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CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA E CULTURAL: INFLUÊNCIA NO COMPORTAMENTO E NO ESTADO NUTRICIONAL

B – ESTUDO LONGITUDINAL

B.2 – ESTUDO COMPARATIVO E DE INTER-RELAÇÃO DE VARIÁVEIS

1. CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA E CULTURAL: INFLUÊNCIA NO COMPORTAMENTO E NO ESTADO NUTRICIONAL

Um dos fatores socioculturais, considerados mais importantes, reporta à modelagem do agregado familiar. O elevado consumo de alimentos densamente energéticos (comidas e bebidas açúcaradas e ricas em gorduras), alimentos de recompensa, consolo ou apaziguamento da dor e a enorme dificuldade, sentida pelos pais, relativamente à incapacidade das crianças/adolescentes regularem a sua própria ingestão alimentar, são alguns aspetos que se relacionam com a hiperfagia dos diferentes membros da família. Ainda neste âmbito, há que salientar o conhecimento dos valores e normas transmitidas ao longo de gerações, sobretudo no que diz respeito à excessiva importância dada à comida e conduta alimentar (Sansón VNN, 2009).

Fatores ambientais e sociais estão associados com padrões alimentares individuais e familiares, pouco saudáveis, durante a infância e a adolescência, e que, de certa forma, podem conduzir ao desenvolvimento de alterações do comportamento alimentar, caso não sejam detetados precocemente (Fernández-Aranda F, 2007; Sansón VNN, 2009). A área habitacional também pode estar estreitamente relacionada com o incremento da obesidade, sendo esta situação evidente em bairros degradados de algumas capitais europeias, evidenciando-se um consumo abundante de comida rápida e mais barata (Powell LM, 2009). Mais, os escassos recursos económicos de alguns estabelecimentos de ensino são, também, considerados como fatores limitantes no fornecimento de uma alimentação saudável, ficando as crianças mais suscetíveis à ingestão de alimentos nutricionalmente desequilibrados (Gould R, 2005; Department for Education and Skills, 2001). Em suma, a crescente economia “obesogénica” leva os jovens à aquisição de alimentos densamente energéticos, contribuindo para o excessivo ganho de peso (Lobstein T, 2008).

O rendimento económico de uma família é considerado um indicador forte do estado nutricional da criança/adolescente desse agregado familiar (Gray VB, 2007). Nos países desenvolvidos, tem vindo a verificar-se uma correlação inversa entre os níveis socioeconómicos e a prevalência de sobrepeso/obesidade, contrariamente ao que se passa nos países em vias de desenvolvimento, onde esta está associada às classes de rendimentos mais elevados (Wang Y, 2001; Campos LA, 2006; Mariath AB, 2007).

Na amostra transversal, os agregados familiares pertenciam maioritariamente (78%) a classes de nível socioeconómico e cultural médio baixo (Tabela 34) e, tal como nos estudos anteriormente citados (Sobal J, 1989; Wang Y, 2001; Campos LA, 2006; Mariath AB, 2007; Gray VB, 2007; Lobstein T, 2008) observa-se que uma elevada percentagem da população estudada pertence a níveis socioeconómicos médios baixos das classes de Graffar III, IV e V (crianças/adolescentes=78%; mãe=83%; pai=77%) (Tabela 65).

O nível de educação dos progenitores parece relacionar-se com a sua profissão/ocupação e, consequentemente, com o nível socioeconómico da família, o que influencia tanto a escolha alimentar como o nível de atividade física (Klesges RC, 1991; Moore LL, 1991). Alguns estudos mostram que as crianças/adolescentes e os adultos, de classes mais elevadas, apresentam escolhas e preocupações alimentares mais equilibradas e saudáveis (Turrel G, 1998; Campbell K, 2002; Russel CG, 2007; Fernandes JPA, 2007). Muito

particularmente, mães de nível socioeconómico mais desfavorecido, com menor literacia e com sobrepeso/obesidade, têm uma perceção diminuída da obesidade dos seus filhos, aceitando, com dificuldade, os riscos para a saúde (Amy E, 2000; Baughcum BA, 2000).

A literatura suporta que o nível de literacia dos pais se correlaciona com padrões de ingestão alimentar e de atividade física de crianças e adolescentes mais saudáveis (Stenhammar C, 2007; Parizkova J, 2008). Ao mesmo tempo, quando se consideram diferentes fatores culturais e sociais, a competência académica parental parece ser significante, quer em termos de padrões alimentares saudáveis, quer em conhecimento sobre alimentação e nutrição (Ivanovic D, 1997; Djuric Z, 2006). Quando questionamos as crianças/adolescentes sobre qual o valor energético dos alimentos que consomem (ChEAT- subescala 1), verificou-se um elevado grau de desconhecimento sobre este assunto (Tabela 30), com diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (p<0,001). Os progenitores, tal como os seus filhos, revelam o mesmo nível de conhecimento sobre esta matéria (Tabela 62), embora sem diferença estatisticamente significativa entre o pai e a mãe (p=0,056). De certa forma, e independentemente do grupo etário, este achado vem ao encontro das enormes dificuldades, por nós sentidas, ao tentar educar e sensibilizar doentes e familiares para práticas alimentares mais correctas e saudáveis.

A maioria dos progenitores estudados têm o 2º e 3º ciclos de escolaridade (46%), 29% o 1º ciclo e 22% no ensino secundário/superior (Tabela 35). As habilitações literárias mais elevadas dos progenitores evidenciam um efeito protetor do peso da criança/adolescente, enquanto que níveis de escolaridade baixos têm sido apontados como fator responsável pela ocorrência da obesidade dos filhos (Padez C, 2005; Veugelers PJ, 2005; Budd GM, 2006; Serra- Majem L, 2006). Tendencialmente as mães com frequência/formação académica superior associam-se a filhos com um menor IMC (Anderson PM, 2003; Classen T, 2005; Gouveia E, 2009; Powell LM, 2009). Tal fato foi, também, observado neste estudo, em que crianças/adolescentes com sobrepeso/obesidade maioritariamente pertenciam a agregados familiares com níveis de escolaridade básico ou do 2º e 3º ciclos (Tabela 66), observando-se diferenças, estatisticamente significativas, relativamente à escolaridade da mãe (p=0,010).

Outros estudos têm vindo a identificar a baixa literacia como fator de risco, no tratamento de certas patologias, como, por exemplo, a obesidade, estando esta normalmente associada a valores superiores de IMC (Schillinger D, 2002; Pignone M, 2005;

Nobre EL, 2006; Huizinga MM, 2008). Uma revisão recente (Sharif I, 2010), com 171 crianças e adolescentes, entre os 6 e os 19 anos, verifica uma correlação, significativamente negativa, entre o grau de literacia e o IMC, podendo, também, ser observada uma correlação positiva entre a escolaridade e com o comportamento alimentar mais adequado (Miller DP, 2007).

Valores mais elevados de IMC, observados nas classes sócio-económicas mais desfavorecidas, podem refletir escolhas inadequadas e aquisição e ingestão de alimentos densamente energéticos a preços mais acessíveis. Contudo, alguns estudos longitudinais não demonstraram interferência da composição da dieta ou do excessivo consumo energético no ganho de peso, durante a infância e a adolescência (Maffeis C, 1998; Margarey AM, 2003). Há mesmo quem considere que a associação entre o IMC e o estatuto sócio-económico e o grau de escolaridade dos agregados familiares é, de certo modo, equívoca (He Q, 2000; Livingstone B, 2000; Hui LL, 2003). Estes resultados vão de encontro ao estudo longitudinal aqui realizado, onde também não foi possível verificar nenhuma associação entre o nível socioeconómico e de escolaridade dos progenitores e a melhoria do IMC das crianças/adolescentes avaliadas (Tabela 123), embora a maioria dos agregados familiares pertencessem às classes III (83%) e IV (10%) da escala de Graffar (Tabela 110) e possuíam o 1º (28%) ou 2º - 3º ciclos de escolaridade (55%) (Tabela 111).

Uma das principais estratégias, inerentes a qualquer programa de promoção de saúde ou de prevenção de doença, passa pela educação para a saúde (Odgen J, 2000). A adoção de estilos de vida saudáveis (hábitos alimentares e exercício físico) requer competências de literacia, o que denota que indivíduos, com habilitações literárias menores, apresentam uma dificuldade acrescida neste processo (Smith SK, 2009). O projeto desenvolvido na comunidade pediátrica espanhola – EnKids – observa que filhos de mães com grau de escolaridade baixo tendem a consumir maior porção de alimentos densamente energéticos e uma menor quantidade de frutos e hortícolas (Aranceta J, 2003). A relação entre escolhas alimentares saudáveis, ou desaconselháveis, e o IMC, exibe uma forte relação, não só com o estatuto sócio-económico dos agregados familiares, mas, também, com o nível de escolaridade das mães (Powell LM, 2009). Para além de barreiras relacionadas com a classe socioeconómica ou o grau de literacia da família, outras questões, como a imigração, crenças maternas ou processos de aculturação, podem criar barreiras na prevenção, ou no tratamento, da obesidade em idades jovens (Sussner KM, 2008).

Crianças/adolescentes obesas, com progenitores de nível escolar baixo, estão menos motivados na prevenção da doença e promoção da saúde (Gazmararian JÁ, 2003; Miller DP, 2007). Ainda neste contexto, indivíduos com maiores habilitações literárias manifestam um sentido de responsabilidade individual e partilhada, contrariamente ao que acontece nas famílias com menor grau de escolaridade, em que a decisão está centrada no consentimento/negação do técnico de saúde (Gazmararian JÁ, 2003; DeWalt DA, 2007; Miller DP, 2007).

No estudo longitudinal, observou-se, após um ano de seguimento, o mesmo nível de desconhecimento quanto à composição energética dos alimentos ingeridos, tanto nas crianças/adolescentes, como nos seus progenitores (Tabelas 106, 107, 121 e 122). Tal fato pode ser explicado pelo baixo nível de escolaridade (Tabela 111) e a ausência da aprendizagem, destas matérias, a nível escolar, por parte dos pais, levantando a questão de necessidade de um número acrescido de consultas, onde se aprende e se ensina.

De acordo com o Plano Nacional de Saúde 2004-2010 (Direcção Geral de Saúde, 2004), a educação é uma ferramenta estratégica na promoção da saúde, sendo a escola o “setting” preferencial para a transmissão de conhecimentos nesta área. Os temas que têm merecido mais destaque nas escolas relacionam-se com os hábitos alimentares/nutricionais e de atividade física (Santos O, 2010).

Apesar das consequências sociais e económicas, associadas à obesidade, serem sobejamente conhecidas (Livingstone B, 2000), a forma como a literacia e o nível socioeconómico se relacionam com o IMC, necessita de um maior número de estudos longitudinais que potenciem o estabelecimento do sentido causal desta relação (Sharif I, 2010).

São necessárias políticas que promovam um ambiente físico e social seguro e economicamente estável, promotores de uma alimentação e actividade física adequadas. Por outro lado, é importante aumentar a “literacia nutricional” dos familiares e cuidadores, de modo a exercer uma influência favorável nos comportamentos alimentares e no absentismo da actividade física dos jovens.