletiva no Brasil, com ênfase no direito individual homogêneo. Para tanto, investigam-se os aspectos legais de direito material coletivo no ordenamento jurídico brasileiro, tais como: a dicotomia interesse e direito; a titularidade dos direitos transindividuais; e as suas espécies. São também analisados os aspectos processuais do direito coletivo: competência, legitimidade, causa de pedir, pedido e coisa julgada, além da dinâmica da liquidação e da execução. Efetua-se ainda uma abordagem específica sobre o surgimento de novos direitos a partir da transformação da sociedade. Conclui que o direito individual homogêneo, espécie de direito transindividual caracterizado pela origem comum, não se confunde com o direito individual puro, sendo independente deste, constituindo-se em verdadeiro direito subjetivo autônomo.

(10)

ABSTRACT

This paper aims to address the collective right in Brazil, with emphasis on homogeneous individual rights. In order to achieve this purpose, it presents the legal structure of class action in Brazil, its substantive and procedural aspects: the dichotomy between interest and right; types of transindividual right, res judicata; standing; and other legal concepts. Moreover, it performs a specific analysis of the emergence of new rights from the transformation of society. It concludes that the homogeneous individual right, as a type of transindividual right characterized by a common origin, is not to be confused with pure individual right, being an autonomous subjective right.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...14

1. DIREITO E (EM) TRANSFORMAÇÃO...18

1.1.O direito como ciência cultural...18

1.2.Transformação do direito...23

1.3.Dos “velhos” direitos...27

1.4.Os “novos” direitos...35

1.5.Direito e mudança de paradigma...39

2. DIREITO MATERIAL COLETIVO...47

2.1.Uma nova ordem social...47

2.2.Interesses ou direitos...51

2.3.Fontes de direito transindividual...58

2.4.Do direito subjetivo...61

2.4.1. Noções de direito subjetivo...61

2.4.2. Direito subjetivo transindividual...64

2.5.Da titularidade dos direitos transindividuais...66

2.6.Dos bens transindividuais...74

2.7.Da tipologia legal dos direitos transindividuais...82

3. DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS...89

3.1. Do processo...89

3.1.1. Escorço sobre o processo...89

3.1.2. Do processo coletivo...92

3.1.3. Da autonomia do processo coletivo e suas subdivisões...95

3.2. Da competência...99

3.2.1. Noções de competência e jurisdição...99

3.2.2. Da competência no processo coletivo...104

3.2.3. A interpretação do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública...108

(12)

3.3.1. O conceito de parte...115

3.3.2. A legitimidade no processo individual...118

3.3.3. A legitimidade no processo coletivo...122

3.4. Da causa de pedir...129

3.4.1. Noções sobre a causa de pedir...129

3.4.2. Da causa de pedir no processo coletivo...133

3.5. O pedido no processo coletivo...134

3.6. Da coisa julgada...138

3.6.1. Da coisa julgada no processo individual...138

3.6.2. Da coisa julgada no processo coletivo...141

3.7. Da liquidação...146

3.7.1. Noções sobre a liquidação...146

3.7.2. Da liquidação no processo coletivo...149

3.7.3. Espécies de liquidação no processo coletivo...154

3.7.4. Da competência para liquidação...155

3.8. Da execução...158

3.8.1. Da execução. Noções gerais...158

3.8.2. A tutela executiva dos direitos transindividuais...162

4. O DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO COMO CATEGORIA AUTÔNOMA DE DIREITO SUBJETIVO...165

4.1.A tutela coletiva em outros países...165

4.1.1. O direito coletivo na Europa: Inglaterra e Itália...165

4.1.2. O direito coletivo na América Latina...168

4.1.3. A experiência dos Estados Unidos da América...173

4.2.Definição do que seja direito individual homogêneo: a doutrina majoritária...182

4.3.Litisconsórcio e direito individual homogêneo...188

4.4.Caracterização dos direitos individuais homogêneos...193

4.5.Autonomia do direito individual homogêneo...198

(13)

4.6.1. Aspecto cultural...202

4.6.2. Titularidade...205

4.6.3. Legitimidade do Ministério Público e da Defensoria Pública...206

4.6.4. A questão da competência para a liquidação e execução...209

4.6.5. O prazo prescricional...211

4.7.A autonomia do direito individual homogêneo e a jurisprudência...212

4.8.Rule 23: íntegra e tradução...217

CONCLUSÃO...229

(14)

INTRODUÇÃO

Tem razão Camões ao afirmar: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança, Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades”.

No seu soneto, o poeta português conseguiu traduzir em poucas palavras a realidade do mundo no qual o ser humano acha-se inserido. Basta um olhar para as coisas mais comezinhas para se constatar que elas não são iguais se comparadas com outrora. Além disso, é possível afirmar a incerteza de sua permanência no mundo que está por vir. Ou seja, o presente não é igual ao passado e será diferente do futuro.

A própria acumulação de conhecimento científico se alterou no tempo. Antes, era possível comprar algumas dezenas de livros, alocá-los em um determinado mobiliário e afirmar, quase que com absoluta certeza, conterem eles a síntese do conhecimento humano. Hoje, porém, com o advento da internet, é impossível efetuar uma afirmação semelhante, pois os livros não encerram todo o conhecimento da humanidade. Literalmente, este conhecimento se encontra nas nuvens, no denominado cloud computing.

As interações humanas mais óbvias também foram alteradas. O que acontece de um lado do planeta pode ser facilmente transmitido para o outro, em segundos, quase que instantaneamente.

O comércio de produtos e serviços nem de longe se assemelha ao comércio típico da Idade Média. Compra-se de tudo sem a necessidade de sair do conforto da residência.

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15

Hoje, a grande divisão direito público/direito privado não é suficiente para sintetizar toda a dogmática jurídica, na medida em que as relações humanas não estão circunscritas a uma realidade meramente pública ou privada. Há um conceito novo, o conceito de transindividualidade.

Engana-se quem acredita estarem as relações humanas adstritas às interações entre João e José. No mundo contemporâneo, elas continuam existindo, mas a cada dia crescem as interações transindividuais, desprezando-se o indivíduo na sua singularidade.

Sociedades empresárias quando desenvolvem seus produtos e serviços não o fazem tendo em vista um indivíduo específico, têm em mira um determinado grupo de pessoas e, deliberadamente, desprezam características próprias de cada indivíduo que, na sua singularidade, possam eventualmente prejudicar a comercialização desses mesmos produtos e serviços.

Nesse contexto, aos operadores do direito cabe investigar se há no sistema jurídico mecanismos capazes de fornecer respostas adequadas para esse novo tipo de sociedade.

É fato que a transindividualidade descrita não é algo inteiramente novo, porquanto mecanismos de proteção coletiva são encontrados no século IX. Todavia, também não é menos verdadeiro que somente nos anos 1970 os estudos jurídicos relacionados aos conflitos transindividuais ganharam força.

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16

O Código de Defesa do Consumidor estabelece três espécies de direitos transindividuais: os direitos difusos, os direitos coletivos em sentido estrito e os direitos individuais homogêneos.

As definições estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor são, portanto, o ponto de partida da presente dissertação, que terá como objeto exclusivo o direito individual homogêneo.

A escolha do direito individual homogêneo ocorreu em virtude de uma razão principal: a possibilidade de oferecer uma nova visão sobre a natureza deste direito.

A doutrina majoritária parece entender que não há, a rigor, um direito individual homogêneo. Este, na realidade se constitui em uma mera técnica para defesa de certos direitos individuais de forma coletiva.

Nesta dissertação, será sustentado que o direito individual homogêneo não é apenas uma mera técnica, mas um direito novo, direito coletivo, decorrente da transindividualidade das novas interações sociais.

A partir dessa ideia, pretende-se demonstrar que, ao se conceber o direito individual homogêneo como algo distinto do direito individual puro e não sendo ele apenas uma mera técnica processual, a sociedade restará melhor protegida.

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17

No segundo, que trata do direito material coletivo, será apresentada, com fundamento na teoria geral do direito, a sua estrutura no que diz respeito aos seguintes aspectos: a titularidade transindividual, os bens transindividuais e a sua tipologia legal, tendo como base o ordenamento jurídico brasileiro.

O terceiro capítulo é dedicado ao tema referente à proteção dos direitos transindividuais, momento no qual serão investigados os aspectos relacionados à sua defesa em juízo, ou seja, o direito processual coletivo.

O último capítulo é dedicado ao direito individual homogêneo propriamente dito, suas características, distinções em relação a outros direitos transindividuais, bem como aspectos pragmáticos relacionados à sua proteção: legitimidade, competência etc.

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CAPÍTULO 1

DIREITO E (EM) TRANSFORMAÇÃO

1.1. O direito como ciência cultural

É possível afirmar que o universo é composto de duas ordens complementares: uma é o mundo dado, isto é, a realidade natural posta de forma originária pela natureza, apresentando-se como ela simplesmente é; a outra é o construído, ou seja, a natureza alterada para a consecução de certos fins.1

O dado é o mundo físico que se apresenta em estado natural e que não exige a participação humana, seja de forma intencional, seja para o seu desenvolvimento.2 Exemplo de algo naturalisticamente dado é a gravidade teorizada por Isaac Newton. Nesta hipótese, o engenho do físico inglês consistiu em explicar a gravitação, porquanto ela sempre existiu. Newton não a criou e não a desenvolveu. Ele apenas descobriu na realidade aquilo que na realidade mesmo se continha. A gravidade foi simplesmente dada pela natureza.

O construído, por sua vez, é o termo empregado para indicar aquilo que se acrescenta à natureza, “através do conhecimento de suas leis visando a atingir determinado fim”.3 Pense-se em uma estátua, como sugere Miguel Reale. Na espécie,

não importa pensar o material ou o artista, mas o sentido ou o significado que a obra artística apresenta. Por esta razão afirma-se: não se explica o construído, como é possível fazer com o dado, mas se compreende na “integridade de seus sentidos ou de seus fins, segundo conexões determinadas valorativamente”.4

1 REALE, Miguel.

Lições preliminares de direito. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 23/25.

2 REALE, Miguel.

Op. cit., p. 24.

3 REALE, Miguel. Op. cit., p. 24.

4 REALE, Miguel. Filosofia do direito. Volume I. 2ª edição revista e aumentada. São Paulo: Saraiva,

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Partindo, pois, dessas duas realidades, André Franco Montoro leciona, com apoio em Dilthey, que existem duas espécies fundamentais5 de ciência: as ciências da natureza; e as ciências do espírito, também denominadas ciências humanas ou ciências culturais.6

As ciências da natureza têm por objeto o mundo físico, ou seja, o mundo dado. São ciências da natureza: a matemática e a física. As ciências culturais, por seu turno, têm por objeto “o mundo do pensamento, da cultura ou do espírito, considerado, no próprio homem ou na realidade histórica e social, produto das ações humanas”.7 Exemplos: o direito e a economia.

Não obstante seja possível visualizar de forma clara e objetiva o campo específico das ciências naturais e culturais, é importante não perder de vista que, como atitude crítica de captação da verdade, o espírito científico é sempre uno.8 Nesse sentido, afirma-se que embora a matemática e a física, por exemplo, não possam ser chamadas de ciências culturais, elas, como ciências que são, constituem bens culturais. Ou seja, fazem parte do patrimônio cultural, mas não são ciências culturais, porquanto o seu objeto se constitui naquilo que é dado pela natureza.9

De fato, conforme explica Miguel Reale, a partir da opinião de Simmel, a cultura “pode ser considerada um patrimônio de espiritualidade constituída pela espécie humana através do tempo”10,contendo “tudo aquilo que o

homem adicionou à natureza, afeiçoando-a às suas tendências fundamentais”.11

5 Afirmam-se fundamentais, pois conforme adverte o próprio Montoro, as “ciências físico

-matemáticas e as culturais não esgotam o quadro dos conhecimentos humanos. Em sentido amplo, além das ciências do „ser‟, existem ciências do „dever ser‟. Ao lado das ciências do simples „conhecer‟, existem ciências do „agir‟, ciências do „fazer‟, ciências „artísticas‟, ciências „técnicas‟, ciências „normativas‟ etc.”.Introdução à ciência do direito. 26ª edição revista e atualizada. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 91.

6 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 26ª edição revista e atualizada. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 90.

7 MONTORO, André Franco. Op. cit., p. 90. 8 REALE, Miguel.

Op. cit., p. 239.

9 REALE, Miguel.

Lições preliminares de direito. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 30.

10 REALE, Miguel. Filosofia do direito. Volume I. 2ª edição revista e aumentada. São Paulo: Saraiva,

1957, p. 238.

11 REALE, Miguel.

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Guy Rocher ao estudar o termo cultura anota que ele tem sua origem na Alemanha, passando a ser utilizado no fim do século XVIII e justamente para descrever a evolução do progresso dos conhecimentos, das artes, dos costumes, das instituições sociais.12 Apresenta ainda a seguinte definição de cultura:

Conjunto ligado de maneiras de pensar, de sentir e de agir mais ou menos formalizadas que, sendo apreendidas e partilhadas por uma pluralidade de pessoas, servem, duma maneira simultaneamente objectiva e simbólica, para organizar essas pessoas numa colectividade particular e distinta.13

A referida definição sociológica não destoa daquela apresentada por Miguel Reale:

A cultura é, pois, o complexo, rico e multifacetado reino da criação humana, de tudo aquilo que o homem consegue arrancar à fria seriação do natural e do mecânico, animando as coisas com um sentido e um significado, e realizando através da História a missão de dar valor aos fatos e de humanizar, por assim dizer, a Natureza.14

No ponto, Luis Recasens Siches afirma ser a cultura um patrimônio coletivo transmitido pela via social:

Siendo la cultura, em tanto que patrimonio social de um grupo, um conjunto de formas de conducta de toda classe, resulta que esa cultura viva, real y efectiva, constituye uma realidad dinâmica, consistente em el

12 ROCHER, Guy.

Sociologia geral. Volume I. 4ª edição. Tradução: Ana Ravara. Lisboa: Editorial

Presença, 1982, p. 186/187.

13 ROCHER, Guy. Op. cit., p. 198.

14 REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 2ª edição revista. São Paulo: Editora Revista dos

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revivir y em el modificar los objetos que figuran em esse caudal. Los objetos heredados son inertes, están cristalizados; pero los processos de pensarlos de re-actualizarlos, de re-vivirlos, de ponerlos en práctica uma y outra vez, esos procesos son realidades dinámicas, em lãs que, además de lo que haya de repetción, suele haber también innovaciones, em mayor o menor medida.15

Nestes termos, percebe-se que o direito é algo construído pelo gênio humano, não sendo pois um mero dado da natureza, mas, antes, uma herança coletiva. Logo, uma ciência cultural.

Pontes de Miranda, contudo, parece trilhar por caminho diverso ao afirmar que o fato jurídico seria da mesma natureza da estrutura dos fenômenos físicos e naturais, pois, segundo ele, afirmar que o direito é produto exclusivo do ser humano significa concluir que o homem ocupa a totalidade do espaço, quando na realidade é apenas parte do meio da série animal. Logo, o direito seria uma ciência natural.16

15 SICHES, Luis Recasens. Tratado general de filosofia del derecho. 4ª edição. México: Editorial

Porrua S.A., 1970, p. 108. Tradução livre: Sendo a cultura, como patrimônio social de um grupo, um conjunto de formas de conduta de toda a classe, resulta que essa cultura viva, real e efetiva, constitui uma realidade dinâmica, consistente em reviver e em modificar os objetos que figuram nesse caudal. Os objetos herdados são inertes, estão cristalizados; porém os processos de repensá-los, de reatualizá-los, de revivê-reatualizá-los, de colocá-los em prática uma e outra vez, aqueles processos são realidades dinâmicas, em que, ademais no que há de repetição, geralmente há também inovações, em maior ou menor medida.

16Afirma Pontes de Miranda: “Afirmar que o direito é produto exclusivo do meio humano equivale a

pregar filosofia em que o homem ocupa todo o espaço, em vez do simples lugar, realmente importante, que lhe cabe, no meio da série animal. Onde há coexistência, há direito. Quando o mineral se cristaliza em poliedros, há certo ritmo que, se não é o „nosso‟ direito, deve ser algo de vivo e de natural como ele. E a vontade? E a consciência? Perguntar-se-á. Mas nada importa isto; quando o homem constrói casa, também parece que é voluntariamente que o faz e, todavia, no essencial, o que o determina é a mesma necessidade que leva o pássaro aos esforços de nidificação. Distinguir do necessário o voluntário e querer traçar raias entre eles é retomar o fio dos problemas metafísicos insolúveis. O que há de menos livre no homem é justamente a vontade, forma imperativa de circunstâncias interiores”. Sistema de ciência positiva do direito. Tomo III. Atualizado por Vilson

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22

No ponto, porém, e com autoridade semelhante, Miguel Reale elabora crítica ao naturalismo pontiano e ressalta que o referido monismo científico, que reduz tudo ao “espelho das ciências físicas”, é um grave equívoco, porquanto importa na “alienação do homem às coisas” e, como se sabe, as coisas não governam o homem, mas sim o inverso. Ou seja, há “os que nascem para se modelarem segundo as coisas, como há os que existem para modelar as coisas segundo o homem”.17

Em outra obra, com o acerto que lhe é peculiar, Miguel Reale leciona:

A sociedade em que vivemos é, em suma, também realidade cultural e não mero fato natural. A sociedade das abelhas e dos castores pode ser vista como um simples dado da natureza, porquanto esses animais vivem hoje como viveram no passado e hão de viver no futuro. A convivência dos homens, ao contrário, é algo que se modifica através do tempo, sofrendo influências várias, alterando-se de lugar para lugar e de época para época.18

No mesmo sentido, ressalta A. L. Machado Neto que não só a espécie humana é uma espécie gregária, pois outros “animais existem que realizam sua existência sob uma forma social seja permanente seja temporária”.19 Contudo,

adverte que a sociedade animal não desenvolve cultura e que as alterações eventualmente produzidas são fruto do instinto animal.20

17 REALE, Miguel. Filosofia do direito. Volume I. 2ª edição revista e aumentada. São Paulo: Saraiva,

1957, p. 264.

18 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 31. 19 MACHADO NETO, Antônio Luís.

Sociologia jurídica. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 149.

20 Afirma Machado Neto: “A sociedade animal não desenvolve cultura. Se alguma alteração em a

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De fato, o direito é uma ciência cultural, pois ele é fruto da participação ativa e criadora do ser humano na sociedade. Isso não significa, porém, desprezo ao dado da natureza humana que se constitui na sua socialização inerente, na sua interdependência um do outro, mas trazer a relevo a constante mutação que ele, ser humano, realiza na sua própria socialização.

1.2. Transformação do direito

O direito é um atributo da pessoa humana, fenômeno da vida social.21 Ele é o resultado de uma multiplicidade de fatores sociais. Nesse contexto, transforma e é transformado pela sociedade. A esse respeito, leciona André Franco Montoro:

O direito nasce da sociedade. Em cada momento ele é resultado de um complexo de fatores sociais. [...]. O direito emana da sociedade sob múltiplos aspectos: 1. como resultante do poder social; 2. como reflexo dos objetivos, valores e necessidades sociais; e 3. como manifestação ou efeito de fatores sociais: históricos, geográficos, técnicos, econômicos, culturais, psicológicos, morais, religiosos etc.22

Em sendo atributo da pessoa humana, o direito existe justamente para proteger essa espécie, desde a sua concepção e até depois da sua morte. Entretanto, haja vista a sua natureza gregária, considera-o como parte de uma comunhão. Por essa razão, afirma-se que sociedade e direito são antecedentes necessários de um e outro.23

21 MENDES JUNIOR, João Mendes.

Direito Judiciário brazileiro (sic). 2ª edição correcta (sic) e

argumentada. Rio de Janeiro: Typografia Baptista de Souza, 1918, p. 6.

22 MONTORO, André Franco. Op. cit., p. 664/665.

23 RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 6ª edição anotada e atualizada por Ovídio Rocha

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O direito, portanto, tem como objeto material a vida do homem em sociedade, ou seja, está sempre relacionado às ações do homem com o seu semelhante.24 Nesses termos, nunca é demasiado recordar o velho brocardo latino: ubi ius ibi societas, ubi societas ibi ius. Em vernáculo, onde está o direito está a sociedade, onde está a sociedade está o direito.

Com fundamento nessas premissas, afirma Vicente Ráo que a fonte “substancial do direito, pois, é a consciência comum do povo, que dá origem e legitimidade às normas lógicas que, dela, a razão extrai”.25

Nessa perspectiva de análise, constata Norberto Bobbio que há uma verdadeira ligação entre mudança social e o nascimento dos novos direitos.26

Mudança social, contudo, não é qualquer alteração no contexto social. Ela se caracteriza por ser um fenômeno coletivo, ou seja, afeta uma coletividade ou uma parcela apreciável desta; requer uma mudança de estrutura, isto é, alterações nos componentes da organização social; é possível sua identificação no tempo; e exige permanência temporal, não se constituindo em algo efêmero, passageiro.27

24 MONTORO, André Franco. Op. cit., p. 125. 25 RÁO, Vicente. Op. cit., p. 273.

26 Confira-se: “Enquanto a relação entre mudança social e nascimento dos direitos de liberdade era

menos evidente, podendo assim dar vida à hipótese de que a exigência de liberdades civis era fundada na existência de direitos naturais, pertencentes ao homem enquanto tal, independentemente de qualquer consideração histórica, a relação entre o nascimento e crescimento dos direitos sociais, por um lado, e a transformação da sociedade, por outro, é inteiramente evidente. Prova disso é que as exigências de direitos sociais tornaram-se tanto mais numerosas quanto mais rápida e profunda foi a transformação da sociedade”. A era dos direitos. 8ª reimpressão. Tradução: Carlos Nelson Coutinho.

Apresentação: Celso Lafer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 70.

27 ROCHER, Guy.

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25

Partindo desses caracteres, Guy Rocher define mudança social nos seguintes termos:

[...] toda a transformação observável no tempo, que afecta, duma maneira que não seja provisória ou efêmera, a estrutura ou o funcionamento da organização social ou duma dada colectividade e modifica o curso da história.28

Sobre mudança social, é lugar-comum a afirmação da ocorrência de três revoluções culturais: a agrícola, a urbana e a industrial. Darcy Ribeiro, contudo, acrescenta novos paradigmas entre a revolução urbana e a revolução industrial, a saber: a revolução do regadio, a metalúrgica, a pastoril e a mercantil. Acrescenta, ainda, uma última denominada revolução termonuclear.29

Após a descrição destas oito revoluções tecnológicas adverte Darcy Ribeiro:

[...] não é a invenção original ou reiterada de uma inovação que gera conseqüências, mas sua propagação sobre diversos contextos socioculturais e sua aplicação a diferentes setores produtivos. Nesse sentido, a cada revolução tecnológica podem corresponder um ou mais processos civilizatórios, através dos quais ela desdobra suas potencialidades de transformação da vida material e de transfiguração das formações socioculturais.30

28 ROCHER, Guy.

Op. cit., p. 92.

29 RIBEIRO, Darcy. O processo civilizatório. Estudos de antropologia da civilização: etapas da

evolução sociocultural. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 20/21.

30 RIBEIRO, Darcy.

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26

Ao final, Darcy Ribeiro arremata que as sucessivas formações culturais são oriundas de impactos de revoluções tecnológicas anteriores.31

Os estudos antropológicos de Darcy Ribeiro confirmam a assertiva de Norberto Bobbio segundo a qual as mudanças sociais fazem surgir novos direitos. Na realidade, não apenas surgir, mas modificar ou extinguir direitos.

A propósito, Carlos Maximiliano confirma o quanto até aqui exposto:

Não pode o direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica; e esta não há de corresponder imutavelmente às regras formuladas pelos legisladores. Se as normas positivas se não alteram à proporção que evolve a coletividade, consciente ou incoscientemente a magistratura adapta o texto preciso às condições emergentes, imprevistas.32

De fato, as mudanças sociais que ocorrem ao longo do tempo interferem diretamente no direito, pois este se constitui em uma estrutura dinâmica, porjetando-se no tempo com multifárias significações.33

31 Afirma Darcy Ribeiro: “No estudo dos processos civilizatórios gerais visualizam-se,

principalmente, as alterações nos sistemas adaptativo, associativo e ideológico decorrentes do impacto das revoluções tecnológicas sobre as sociedades, estruturando-se em sucessivas formações socioculturais”. Op. cit., p. 26.

32 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 9ª edição. Rio de Janeiro: Forense,

1979, p. 157.

33 Nesse sentido, as palavras de Miguel Reale: “O que importa é, por conseguinte, reconhecer que o

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27

Por estas razões, considerando o atual momento histórico e as revoluções culturais havidas no passado, não deve haver surpresa quanto ao surgimento de novos direitos decorrentes das transformações sociais, inclusive porque eles podem representar um progresso da natureza do homem, conforme lembra Norberto Bobbio, inspirado em Kant:

Inspirando-me nessa extraodrinária passagem de Kant exponho a minha tese: do ponto de vista da filosofia da história, o atual debate sobre os direitos do homem – cada vez mais amplo, cada vez mais intenso, tão amplo que agora envolveu todos os povos da Terra, tão intenso que foi posto na ordem do dia pelas mais autorizadas assembléias internacionais – pode ser interpretado como um “sinal premonitório” (signum prognosticum) do progresso moral da humanidade.34

Portanto, nessa perspectiva, isto é, na tentativa de visualizar um progresso moral a partir da transformação do direito, é de se observar a coexistência de “velhos” e “novos” direitos.

1.3. Dos “velhos” direitos

Em sendo o direito uma ciência cultural que influencia e é influenciado pela realidade social, faz sentido um olhar para o passado para observação do comportamento social, dos direitos então vigentes.

Esse olhar é necessário para se verificar que a “história do direito apresenta soluções de continuidade, saltos bruscos e rupturas que tiveram como conseqüência o aumento do ativo de nosso patrimônio cultural”.35

34 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 49.

35 REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 2ª edição revista. São Paulo: Editora Revista dos

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Por outro lado, essa visão do passado importa para reafirmar, como fez Ihering, que “todos os direitos da humanidade foram conquistados na luta”.36

Acrescenta Ihering:

O direito no seu movimento histórico apresenta-nos pois um quadro de lucubrações, de combate, de lutas, numa palavra, de penosos esforços.37

As mulheres são a prova viva da conquista de direitos por meio da luta. O princípio, hoje universalmente aceito, segundo o qual homens e mulheres são iguais, nem sempre teve a obviedade com que hoje ele se apresenta.

Ao analisar historicamente o estatuto jurídico da mulher, Gilissen identifica três grandes sistemas: a mulher, casada ou não, goza pouca mais ou menos dos mesmos direitos do homem; a mulher, casada ou não, é sempre incapaz, colocada sob a autoridade do homem: o pai, o marido ou um parente qualquer; e aquele no qual a mulher não casada goza da generalidade dos direitos que goza o homem, mas no qual a mulher casada é incapaz, estando colocada sob a autoridade do marido.38

Assim, por exemplo, no direito romano, precisamente na época da República, informa Gilissen:

[...] a mulher não era sujeito de direito; a sua condição pessoal, as suas relações com os pais ou com o marido eram, não da competência do direito da cidade, mas do da domus, cujo chefe omnipotente era o paterfamilias. [...]

36 IHERING, Rudolf.

A luta pelo direito. Tradução: João Vasconcelos. 15ª edição. Rio de Janeiro:

Forense, 1995, p. 1.

37 IHERING, Rudolf. Op. cit., p. 7.

38 GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Tradução: A. M. Hespanha e L. M. Macaísta

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A mulher romana não podia exercer nenhuma função administrativa ou judicial. A sua inferioridade resultava, segundo os autores, da sua infirmitas sexus, da sua imbellicitas sexus.39

No Brasil, o Código Civil de 1916, no seu art. 6º, II, estabelecia que as mulheres casadas, enquanto subsistisse a sociedade conjugal, eram consideradas relativamente incapazes. Esta situação somente se alterou com o advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/72) que retirou a mulher casada do grupo dos incapazes relativamente a certos atos e à maneira de exercê-los.

É fato que esse dispositivo já nasceu velho, conforme comentário de Ruth Bueno:

Os anos provaram o que já se sabia, quando foi votado o Código Civil: o direito de família não pode ter por fundamento básico a autoridade de um dos cônjuges. Venceram, àquele tempo, os argumentos dos defensores desse princípio: é muito difícil mudar as instituições que se prendem diretamente à pessoa humana. O tempo e a persistência de vozes esclarecidas, apontando os rumos de justiça, levaram finalmente o legislador a modificar a estrutura que foi velha desde o nascer.40

Observa-se, pois, que não obstante o óbvio – a mulher possui capacidade mental equivalente à do homem, conforme palavras de Clovis Bevilaqua41– foi necessário quase meio século para alteração da regra jurídica.

39 GILISSEN, John.

Op. cit., p. 600 e 601.

40 BUENO, Ruth.

Regime jurídico da mulher casada. 3ª edição revista e aumentada. Rio de Janeiro:

Forense, 1972, p. 15.

41 BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Volume I. 10ª edição

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Nos dias atuais, contudo, como por exemplo, no Brasil, tem-se uma mulher ocupando o posto mais importante do país; na Alemanha, há Angela Merkel, como Chanceler; a Inglaterra tem como Chefe de Estado uma rainha: Elizabeth II. Os exemplos são muitos, tudo a confirmar a mudança que se verificou na sociedade com o devido acompanhamento do Direito, a despeito do óbvio.

Não obstante o avanço, não se desconhece o fato de que muitas mulheres ainda continuam sendo vítimas de toda e qualquer espécie de violência, inclusive, dentro da sua própria família.42

Apesar das dificuldades, reconhece-se a existência de avanços. Nessa perspectiva, observa Renata Raupp Gomes:

Conclui-se, neste sentido, que a Constituição brasileira de 1988 representa um marco na luta pela emancipação da mulher, não propriamente seu final. De todos os novos direitos constitucionalizados ou dos “velhos” direitos que ganham força a partir desse contexto, a maior das vitórias, refletida em grande parte dos dispositivos examinados, muito mais do que isonomia jurídica, é o direito a um tratamento digno, compatível, sobretudo, com a condição de ser humano.43

42Conforme Renata Raupp Gomes: “Nunca se proclamaram tantos direitos humanos e novos direitos

e, no entanto, ainda se mutilam mulheres, amputando-lhes parte da genitália, em um ritual doloroso e humilhante de violação de sua integridade física e moral, em nome de sua submissão ao sexo oposto, a exemplo do que se dá em certos países africanos. Mulheres de todo o planeta ainda são vítimas de toda forma de violência e opressão, sobretudo dentro da família. No Brasil o quadro não é diferente”.

Os “novos” direitos na perspectiva feminina: a constitucionalização dos direitos das mulheres. Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas. Uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. Organizadores: Antonio Carlos Wolkmer e José Rubens Morato Leite. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 51.

43 GOMES, Renata Raupp.

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Semelhantemente à mulher, também muitos homens foram considerados sujeitos sem direitos, especialmente os escravos. No Brasil, a escravatura, ao menos em termos legais, somente foi abolida em 13 de maio de 1888, com o advento da Lei Áurea. Nos Estados Unidos da América, a escravidão tinha sido abolida em 1865. Mas o século XX se iniciou com países que ainda não tinham abolido a escravidão: no Nepal, a abolição ocorre somente em 1926; no Irã, antiga Pérsia, somente em 1929; no Bahrein, em 1937.

Correu-se, ainda o risco de se iniciar o século XXI com a possibilidade de pessoas serem segregadas racialmente, pois somente no ano de 1991 foi posto um fim às leis do apartheid na África do Sul.

Uma guerra foi deflagrada – II Guerra Mundial – com fundamento em uma pretensa superioridade racial. Todavia, como hoje é sabido, não existem geneticamente raças. Porém, foi apenas nos últimos 30 anos que se estabeleceu um consenso entre os cientistas, segundo o qual os todos os homens são iguais.44

Apenas em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, houve um reconhecimento internacional e formal da igualdade das pessoas, consoante o artigo I: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

O direito de propriedade também sofreu mutação. Teve o seu conteúdo ampliado ou reduzido, tudo conforme o regime político vigente ou as exigências econômicas e sociais.45 Walter Vieira do Nascimento, ao analisá-lo,

44 KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes.

A desconstrução do mito da raça e a inconstitucionalidade de cotas raciais no Brasil. Direito Público. Volume 36. Porto Alegre: Síntese,

2005, p. 25.

45 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano. Volume I. 3ª edição revista e acrescentada. Rio

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identifica três fases: a) a da propriedade coletiva; b) a da propriedade privada; e c) a da propriedade individual.46

O referido autor sintetiza essas fases nos seguintes termos:

Na primeira fase, a terra em que se fixava a tribo era posta à disposição das famílias que a compunham, tendo sobre ela gozo temporário e não podendo aliená-la.

Na segunda fase, cada família ocupava uma parte da terra por tempo indefinido, cumprindo ao chefe conservá-la até a morte, quando se transmitia aos herdeiros que também não podiam aliená-la.

Na terceira fase, desaparecendo quaisquer restrições, o proprietário pôde dispor livremente da sua terra, quando então se consolida a propriedade individual.47

Como se observa, o conteúdo do direito de propriedade, ou seja, o conjunto de poderes que o proprietário tem sobre a coisa, sofreu variações no tempo e no espaço. No início, uma feição comunitária; após, uma preponderância privada; e, mais modernamente, caráter privado, mas condicionado o exercício do direito ao bem-estar social.48

Ou, ainda, na síntese de Olavo Acyr de Lima Rocha: “Há de se compreender que a propriedade concebida inicialmente como prerrogativa de interesse exclusivo de seu beneficiário deve ser repassada do sentido altruístico que, longe de contaminá-la em sua pujança, garante sua grandeza e preserva seus relevantes destinos”.49

46 NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de história do direito. 3ª edição revista e aumentada. Rio

de Janeiro: Forense, 1984, p. 70.

47 NASCIMENTO, Walter Vieira do.

Op. cit., p. 70.

48 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das coisas. Volume 4. 10ª edição

aumentada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 85/87.

49 ROCHA, Olavo Acyr de Lima.

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Foi esse justamente o caminho escolhido pelo Constituinte de 1988, nos termos do art. 5º, XXIII: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: a propriedade atenderá a sua função social”.

Outros direitos que aos olhos de hoje podem parecer absurdos vigoraram ainda por muito tempo. Tomem-se como exemplo as Ordenações Filipinas. Elas vigoraram na sua plenitude no Brasil até 1830, com o advento do Código Criminal do Império. Continuaram ainda em vigor até o advento do Código Civil de 1916. Portanto, não faz muito tempo que este “monstruoso” e “bárbaro” diploma legal foi retirado de vigência do ordenamento jurídico brasileiro.50

O Livro V, das Ordenações Filipinas, que tratava do direito penal, estabelecia no seu Título XXV:

Mandamos que o homem, que dormir com mulher casada, e que em fama de casada estiver, morra por ello.

Porém, se o adultero fôr de maior condição, que o marido della, assi como, se o tal adultero fosse Fidalgo, e o marido Cavalleiro, ou Scudeiro, ou o adultero Cavalleiro ou Scudeiro, e o marido peão, não farão as Justiças nelle execução, até nol-o fazerem saber, e verem sobre isso nosso mandado.

50 LARA, Silvia Hunold (Organizadora). Ordenações filipinas. Livro V. São Paulo: Companhia das

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Helen Ulhôa Pimentel ao analisar a referida disposição filipina esclarece:

Essa superfície discursiva trata da punição ao homem que comete adultério com mulher casada, o qual deve ser punido com a morte, mas a sua condição social determina castigos diferenciados.51

Em outras palavras: a referida norma, além de conferir direito ao marido para matar a sua mulher e o amante e ainda que isso não fosse o bastante, estabeleceu um privilégio em virtude da posição social. Ou seja, em sendo o amante de uma posição social superior à do marido, este não poderá matar aquele. O de superior posição social sempre poderá matar ambos, amante e esposa.52

Outro exemplo não menos absurdo, mas de um diploma legal dos tempos atuais, era o previsto no art. 178, § 1º, do Código Civil revogado, que conferia ao marido o direito de anular o matrimônio, caso a mulher já tivesse tido relações sexuais anteriormente: “Prescreve em 10 (dez) dias, contados do casamento, a ação do marido para anular o matrimônio contraído com a mulher já deflorada”.

À evidência, esses “velhos” direitos estavam inseridos em uma problemática social específica. Logo, para compreendê-los é necessário investigar a dinâmica social de então, pois “cada época reproduz uma prática jurídica específica vinculada às relações sociais e necessidades humanas”.53 Não é este, porém, o objetivo do presente trabalho.

51 PIMENTEL, Helen Ulhôa.

A ambigüidade da moral colonial: casamento, sexualidade, normas e transgressões. Univ. FACE, Brasília V. 4, n. 1/2, 2007. Disponível em:

<http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/face/article/viewFile/460/450> Acesso em: 16/06/2011, p. 43.

52 PIMENTEL, Helen Ulhôa.

Op. cit., p. 47.

53 WOLKMER, Antonio Carlos.

Introdução aos fundamentos de uma teoria geral dos “novos” direitos. Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas. Uma visão básica das novas

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O relato desses direitos, contudo, serve para demonstrar que o direito, como objeto cultural, implica sempre um valor e que os valores são mutáveis. Ou nas precisas palavras de Miguel Reale:

Verdade é que através da história encontramos fases ou épocas que se distinguem por certa ordenação da vida social dos indivíduos e dos grupos, segundo uma distinta tábua de valores. Isto quer dizer que os valores são suscetíveis de uma ordenação gradual, de uma hierarquia.

[...]

Há, portanto, épocas distintas, segundo a forma com que se ordenam os valores, cuja visão total representa a maneira pela qual se concebe o universo e se estima a vida. Cada tábua de valores corresponde a uma concepção do universo e da vida, uma “cosmovisão” ou “Weltanschauung”.54

Além disso, deve-se registrar que mesmo podendo ser considerados “velhos”, eles podem coexistir na modernidade, não se constituindo essa coexistência em uma contraditio in terminis, mas, apenas uma necessária maturação para que o valor a fundamentar o “velho direito” possa ser alterado.

1.4. Os “novos” direitos

Ressalta André Franco Montoro no prefácio da 21ª edição da sua consagrada Introdução à ciência do Direito:

54 REALE, Miguel. Filosofia do direito. Volume I. 2ª edição revista e aumentada. São Paulo: Saraiva,

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A dinâmica da vida econômica e social e as transformações que se operam especialmente no campo de novas tecnologias fazem surgir novas realidades e situações que repercutem sobre as pessoas e suas relações. Essas situações geram novos problemas e a necessidade da formulação de novos direitos.55

O próprio Montoro relaciona, sem prejuízo de outros, quais seriam esses novos direitos: direito ao ambiente sadio; direito ao trabalho; direitos do consumidor; direito de participação; e direito ao desenvolvimento.56

A Organização das Nações Unidas, em 4 de dezembro de 1986, aprovou a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, cujo artigo 1º tem a seguinte redação:

O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.

Sobre o direito de participação, a Declaração Universal dos Direitos do Homem no seu artigo 21, item 1, dispõe:

Todo o homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

55 MONTORO, André Franco. Op. cit., p. 27. 56 MONTORO, André Franco.

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Apenas para recordar, o direito de sufrágio, que no caso brasileiro é concedido a todos os nacionais, independentemente do nascimento ou das suas condições econômicas ou culturais, nem sempre teve esse caráter universal.57 Assim, na Constituição de 1824 (artigo 94, I) havia voto censitário, ou seja, aquele dependente do preenchimento de certas condições econômicas.58 A Constituição de 1934 (artigo 108, parágrafo único, “c”), por sua vez, excluía expressamente os mendigos do processo eleitoral.59

Ainda em relação ao surgimento dos novos direitos e sua simetria com a nova realidade social, confira-se o intenso debate verificado no Brasil e no mundo acerca dos direitos dos homossexuais.

A primeira notícia sobre a homossexualidade vem de Esparta, Grécia.60 Parece certo, contudo, que homossexuais sempre existiram. Também é certo que eles sempre foram marginalizados, implícita ou explicitamente. Ainda hoje, a depender do ambiente social no qual homossexual transite, ele sofrerá discriminações, tudo como se fosse um ser humano menor.

No Judiciário, o tema já foi por diversas vezes suscitado, sendo emblemático o Recurso Especial nº 148.897-MG. Neste recurso, o Ministro Asfor Rocha assim se manifestou:

Creio ser chegada a hora de os Tribunais se manifestarem sobre essa união, pelo menos nos seus efeitos patrimoniais, uma vez que não podemos deixar de reconhecer a frequência com que elas se formam,

57 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19ª edição. São Paulo: Atlas, 2006, p. 209. 58 Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos

Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa Parochial. Exceptuam-se I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego.

59 Art. 108. São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na

forma da lei. Parágrafo único - Não se podem alistar eleitores: c) os mendigos.

60 Para um estudo detalhado, ver, além de outros: Maria Amália Soler Moreno. Direitos do

homossexual quando do falecimento do companheiro. Dissertação de mestrado, sob a orientação do

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por isso mesmo que tenho como de bom alvitre sinalizarmos para a sociedade brasileira – e especialmente para os que vivem em vida semelhante à que tiveram recorrente e recorrido – quais os direitos que possam ser decorrentes dessa sociedade de fato.

Ao comentar essa decisão, acrescenta Dagma Paulino dos Reis:

Podemos afirmar, com segurança, que já passou da hora de também se manifestarem sobre as questões de ordem familiar (como alimentos, sucessão, pensão previdenciária), decorrentes desta união, que não pode mais ser marginalizada, e é papel da jurisprudência despertar o legislador, quase sempre adormecido.61

O Supremo Tribunal Federal parece ter enfrentado o tema de forma definitiva na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 178-DF ao reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Além disso, decidiu que os direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Trata-se de decisão relevante, porquanto tradicionalmente a noção de família está ligada tão somente à união de pessoas de sexos diferentes e, mais recentemente, também com a ideia de comunidade formada por qualquer dos pais e seus dependentes, nos termos do artigo 226 e parágrafos, da Constituição Federal.

61 REIS, Dagma Paulino dos. Homossexualismo e a discriminação no direito e na vida social e

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Na prática, sem prejuízos das críticas possíveis à postura adotada62, a decisão do Supremo Tribunal Federal, além do reconhecimento do direito patrimonial, alarga o conceito de família para conferir aos homossexuais direitos subjetivos que outrora somente eram reconhecidos aos casais heterossexuais: adoção, pensão previdenciária etc.

Outros direitos ainda deverão surgir e outros após esses surgirão, porquanto a sociedade não é estática e se transforma ao longo do tempo e, nesse sentido, o direito, como regulador do comportamento social, não pode ficar alheio e deve, pois, criar meios e mecanismos para tornar efetivos esses novos direitos.

Em outras palavras: a criação, a modificação e a extinção de direitos é algo absolutamente natural quando se parte da premissa de ser o direito uma ciência cultural, isto é, fruto da criação humana.

1.5. Direito e mudança de paradigma

Muda-se a sociedade; muda-se o direito; muda-se a ciência. Tudo muda, mas não necessariamente nessa ordem. Não raro a sociedade transforma a ciência. Mas, a ciência também transforma a sociedade ao trazer luzes à realidade. Fato é que a mudança é algo inerente ao processo científico.

É notório que antes de Copérnico o sistema cosmológico concebido por Aristóteles e Ptolomeu afirmava estar a Terra parada no centro do universo e os demais corpos celestes orbitando à sua volta. Nicolau Copérnico ousou discordar desse pensamento, inclusive contrariando a Igreja, poderosíssima à época, para afirmar que a Terra não era o centro do universo, mas que ela girava em torno do Sol,

62 Nesse sentido, a observação de Nelson Nery Junior: “Na decisão sobre a possibilidade de

caracterização das relações homoafetivas como união estável, o STF julgou contra texto expresso da Constituição, a pretexto de dar implemento a outros dispositivos constitucionais principiológicos o que, em última ratio, faria com que qualquer texto normativo constitucional pudesse ser ignorado pelo

Pretório Excelso. O julgamento mereceu elogios por ser politicamente correto, mas foi exarado em ofensa ao estado democrático do direito, pois o STF se substituiu ao constituinte, fazendo „emenda constitucional‟ sem mandato popular para tanto”. Conforme prefácio à obra de Georges Abboud,

Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.

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como qualquer outro planeta.63 No ponto, foi oferecido à sociedade de então um novo paradigma científico: do geocentrismo para o heliocentrismo. Para Thomas S. Kuhn, paradigmas “são as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para comunidade de praticantes de uma ciência”.64

Por algum tempo, pois fenômenos novos são descobertos periodicamente pela comunidade científica. Estas descobertas, contudo, nem sempre se explicam pelos paradigmas anteriores.

Explica Thomas S. Kuhn que a ciência possui ou passa por fases de desenvolvimento: a fase pré-paradigmática; e a fase paradigmática. Aquela se caracteriza pela ausência de domínio de um paradigma específico, pois os fenômenos são descritos e interpretados de formas diversas.65 Há um profundo e frequente debate sobre métodos, padrões e soluções, mas sem nenhum consenso ou acordo.66

A fase paradigmática tem como característica o consenso, isto é, o paradigma que conquistou a concórdia dos demais cientistas e que possui melhor capacidade para resolução de alguns problemas em detrimento das demais teorias em disputa.67

Todavia, “fenômenos novos e insuspeitados são periodicamente descobertos pela pesquisa científica”68 e, em razão disso, o paradigma existente nem

sempre será capaz de ofertar uma explicação adequada para o fenômeno. Nesse caso, tem-se uma “anomalia”:

63 Cf. <http://fisicafacip.wordpress.com/biografias/nicolau-copernico/>, acesso em: 12/03/2012. 64 KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução: Beatriz Vianna Boeira e

Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 13.

65 KUHN, Thomas S.

Op. cit., p. 37.

66 KUHN, Thomas S. Op. cit., p. 72/73. 67 KUHN, Thomas S. Op. cit., p. 44. 68 KUHN, Thomas S.

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A descoberta começa com a consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou as expectativas paradigmáticas que governam a ciência normal. Segue-se então uma exploração mais ou menos ampla da área onde ocorreu a anomalia. Esse trabalho somente se encerra quando a teoria do paradigma for ajustada, de tal forma que o anômalo se tenha convertido no esperado. A assimilação de um novo tipo de fato exige mais do que um ajustamento aditivo da teoria. Até que tal ajustamento tenha sido completado – até que o cientista tenha aprendido a ver a natureza de um modo diferente o novo fato não será completamente científico.69

Não havendo êxito do paradigma existente para solver a “anomalia”, volta-se à fase pré-paradigmátca e instala-se uma crise do paradigma.70

Referida crise poderá ser solucionada de três maneiras: o paradigma existente soluciona o problema, apesar do “desespero” de alguns; não há solução para o problema no atual estado da ciência; ou então surge um novo paradigma, “com uma subseqüente batalha por sua aceitação”.71

Relativamente à última opção, ou seja, a transição para um novo paradigma científico, Thomas S. Kuhn a denomina como sendo uma revolução científica:

[...] consideramos revoluções científicas aqueles episódios de desenvolvimento não-cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente

69 KUHN, Thomas S. Op. cit., p. 78. 70 KUHN, Thomas S. Op. cit., p. 113. 71 KUHN, Thomas S.

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substituído por um novo, incompatível com o anterior.72

Não obstante a obra de Thomas S. Kuhn ter como foco as ciências naturais, o seu pensamento não é de todo incompatível com as ciências culturais, em especial o direito.

A definição de paradigma proposta por Kuhn pode ser aplicada ao direito. Tome-se como exemplo o direito processual. Tradicionalmente, ele se subdividia em dois grandes ramos: direito processual civil e direito processual penal, sem prejuízo do direito do trabalho ou tributário, por exemplo.

Com o surgimento, porém, da sociedade de massa, instalou-se uma crise no processo civil, pois esse não era mais capaz de fornecer uma resposta adequada à sociedade, haja vista a evidenciação de novos direitos, em especial os transindividuais. Nesse sentido, expõe Antonio Carlos Wolkmer:

Impõe-se a construção de novo paradigma para a teoria jurídica em suas dimensões civil, pública e processual, capaz de contemplar o constante e o crescente aparecimento histórico de “novos” direitos.73

No ponto, relativamente ao direito processual, expõe e propõe Gregório Assagra de Almeida:

Segundo a natureza da pretensão, divide-se o direito processual, portanto, não mais em dois grandes ramos (direito processual penal e direito processual civil), como apontava José Frederico Marques, mas, agora, em

72 KUHN, Thomas S. Op. cit., p. 125. 73 WOLKMER, Antonio Carlos.

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três ramos: a) direito processual penal; b) direito processual civil; e c) direito processual coletivo.74

Realmente, há necessidade de se pensar o direito processual sob o prisma proposto por Gregório Assagra de Almeida, porquanto o direito processual civil, de per si, não tem capacidade para solucionar os “quebra-cabeças”, conforme definição de Thomas S. Kuhn, existentes nos conflitos de massa.

Tome-se, como exemplo, o conceito de legitimidade. A “legitimidade ad causam é condição da ação e se relaciona com a pertinência subjetiva ativa e passiva da ação”.75 Acrescenta Eduardo Arruda Alvim:

A legitimidade, em regra, é ordinária. Isto é, aquele que se afirma titular do direito material tem legitimidade para discutir essa titularidade em juízo. Excepcionalmente, porém, a legitimidade pode ser extraordinária, quando alguém pode pleitear afirmação de direito alheio, em nome próprio (art. 6, do CPC).76

Esses parâmetros, porém – não obstante sejam úteis para a devida compreensão das partes no âmbito do processo civil e a sua pertinência subjetiva em relação ao comando emanado da sentença –, são insuficientes para explicar o fenômeno da legitimidade das partes no âmbito do processo coletivo.

Com o surgimento do processo coletivo foi necessária a construção de um novo paradigma que, rompendo com o anterior, passou a explicar, de forma satisfatória, a sujeição das partes a uma determinada decisão judicial. Por esta razão,

74 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual (princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação). São

Paulo: Saraiva, 2003, p. 20.

75 ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 2ª edição, reformada, atualizada e ampliada. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 157.

76 ALVIM, Eduardo Arruda.

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no âmbito do processo coletivo, fala-se em legitimidade autônoma para condução do processo e, não mais, em legitimidade ordinária ou extraordinária.77

Outro exemplo de aplicação no direito pode ser observado no direito penal, mais especificamente na teoria do tipo penal. Explicam Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina que o tipo penal, no final do século XIX e começo do século XX, ou seja, ao tempo do causalismo, era puramente objetivo. Exigia-se: conduta, resultado naturalístico nos crimes de resultado, nexo de causalidade e adequação típica. Portanto, para essa teoria, “puramente causalista e formalista não havia dúvida que, por exemplo, „causar qualquer tipo de aborto‟ era um fato típico”.78

A teoria do tipo penal apresentou uma segunda fase denominada por Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina de fase neokantiana. Nesse momento, o “tipo penal não é objetivo e neutro, é objetivo e valorativo, ao mesmo tempo”. Todavia, apesar “de toda ênfase dada ao aspecto valorativo do Direito Penal [...], no que concerne à estrutura formal da tipicidade pouco se alterou: continuou sendo concebida preponderantemente como objetiva”.79 Não houve, pois, uma

alteração de paradigma.

Sobreveio uma terceira etapa: o finalismo. Para este, o “tipo penal passou a ser composto de duas dimensões: a objetiva e a subjetiva”, passando a ter relevância o desvalor da conduta.80

O finalismo representou uma alteração relevante na doutrina tradicional, pois alterou a ideia vigente ao afirmar que o dolo e a culpa deveriam

77 Para um detalhamento e síntese da discussão acerca da legitimação no processo coletivo ver

Gregório Assagra de Almeida, Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual (princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação). São

Paulo: Saraiva, 2003, p. 497/501. Ver também o capítulo 3, item 3.3., desta dissertação.

78 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de.

Direito penal: parte geral. Volume 2.

(Coordenação: Luiz Flávio Gomes). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 229/230.

79 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Op. cit., p. 230. 80 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de.

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fazer parte do fato típico e não mais da culpabilidade.81 Houve, portanto, uma alteração de paradigma: do causalismo ao finalismo.

Ao avaliar o causalismo e o finalismo no Brasil, expõem Zaffaroni e Pierangeli:

A doutrina brasileira sustentou a teoria causalista (tipos objetivos e dolo e culpa na culpabilidade) em quase todas as obras elaboradas na vigência do código de 1940 (NELSON HUNGRIA, ANÍBAL BRUNO, BASILEU GARCIA, JOSÉ SALGADO MARTINS, E. MAGALHÃES NORONHA, JOSÉ FREDERICO MARQUES, PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR, ROQUE DE BRITO ALVES E OUTROS). No caso do Código de 1940, surge a estrutura finalista como uma melhor metodologia analítica, e, muito embora nem todos os autores adotem um único ponto de partida quanto à teoria do conhecimento, estão acordes numa única sistemática (tipo complexo, culpabilidade depurada). Dessarte, podemos mencionar como exemplos as obras gerais de HELENO CLÁUDIO

FRAGOSO, JÚLIO FABRINI MIRABETE,

FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, DAMÁSIO E. DE JESUS, LUIZ REGIS PRADO, CEZAR ROBERTO BITTENCOURT e outros.82

Há, ainda, duas outras vertentes teóricas, conforme a síntese de Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina: o funcionalismo moderado de Roxin e a teoria constitucionalista do delito. Ocorre, porém, que nenhuma dessas

81 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de.

Op. cit., p. 229/230.

82 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro.

Referências

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