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5. MODELOS DA CASA BURGUESA PORTUENSE – SÉCULO XVII A

5.1. Caracterização tipológica

A casa burguesa portuense �á foi ob�ecto de investigação de vários au� tores, existindo um considerável número de descrições que caracterizam a sua evolução tipológica, como é o caso dos estudos de Ernesto Veiga de Oliveira [Arquitectura Tradicional Portuguesa. 2003], de Francisco Barata Fernandes [Transformação e permanência na habitação portuense: as for� mas da casa na forma da cidade. 1999], e Nelson Mota [A arquitectura do quotidiano: Público e privado no espaço doméstico da burguesia portuense no final do século XIX. 2010] Por este motivo, apenas realizar-se-á uma descrição sucinta das diferentes tipologias de habitação compreendidas no per�odo entres os séculos XVII e XIX, o que permitirá lançar uma base de apoio à elaboração dos modelos arquitectónicos da casa burguesa portuen� se.

Apesar das diferenças tipológicas existentes, que serão abordadas em se� guida, é poss�vel encontrar uma linha geral, que confere um sentido de uniformidade ao centro histórico do Porto: “(…) num desfilar sem conta, seguindo�se umas às outras ao longo de todas essas ruas, casas com um número variável de andares – na sua maioria com três ou quatro, fora os acréscimos, e não raro com cinco e mais, e com duas ou três �anelas de frente, raramente com mais, e às vezes só com uma – mas todas elas uni� formemente esguias, estreitas e altas, desenvolvendo�se, numa palavra, em solução vertical …”. [Oliveira, 1986, p. 28]

No seu estudo sobre as transformações e permanências na habitação por� tuense, Francisco Barata defende que é poss�vel observar a existência de três tipos de habitação corrente dominantes na cidade do Porto, estando es� tas variações tipológicas directamente relacionadas com a morfologia urba� na, ou se�a, cada um dos três tipos de habitação é fruto de uma determinada fase de desenvolvimento urbano da cidade.

Como tal, opta por denominar as três tipologias em função de três grandes temas da História fundamentais na estruturação urbana da cidade, a tipolo� gia de habitação burguesa portuense: mercantilista (século XVII), iluminis� ta (século XVIII) e liberal (século XIX)11.

11. Apesar de ser atribu�do um per�odo a cada tipologia, estes não são fronteiras, onde acaba uma e começa outra. Na reali� dade, existe um entrelaçar dos per�odos, sendo poss�vel assis� tir à construção de uma tipolo� gia de um per�odo noutro.

56 Habitação Mercantilista – século XVII

A casa burguesa mercantilista (figuras 20 e 21), localizada predominan� temente nas zonas da Ribeira�Barredo, Miragaia, Sé e Vitória, desenvolve� �se essencialmente em dois tipos de lotes, ambos apoiados numa formação urbana que ainda corresponde ao modelo orgânico de cidade medieval.

O primeiro apresenta uma forma mais irregular, com uma só frente sobre a rua, cu�a construção ocupa a totalidade do lote. A casa tem pouca profun� didade, entre 10 e 15 metros, e uma largura média de 4,5 metros, desen� volvendo�se em dois ou três pisos. A escada tanto pode ser de dois lanços e estar localizada transversalmente �unto à parede do fundo, como pode ser de tiro e situar�se longitudinalmente ao longo da parede de meação. Esta tipologia de casa assume uma indiscut�vel importância na formação das tipologias edificatórias posteriores. [Ferrão, 1989, p. 143]

O segundo adquire uma forma mais regular e ganha duas frentes – com ou sem logradouro –, chegando aos três pisos, sem contar com os acrescentos. A profundidade do lote duplica, tendo entre 20 e 30 metros, e a sua largu� ra passa a variar entre os 3 e 6 metros. A caixa de escadas passa a ocupar uma posição central, produzindo uma alteração na matriz de organização interna. O acesso entre o piso térreo e o primeiro piso é normalmente feito por uma escada de dois lanços ortogonais, a partir do corredor de entrada, sendo o acesso aos restantes pisos efectuado por uma escada de dois lanços paralelos.

Ambas as tipologias possuem um carácter polifuncional, funcionando o piso térreo como oficina, loja ou armazém – independente do resto da casa – e os restantes pisos como habitação. Na sua organização interna “(…) persistia uma ideia medieval de habitar havendo pouca ou nenhuma espe� cialização na divisão dos espaços da casa burguesa. (…) Até então a casa é fundamentalmente uma sala onde tudo se passa.” [Fernandes, 1999, p. 126] Apenas à cozinha era destinado um espaço específico, o último piso, por razões de segurança.

A construção do piso térreo é realizada em alvenaria e as fachadas, so� bretudo das casas pertencentes à primeira tipologia, são constru�das em frontal. No entanto, as fachadas, quando se erguem até dois ou três pisos, também podem ser totalmente constru�das em alvenaria. Estas, por serem mais resistentes, são ho�e mais facilmente observadas do que as casas com fachada constru�das em frontal ou tabique que, devido à sua fragilidade,

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sofreram uma grande deterioração ao longo dos séculos. Em tudo o resto, “os materiais de construção, bem como os principais elementos de com� posição arquitectónica, não se alteram de uma tipologia para a outra (…)” [Fernandes, 1999, p. 125], sendo as fachadas compostas por dois vãos por piso, situados �unto às paredes de meação, e, quando existem, varandas corridas em madeira.

Fig. 20 � Tipologias da habita� ção mercantilista.

HAB. MERCANTILISTA DE UMA FRENTE HAB. MERCANTILISTA DE DUAS FRENTES

Fig. 21 � Habitações mercanti� listas; Praça da Ribeira.

58 Habitação Iluminista – século XVIII

Durante a primeira metade do século XVIII, não ocorrem mudanças sig� nificativas na tipologia de habitação burguesa. As mudanças visíveis, a par� tir da segunda metade do século, são fruto da acção urban�stica almadina de intenção globalizante e racionalista, que cria novos arruamentos – rectos e mais largos – e prevê planos de con�unto de fachada.

Os lotes aumentam de largura, em média 6 metros, e “a profundidade da construção apresenta dois subgrupos: os con�untos com profundidades próximas dos 12 metros e os con�untos com profundidades próximas dos 22 metros” [Barata, 1999, p. 144], existindo ainda uma área de logradouro. A organização interna é semelhante ao segundo tipo de casa Mercantilista referido anteriormente, com caixa de escada central, piso térreo destinado a comércio ou armazém, acesso independente e prevalência da não especiali� zação dos espaços, com excepção da cozinha, situada no último piso, ainda que haja um aumento de complexidade (figura 22).

No entanto, constata�se “(...) um aumento generalizado da cércea das construções [que podem chegar aos cinco pisos] (...), bem como um acrés� cimo do pé direito dos andares dos edif�cios (…), por outro lado assiste�se quer à generalização de um maior número de aberturas por piso [que passa a três], desaparecendo o pano cheio central (…), quer à modificação dos desenhos dos vãos [nomeadamente em arco] (…) ”. [Ferrão, 1989, p. 160] Em alguns casos é possível verificar a existência de um entrepiso que, na fachada, corresponde às pequenas �anelas sobre as portas do piso térreo. As varandas de pedra corridas a toda a largura da fachada passam também a ser um elemento comum e distintivo desta tipologia, em relação à anterior.

É durante este per�odo que na casa burguesa são introduzidas as clarabóias, permitindo quer a iluminação da caixa de escadas, quer a iluminação das alcovas através da abertura de �anelas nas paredes da caixa de escadas, tornando�se a partir deste momento uma solução arquitectónica corrente das casas portuenses.

Por razões de segurança contra o risco de incêndio, as paredes de fachada passam a ser constru�das integralmente em alvenaria, sendo o tabique ape� nas utilizado nos acrescentos.

Estas edificações situadas em ruas como Santa Catarina, Cedofeita, Clé� rigos e Almada (figura 23), “(...) apresentam uma notável capacidade de adaptação a novos usos, a novos aumentos em altura, a novos aumentos

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em profundidade ao n�vel do piso térreo, e inclusive à pura substituição parcial de materiais e sistemas construtivos. (…) Este processo revela uma vitalidade no que respeita à sua adaptabilidade a usos mistos, que o poste� rior modelo de habitação do per�odo liberal não comporta.” [Barata, 1999, p. 146]

Fig. 22 � Tipologia da habita� ção almadina.

Fig. 23 � Habitações almadi� nas; Rua do Almada.

60 Habitação Liberal – século XIX

No período oitocentista, ao mesmo tempo que se mantém a edificação das casas de tipologia polifuncional, surgem “(...) conceitos habitacionais dife� rentes e novos tipos de residência urbana (...), dissociando�se a residência e a lo�a, aparecendo casas só residenciais (...)”. [Oliveira, 1986, p. 32]

Relativamente à tipologia que se mantém, não existem grandes diferenças em relação ao século anterior, a não ser a introdução de instalações sanitárias no tardoz, o aumento dos pés�direitos e das áreas de arrumos, caracter�sticas também comuns à tipologia monofuncional.

Também as dimensões dos lotes mantêm�se relativamente as mesmas do anterior, uma média de 6 metros de frente e uma profundidade de constru� ção com dois valores de referência 15 e 20 metros, à qual se acrescenta o logradouro.

A nova tipologia de casa burguesa monofuncional representa uma ruptura tipológica e confina o edifício a uma só função, o habitar, sendo capaz de albergar programas residenciais mais complexos. É introduzida uma cave sobreelevada, destinada a zonas de serviço e armazém; a sala do primeiro piso cont�gua à entrada, permitindo receber visitas e ao mesmo tempo man� ter a privacidade do resto da casa; a cozinha passa a situar�se nas traseiras do primeiro piso num volume independente e, os quartos, nos pisos supe� riores. “A partir desta época, concebe�se a habitação segundo uma com� plexa hierarquização funcional e social que anteriormente não se registam na espacialidade da casa corrente da burguesia de Setecentos e primeiras décadas de Oitocentos.” [Barata, 1999, p. 173]

A comunicação entre a rua e o primeiro piso é feita por uma pequena escada de lanço único e, entre os diversos pisos, é feita por uma escada central, disposta transversalmente com dois ou três lanços que termina em galeria, e que, à semelhança da tipologia almadina, é encima por uma cla� rabóia.

Em termos de materiais e sistemas construtivos, não existem alterações muito significativas e, a matriz compositiva da fachada, mantém os três vãos por piso, embora a porta de entrada aumente consideravelmente de altura e passe a situar�se �unto a uma das paredes de meação, e no segundo piso apenas exista uma varanda central. A casa desenvolve�se em dois pi� sos, por vezes três, acima do piso da cave, existindo muitas vezes um piso recuado.

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Esta é a tipologia que caracteriza a habitação corrente portuense sensi� velmente entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do seguinte, podendo ser observada em ruas como a Avenida Rodrigues de Freitas, Rua e Avenida da Boavista ou Rua de Álvares Cabral.

Fig. 24 � Tipologia da habita� ção liberal monofuncional.

Fig. 25 � Habitações liberais; Rua de Álvares Cabral.

62 5.2. Descrição do sistema construtivo: a aplicar nos modelos

Antes de partir para a elaboração dos três modelos que representam a casa burguesa do Porto, entre os séculos XVII e XIX, é importante efectuar�se uma descrição dos diversos elementos comuns às três épocas e dos ele� mentos que, não o sendo inicialmente, foram posteriormente introduzidos de forma generalizada. Com isto, pretende�se lançar uma base construtiva comum às três épocas, que permita orientar a construção e uniformizar os elementos presentes nos três modelos da casa burguesa.

Para tal, procede�se a uma descrição sumária das estruturas e elementos primários e secundários comuns às três épocas, tendo como referência a descrição do sistema construtivo da casa burguesa [Teixeira, 2004]. Este estudo não pretende entrar numa descrição detalhada, apenas dar a conhe� cer os diversos elementos construtivos que farão parte dos três modelos. Ao mesmo tempo, são atribuídas dimensões específicas a cada elemento, salientando, assim, a ideia de standardização dos elementos da casa por� tuense, pois ainda que na realidade não se observem dimensões fixas, elas variam dentro de limites muito pequenos.

Estruturas e elementos primários

As paredes de meação são em alvenaria de perpianho de granito, de apa� são em alvenaria de perpianho de granito, de apa� em alvenaria de perpianho de granito, de apa� relho irregular, e com 45 cm de espessura; o revestimento interior é feito com rebocos à base de argamassas de saibro e cal, com acabamento estu� cado e pintado.

Os sobrados são constitu�dos por uma estrutura de vigas em forma de paus rolados com 25 cm de diâmetro, afastadas entre si 50 cm e flanqueadas em duas faces para receber o soalho e o tecto. O vigamento começa e termina com uma viga encostada em cada fachada, sendo travada na perpendicular por tarugos com 18 cm de diâmetro, afastados entre si cerca de 150 � 180 cm. Os pavimentos são revestidos por um tabuado com 3 cm de espessura, 20 cm de largura e de comprimento variável, pregado directamente aos paus rolados. Os tectos, quando não são em madeira, são revestidos e acabados em gesso, suportado pelos fasquios, que por sua vez, estão pregados a uma estrutura intermédia de barrotes com uma dimensão de 5 cm por 7 cm, espaçados entre si 50 cm12.

A estrutura das coberturas é, na sua essência, idêntica ao longo das três épocas abordadas no estudo. A grande diferença encontra�se nas asnas

12. Antes da generalização dos tectos em estuque a partir dos meados do século XIX, os mesmos eram revestidos por um tabuado directamente pre� gado às vigas de pau rolado.

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onde, até ao século XVIII, prevalece a utilização da asna simples e, a partir dos meados do século XIX, começa a ser utilizada a asna complexa ou de pendural. Independentemente do tipo de asna utilizada, o travamento lon� gitudinal é feito através do pau de fileira e das madres no topo e a meio das pernas, respectivamente, e a transição para a tacaniça é realizada por dois rincões apoiados no pau de fileira e no contrafrechal, entre as paredes de meação e as paredes de fachada. Os elementos referidos, com excepção do contrafrechal e de partes que compõe a asna complexa, são vigas de pau rolado como as utilizadas nos sobrados. Sobre esta armação é colocado o varedo, ao qual depois é pregado perpendicularmente o ripado, para apoio das telhas de Marselha13.

Estruturas e elementos secundários

As paredes das fachadas são constitu�das por alvenaria de granito, sobre� tudo pedras de cantaria em forma de lancis, tendo 70 cm de espessura. O revestimento interior é igual ao das paredes de meação e o exterior pode ser estucado e pintado ou revestido de azule�o. Apesar do azule�o se ter tornado o revestimento t�pico das casas do Porto apenas nos meados do século XIX, ho�e é poss�vel encontrá�lo em muitas casas dos per�odos anteriores. Assim, neste estudo adopta�se o revestimento de estuque pintado para o modelo da casa do século XVII, utilizando nos dois modelos dos séculos seguintes o revestimento de azule�o.

É possível verificar que “(…) com raras excepções todas as velhas casas do Porto apresentam, de uma maneira ou de outra, qualquer espécie de construção suplementar, as mais das vezes de tabique, que ora se enxerta no telhado e lhe aproveita o vão, como as trapeiras, ora se eleva acima dele, como os mirantes e os andares sobrepostos, que podem ser recuados ou à face do prédio.” [Oliveira, 2003, p. 351] Nos modelos será aplicada a parede de tabique simples reforçado, a qual é “ (…) constitu�da por bar� rotes de secção quadrangular, com 7 cm de lado, dispostos em forma de prumos, frechais, travessanhos, vergas e escoras.” [Teixeira, 2004, p. 113] Esta armação é revestida por um tabuado de 2 cm de espessura, ao qual pelo interior se prega um fasquio, que recebe um acabamento semelhante ao das paredes de meação e de fachada e, pelo exterior, é colocado um ripado, para receber o revestimento em reboco, azule�o, soletos de ardósia ou chapa zincada, consoante a época.

“As paredes interiores, de compartimentação e da caixa de escadas, eram

13. Inicialmente as coberturas eram revestidas com telha de canal – telha vã – assentes di� rectamente sobre o guarda�pó e fixas com argamassa, pois não tinham encaixe entre si. No entanto, foram sendo subs� titu�das pela telha de Marselha aquando da sua vulgarização.

64 igualmente constru�das em tabique simples ou tabique simples reforçado.”

[Teixeira, 2004, p. 46] Nos três modelos das casas portuenses aplicar�se�á unicamente a parede de tabique simples de tabuado duplo, que se �ulga ter sido utilizada a partir do final do século XVIII, pois, com todas as modifi� cações que as casas anteriormente constru�das sofreram, é muito provável que as suas paredes interiores tenham sido reerguidas neste sistema mais recente.

As escadas das casas portuenses podem ter dois ou três lanços e a ligação entre o piso térreo e o primeiro piso é geralmente feita por uma escada de um lanço ou ortogonal – mais à frente, indicar�se�á o tipo de escada aplica� da em cada um dos modelos. No entanto, todas seguem o mesmo princ�pio de construção: o vigamento do sobrado é interrompido, recorrendo�se a cadeias e chincharéis para formar os patamares das escadas; os lanços são constitu�dos por duas ou três vigas pernas, dependendo da largura das es� cadas, estando apoiadas nas candeias dos patamares; sobre as pernas são colocadas as tábuas dos cobertores e dos espelhos dos degraus, com 4 cm e 2 cm respectivamente.

Como referido, as clarabóias surgiram nas casas do Porto durante o sé� culo XVIII, no entanto, estas foram posteriormente acrescentadas a muitas casas que originalmente não as possu�am, tornando�se um elemento cor� rente. Existe uma grande variedade formal de clarabóias – quadrangulares, rectangulares, circulares ou el�pticas, com lanternins ao correr das águas ou salientes –, contudo o princ�pio construtivo é o mesmo. “O tipo mais comum é o da clarabóia circular ou el�ptica, em forma de pequena cúpula de vidro – muitas vezes com vidros de cor – montada numa base cónica de barrotes dispostos à feição, cobertos de telhas ao alto, e revestidas com rede protectora.” [Oliveira, 2003, p. 355] O revestimento de telhas ao alto foi, progressivamente, substitu�do pela chapa zincada, que se tornou o revesti� mento mais comum.