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6 OS SUJEITOS DO DISCURSO

6.1 Caracterização socioeconômica dos sujeitos da pesquisa

Nesta etapa da pesquisa apresentamos aos alunos algumas questões objetivas a fim de conhecer um pouco da realidade social destes, de modo a produzir um perfil dos estudantes. Segundo Combessie (2004), o perfil se propõe a construir de modo mais eficaz a origem social, trajetória e situação do sujeito pesquisado a fim de explicar variações observadas nas respostas conforme o tema da pesquisa. Embora este autor atribua ao questionário um valor maior nas pesquisas quantitativas, aqui as questões serão complementares às interpretações qualitativas da pesquisa.

Considera-se que nos estudos sobre desigualdades educacionais a noção de capital econômico, social e cultural é significativa para a compreensão dos sujeitos, portanto, foram os mesmos através de questões de múltipla escolha indagados acerca da origem escolar, da condição de cotista ou não, da escolaridade e renda familiar, e da participação em atividades

políticas tais como votar nas eleições e participar de grupos sociais, culturais e políticos fora do espaço escolar.

A seguir será apresentada uma descrição dos resultados organizados sob a forma de tabelas para melhor visualização e comparações entre as turmas, conforme as séries.

Tabela 5 - Caracterização das turmas quanto à origem escolar

Tabela 6 - Opção de ingresso (cotista/não cotista)

As turmas pesquisadas têm perfis levemente variáveis quanto à escola de origem. Ocorre uma diferença entre pertencer à escola pública ou privada de apenas 3,81%, com pequena superioridade dos egressos da escola pública em relação às privadas. O número de estudantes cotistas é inferior ao de não cotistas em todas as turmas; entretanto, verifica-se que, conforme avança o nível para o terceiro e quarto anos, proporcionalmente o número de alunos cotistas se reduz um pouco mais, deixando margem para a interpretação que a reprovação ou evasão pode estar atingindo mais esse grupo60.

60 Como não houve um acompanhamento das turmas no período dos quatro anos a fim de verificar taxa de evasão e repetência não se pode afirmar exatamente o que ocorreu. Entretanto o estudo de Ferraz (2015) indica que no campus Barreiras, a reprovação e evasão dos cotistas é superior à dos não cotistas, de modo que o mesmo fenômeno parece ocorrer no campus Salvador. Considerando que as cotas de ingresso são de 50% a expectativa é que haja em média o mesmo número de alunos cotistas e não cotistas, contudo em nenhuma das turmas pesquisadas isso ocorreu.

Tabela 7 - Caracterização das turmas quanto à renda familiar61

Entre os estudantes, 8,57% afirmam ter renda familiar de até 1 salário mínimo, 57% renda familiar entre um e dois salários mínimos, 20% entre dois e três salários mínimos, 8,57% entre quatro e cinco salários mínimos. Esta descrição da renda familiar mostra que no grupo analisado, 57,14% (aqueles com renda familiar de até três salários mínimos) dos estudantes têm uma renda familiar baixa, ou seja, em famílias com três membros ou mais, poderiam fazer parte dos candidatos às cotas no IFBA. Esta imagem nos mostra que o IFBA não pode ser considerado escola de classe média62, levando em conta o critério renda. Pelo menos a metade dos estudantes do Instituto, na amostra analisada, é composta de membros das bases menos ricas da pirâmide social do nosso estado.

Outros critérios têm sido levados em conta na categorização da pertença a uma classe social; assim, a escolaridade dos pais, o tipo de moradia e a existência de bens de consumo como eletrodomésticos são considerados nesta avaliação. A intenção aqui é somente ter uma noção da condição socioeconômica dos alunos a partir da renda, da organização familiar e da escolaridade dos pais.

No contexto escolar, o pertencimento a famílias nucleares, o capital social63 e o valor

dado à educação, bem como certa organização econômica permitem ao estudante, independentemente de ser dos estratos mais ricos ou não da escala social, valorizar a escola como espaço de ascensão social.

Jessé Souza (2010) chama a atenção para o fato de que

61 Obs.: Renda familiar em salários mínimos (S.M.).

62 As classes sociais não podem ser definidas baseadas apenas em critérios como renda e padrão de consumo, mas antes por um estilo de vida e uma visão de mundo prática, que se torna corpo e mero reflexo, mera disposição para o comportamento, que é em grande medida pré-reflexivo ou “inconsciente”. (SOUZA, 2010, p. 26).

63 Para Bourdieu o “capital social é o agregado dos recursos reais e potenciais que estão conectados à possessão de uma rede durável de relacionamentos de mútuo conhecimento e reconhecimento, mais ou menos institucionalizada ou, em outras palavras, ao pertencimento a um grupo, o qual prove a cada um de seus membros, com base no capital apropriado coletivamente, uma “credencial” que os titula ao crédito, nos vários sentidos da palavra”. (BOURDIEU, 1986, p. 248-249 apud PRATES, 2007, p. 49).

Para se compreender porque existem classes positivamente privilegiadas, por um lado, e classes negativamente privilegiadas, por outro, é necessário perceber como os capitais impessoais que constituem toda a hierarquia social e permitem a reprodução da sociedade moderna, o capital cultural e o capital econômico, são também diferencialmente apropriados. O capital cultural sob a forma de conhecimento técnico e escolar, é fundamental tanto para a reprodução do mercado quanto do Estado modernos. É essa circunstância que torna todas as classes médias, constituídas historicamente pela apropriação diferencial do capital cultural, uma das classes dominantes desse tipo de sociedade.

[...]

O processo de modernização brasileiro constitui não apenas as novas classes sociais modernas que se apropriam diferencialmente dos capitais cultural e econômico. Ele constitui também uma classe inteira de indivíduos, não só sem capital cultural nem econômico, em qualquer medida significativa, mas desprovida, isso é o fundamental, das precondições sociais, morais e culturais que permitem essa apropriação. (SOUZA, 2010, p. 25).

Assim, embora o processo de incorporação desta classe com menor capital econômico seja assegurado pela política de cotas, a escola precisa rever o currículo, os processos didático-pedagógicos, valores e inclusive que concepções de justiça ela advoga, a fim de garantir que as turmas de 3º e 4º anos não sejam diferencialmente caracterizadas quanto à permanência dos estudantes destituídos deste capital cultural que a escola exige.

Tabela 8 - Caracterização quanto à organização familiar (com quem mora?)64

Ao investigar como as relações familiares influenciam o ingresso de adolescentes no Ensino Médio Integrado, a partir de pesquisa com alunos do 4º ano do curso de Automação do IFSP, Campus Sertãozinho, Ferreira-Cintra (2014) observa que prevalece entre o grupo analisado, composto de 10 alunos um rendimento médio de 2 a 6 salários mínimos e o convívio com famílias nucleares (7 alunos), o que se aproxima do estudo aqui realizado.

Um aspecto importante, também verificado em estudos sobre estudantes universitários (PICANÇO, 2013) é a prevalência de alunos no IFBA que residem em famílias compostas pelos dois pais, assim como o nível de escolaridade dos mesmos, num percentual maior de pais e mães que concluíram o ensino médio. Este talvez seja o capital social e cultural que os diferencia dos demais alunos das escolas públicas.

Conforme classificação utilizada por Picanço (2013) uma parte deles está reproduzindo a escolaridade familiar, ao contrário daqueles que estão em processo de ascensão escolar em relação aos pais, os quais têm um nível mais baixo de escolarização que os filhos.

No caso da UERJ, ao pesquisar alunos cotistas e não cotistas, a autora identificou que há uma presença elevada de alunos oriundos das classes baixa e média-baixa (PICANÇO, 2013). No que tange à escolaridade dos pais, entretanto, observa-se uma realidade parecida com a do IFBA, ou seja, pais com nível de escolaridade mais elevados comparados a outros estudantes de escolas públicas.

Entre os alunos, 16% tinham pai com no máximo o primário completo (até a antiga quarta série, incluindo nesse percentual de indivíduos cujo pai tinha o primeiro grau incompleto), 12% o pai terminou o primeiro grau (incluindo aqueles cujo pai tinha o segundo grau incompleto), 32% o pai completou o segundo grau (incluindo pai com superior incompleto) e 34% o pai tinha nível superior completo. As mães, por sua vez, causam certa surpresa, pois há maior incidência de mães em níveis mais baixos de escolaridade e menor com nível superior completo. O efeito surpresa do achado é porque os alunos universitários entrevistados já são filhos de gerações que aproveitaram a expansão do ensino, bem como do processo de ampliação do papel social das mulheres no trabalho e vida familiar. (PICANÇO, 2013, p. 15).

Diferentemente do que foi observado por Picanço (2013), nos alunos pesquisados do IFBA Salvador, identificamos nos percentuais de escolarização dos pais, abaixo demonstrados, uma escolarização maior das mães, o que confirma as estatísticas que a escolaridade feminina tem crescido e até ultrapassado a masculina na Bahia65.

Dos dados encontrados, é significativo o percentual dos pais e mães com Ensino Médio e Superior, o que indica que, embora a renda não seja alta, entre os pais dos alunos do IFBA na amostra observada, 69,03% têm escolaridade igual ou superior ao Ensino Médio. Com superioridade feminina nos níveis mais altos de escolaridade (Superior e Pós- Graduação).

65 IBGE, 2015. Disponível em: <http://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao.html?tmpl=component&print =1&page=>. Acesso em: 15 dez. 2015.

Tabela 9 - Escolaridade dos pais

Trabalho e estudo: Prevalece entre os estudantes do IFBA a exclusividade da dedicação aos estudos 70,4%. Assim como já observado por Ferreira-Cintra (2014), de modo que podemos inferir que a família atua de muitas formas na educação dos filhos. Endossar e apoiar as escolhas se faz inclusive oferecendo suporte financeiro e não solicitando que os mesmos contribuam para o orçamento doméstico. Adiar o ingresso no mercado de trabalho, embora signifique sacrifícios para famílias com baixa renda familiar é um importante apoio à permanência dos mesmos nos institutos.

Tabela 10 - Estudo e trabalho

6.1.1 O PAAE e a participação no programa

Sobre a participação no PAAE foi verificado que quase todos os alunos afirmaram se candidatar ao mesmo; entretanto, no período de realização da pesquisa os resultados para o ano letivo de 2015 ainda não havia sido divulgado em função da greve 2014 que alterou o

calendário letivo, iniciado em abril. Sendo assim, só foi possível ter informações sobre os alunos inseridos no programa até 2014. Contudo, dados do serviço social indicam que houve uma redução na oferta de bolsas em função da redução do orçamento de 2015, fenômeno já discutido no capítulo 1. Deste modo, o número de alunos do 1º ano que passaram a fazer parte do programa certamente é bem maior do que o apresentado aqui, seja pela renda baixa indicada pelos estudantes, seja pela prioridade dada pela escola aos alunos do 1º ano em função do maior índice de evasão e repetência observado nessas turmas.

Tabela 11 - Participação no PAAE

O que fica evidente neste estudo e que pode ser comprovado pelos discursos acompanhados nas publicações do Grêmio Estudantil e do Coletivo Avante na internet é que há uma demanda pela universalização da alimentação e que nem todos os alunos que possuem o perfil socioeconômico que permite acesso ao PAAE são contemplados devido à alta demanda e aos orçamentos insuficientes.

Assim como no mundo do trabalho é bastante reduzida, também, a participação em grupos ou instituições extraescolares. Nesse sentido, 53,33% dos estudantes indicam não ter nenhuma outra atividade além da escola, 5,95% participam do Grêmio Estudantil, ou seja, atividade interna à escola, 4,76% do Grupo de Pesquisa de Robótica, todos alunos de um único curso, e 44,75% fazem parte de alguma atividade de fato fora da escola, qual seja, atividades esportivas, religiosas, culturais, tais como grupo de teatro e dança, trabalho voluntário e Movimentos Sociais, tais como Movimento Negro Feminista, indicado por uma estudante.

Ao que parece a vida dentro do Instituto ocupa fortemente o cotidiano desses estudantes, fenômeno que é relatado pelos mesmos em conselhos de classe e durante as aulas. De outro lado, demonstram pouca participação na política institucional, partidos políticos e outros tipos de lugares em que possam estar vivenciando a política para além dos corredores da escola.