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REVISÃO DA LITERATURA

III. ABORDAGEM TERAPÊUTICA COMPORTAMENTAL

2. PSICOSSOCIAL E AFETIVA INTEGRADA

Para além do envolvimento de fatores biológicos e ambientais, na determinação da obesidade, é fundamental ressaltar os aspetos emocionais e comportamentais e a forma como estes interagem nas situações de obesidade, tanto na criança, como no adolescente. Alguns autores chamam a atenção para a enorme importância das consequências psicossociais, psicológicas e/ou psiquiátricas do sobrepeso/obesidade, normalmente relacionadas com descriminação social, auto-imagem negativa, tendências suicidas, problemas comportamentais e de aprendizagem, que persistem na adolescência e na idade adulta (Lobstein T, 2003; Luiz AM, 2005). Efeitos psicossociais imediatos, como o isolamento social, a discriminação e problemas com os pares, são muito frequentes nestes doentes (Hesketh K, 2004). A obesidade, em idade pediátrica, associa-se, muitas vezes, a depressão, ansiedade, baixa auto-estima, distorção da IC, entre outros (Dixon JB, 2003; Luiz AM, 2005; Sjo¨berg RL, 2005; Moschonis G, 2008; Solbes I, 2010).

É necessário que a intervenção tenha em linha de conta os aspectos psicoafetivos dos jovens, de forma a estes conseguirem um melhor auto controlo dos seus impulsos, relacionados com a ingestão alimentar e suas escolhas (Fonseca H, 2008).

Nos últimos 50 anos, a disciplina de psicologia tem estudado e tentado compreender as atitudes individuais, relativamente à estigmatização, provocada nos indivíduos com excesso de peso/obesidade (Richardson SA, 1961; IOTF, 2008). Evidências empíricas de vários anos mostram que, a este tipo de pessoas, usualmente são atribuídos um enorme leque de estereótipos (Puhl RM, 2006; Teachman BA, 2003), os quais, consequentemente, provocam sofrimento e várias discriminações em muitas áreas da sua vida: trabalho saúde, educação e relacções interpessoais (Puhl RM, 2006). Ao contrário do que se pensa, a rejeição social não motiva a criança/adolescente a perder peso, mas tem um efeito oposto, fomentando a recusa de alimentação saudável e aumentando o consumo de alimentos densamente energéticos, como forma de compensação do seu mau estar e infelicidade (Puhl RM, 2006; Solbes I, 2010). Várias teorias psicológicas como “emotional eating”, “externally oriented eating” e restrição alimentar apresentam uma explicação para a resistência à mudança dos hábitos alimentares e estilos de vida não saudáveis (Bosch J, 2004).

Para além de uma diminuída qualidade de vida, são, principalmente, as situações de estigmatização que apresentam maior impacto nos quadros de sobrepeso/obesidade durante a infância e a adolescência (Lobstein T, 2004; Kalavainen MP, 2007). Os estereótipos, associados à obesidade pediátrica, têm muito em comum com as características vulgarmente atribuídas aos adultos com o mesmo diagnóstico: preguiça, sujidade, baixas capacidades académicas, sociais, atléticas e artísticas (Latner JD, 2005; Wardle J, 2005; Simões D, 2007).

A criança interioriza, desde muito cedo, que ter excesso de peso é indesejável, vendo o seu corpo como uma fonte de embaraço e vergonha, carregando consigo o estigma de ser “gorda”, fazendo-a sentir-se inferior às outras (Ricciardelli LA, 2001; Simões D, 2007). Em muitos casos a criança/adolescente obesa tem dificuldade em aceitar-se tal como ela é, receando a forma ridícula como os outros a possam considerar.Tendem a fechar-se, tornando-se menos participativas, revelando falta de interesse, embora, na maior parte dos casos, as suas capacidades intelectuais sejam tão apreciáveis, ou, até, superiores, às de outras crianças (Simões D, 2007).

A estigmatização e o conceito que a sociedade actual tem dos obesos afeta não só as questões emocionais e familiares, bem como aspetos laborais, conduzindo à desmotivação, desintegração social e alterações psicológicas significativas (Jiménez MS, 1997). Há aproximadamente 60 anos, Brunt descreveu as crianças obesas como “fundamentalmente infelizes e inadaptadas” (Brunt H, 1941).

Por razões biológicas, psicológicas, ou, mesmo, comportamentais, alguns indivíduos parecem estar destinados a travar uma “batalha” para emagrecer. Este processo pode resultar numa excessiva preocupação com a alimentação e com o peso, podendo conduzir à autopunição e depressão, bem como a repetidos ciclos de perda e recuperação de peso (Luiz AM, 2005; Solbes I, 2010). Ter um corpo “imperfeito” é, muitas vezes, considerado sinónimo de não ter força de vontade ou de não ter capacidade de auto-controlo. A estigmatização, provocada pelos padrões da sociedade atual, prendem-se com a atitude negativa junto dos indivíduos, que não conseguem alcançar os padrões de beleza ideais, provocando nestes um acrescido sofrimento, e constrangimento, relativamente à condição de ser obeso (Silva D, 2003; Vaz A, 2010)

Tem sido consensual que uma intervenção cada vez mais precoce é essencial, não só para travar, ou prevenir, como para tratar o fenómeno do sobrepeso/obesidade na idade

pediátrica. Assim sendo, parece ser da maior importância a avaliação sistemática dos parâmetros psicoafetivos e comportamentais da criança/adolescente e dos seus progenitores, permitindo ao grupo multidisciplinar uma consciencialização mais abrangente do quadro clínico e um vinculo maior da responsabilização do agregado familiar.

3. MULTIDISCIPLINAREMOTIVACIONAL

Compete aos profissionais de saúde, possuir, não apenas conhecimentos tecnico/científicos, quanto às formas de abordagem mais eficazes no tratamento da obesidade, em idade pediátrica, mas, também, certas competências relacionadas com a motivação deste grupo, no sentido de se tornarem agentes ativos na resolução do problema de saúde pessoal (Santos O, 2009).

Descrita inicialmente por Miller, a entrevista motivacional é um modelo constituído pela promoção da motivação intrínseca e compromisso com a mudança (Miller WR, 1983; Miller WR, 1991), sendo utilizada, nos últimos dez anos, como ferramenta clínica de intervenção na doença crónica, nomeadamente no tratamento da obesidade (Resnicow K, 2006). Um menor grau de evidência científica comprova a sua eficácia no tratamento dos adultos (Bowen D, 2002; Resnicow K, 2005) e das crianças/adolescentes (Resnicow K, 2005), salientando que o aspecto que necessita de ser mais estudado diz respeito à idade correcta em que se aplica (Resnicow K, 2002; Lobstein T, 2004). À semelhança de outras doenças crónicas, educar um obeso para a importância da alimentação e exercício físico no controlo e na prevenção da doença, requer um grande esforço de todos os profissionais de saúde e do próprio doente com forte envolvência familiar e escolar (Paiva I, 2011).

Em 2010, e à semelhança de outros países da comunidade europeia, Portugal adoptou estratégias de intervenção, no que diz respeito à educação e disponibilidade alimentar, em meio escolar, considerando a escola uma entidade de eleição no incentivo à prática de estilos de vida saudáveis (Weichselbaum E, 2011).

Muito embora as atitudes incorrectas praticadas em meio escolar sejam, muitas vezes, impeditivas do cumprimento das orientações nutricionais dadas pelos profissionais de saúde (Story M, 2006), os diferentes estabelecimentos de ensino representam um importante meio

de educação alimentar e nutricional, abrangendo um grande número de jovens (Bowman SA, 2004). As recomendações da União Europeia, no âmbito do combate à obesidade, são bem explÍcitas relativamente ao papel da escola e muito em particular, aos conteúdos alimentares das cantinas e buffets, apelando os governos para o consumo de refeições equilibradas, em detrimento de produtos com elevados teores de sal, gordura e açúcar (Baptista MIM, 2006).

Quando se desenham programas de intervenção, o ambiente familiar e escolar deve ser contemplado, não só pelo fato de serem considerados vectores responsáveis pela condição nutricional da criança/adolescente, mas, também, por permitirem um ambiente contextualizaste favorável à mudança dos comportamentos (Ebbeling CB, 2002; Passehl B, 2004; Swinburn B, 2002; Dehghan M, 2005; Puhl RM, 2006; Swinburn B, 2005; Budd GM, 2006).

O trabalho em equipa deverá envolver não só a criança/adolescente, bem como os seus progenitores, com vista a um maior incentivo na adopção de estilos de vida mais saudáveis. Sendo, para isso, necessário incutir, no agregado familiar, uma responsabilização e motivação contínuas, fundamentais na concretização da mudança dos estilos de vida.