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Carnaval de 2012

No documento stephanielyaniedemeloecosta (páginas 155-159)

2. AIDS COMO QUESTÃO COMUNICACIONAL

4.1 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS CAMPANHAS

4.1.2 Campanhas do Ministério da Saúde

4.1.2.7 Carnaval de 2012

Segundo o Ministério da Saúde, os jovens gays de 15 a 24 anos foram o principal foco da campanha porque, de 1998 a 2010, os casos de Aids nessa população subiram 10,1%. O conceito da campanha era: “Na empolgação pode rolar de tudo. Só não rola sem camisinha. Tenha sempre a sua”. Entretanto, o filme veiculado em TV mostrava dados epidemiológicos, sem público-alvo definido. Já o filme destinado à população homossexual teve sua exibição restrita à internet e a casas noturnas. A sociedade civil acusa o MS de censura e de ter agido

conforme orientação da bancada evangélica. Analisaremos o filme exibido na TV, disponível no CD como arquivo intitulado “Carnaval 2012”172

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A trilha sonora do filme é um samba, feito com pandeiro. Ele começa com uma jovem de uns 25 anos de idade, enquadrada em plano americano frente a um fundo azul. No canto superior direito, a logomarca do SUS, que permanecerá ao longo do filme. A jovem diz “O carnaval está aí e a gente não pode esquecer...”. Corte para um close em seu rosto. Ela termina a frase: “...A Aids é sempre uma ameaça”. Corte para um jovem de uns 25 anos de idade, enquadrado em plano americano frente a um fundo laranja. Ele diz: “Nos últimos 12 anos, houve um aumento de mais de 10% no número de casos entre jovens gays de 15 a 24 anos.” Enquanto ele diz isso, aparecem na tela, no seu lado esquerdo, os dizeres “aumento de mais de/ 10%/ nos casos de Aids entre/ jovens/ gays/ de 15 a 24 anos”, sendo que estão em destaque, em negrito e letra maior, as expressões “10%”, “jovens gays”. Corte para a jovem, enquadrada em plano americano conforme a cena anterior do garoto. Ela diz: “Entre os jovens de 13 a 19 anos, a relação é de 10 meninas infectadas para cada 8 meninos.” Enquanto ela diz isso, aparecem na tela, no seu lado esquerdo, os dizeres “10 mulheres infectadas para cada 8 homens infectados de 13 a 19 anos”, ganhando destaque os números 10 e 8. Corte para o jovem, enquadrado em plano americano conforme a cena anterior. Ele diz: “E, para piorar, o uso de camisinha entre os jovens está diminuindo”. Enquanto ele diz isso, aparecem na tela, no seu lado esquerdo, os dizeres “Apenas 43% dos jovens usam a camisinha regularmente”, ganhando destaque as expressões “43%” e “usam”. Corte para enquadramento em close do garoto. Ele diz: “Por isso, se você quer curtir o carnaval com tranquilidade, lembre-se:...”. Corte para plano americano central do garoto. Ele termina a frase: “...usar camisinha é a forma segura de se prevenir.” Ele caminha para o lado esquerdo da tela, saindo de cena. Enquanto isso ocorre, aparecem no centro da tela os dizeres “Aids não tem cura. Previna-se”, ao mesmo tempo em que ouvimos um narrador dizer o mesmo. Esses dizeres dão lugar aos logotipos do SUS, do MS e do Governo federal. No canto superior direito, lê-se “SUS

também é prevenção. Use camisinha”. Enquanto vemos essa tela, ouvimos o narrador dizer “Ministério da Saúde. Governo federal”.

Esta campanha filia-se à FDy, por seu discurso biomédico de prevenção (“Por isso, se você quer curtir o carnaval com tranquilidade, lembre-se: usar camisinha é a forma segura de se prevenir.”). Ela retoma a fase “terrorista” das primeiras campanhas ministeriais, ao dizer que “Aids não tem cura.” e que “A Aids é sempre uma ameaça”. Discursos como estes contribuem para estigmatizar as PVHAs.

O leitor imaginado é um jovem que não usa camisinha regularmente. Os elaboradores do filme acreditam que, ao lhe informarem dados epidemiológicos sobre a Aids, conseguirão persuadi-lo à mudança de comportamento. Como vimos, estratégias como esta se enquadram na Teoria Hipodérmica e já se provaram ineficazes há muito tempo.

Interessante é o discurso sobre o SUS, que surge nesta peça: “SUS também é prevenção. Use camisinha”. O “também” retoma uma memória discursiva, bastante presente na imprensa brasileira, segundo a qual o SUS é ineficaz por, muitas vezes, negligenciar as ações preventivas e ter, como consequência, uma sobrecarga nos serviços curativos. Vê-se funcionar, aqui, o dilema preventivista, estudado por Sérgio Arouca, abordado por nós no capítulo anterior. Ao mesmo tempo, ao dizer “use camisinha”, o discurso transfere para o indivíduo a responsabilidade estatal de prevenção.

4.1.2.8 Dia Mundial de Luta Contra a Aids de 2012

Segundo o Ministério da Saúde173, a campanha enfatizava e incentivava o diagnóstico precoce do HIV, o sigilo e confidencialidade do teste, além do respeito aos direitos humanos. Adotava como slogan "Não fique na dúvida, fique sabendo". O público-alvo das campanhas de massa foi a população geral das classes sociais C, D e E. Já as campanhas segmentadas destinavam-se a profissionais e gestores de saúde, HSHs, travestis e mulheres profissionais do sexo. A estratégia previu a veiculação das mensagens em Internet, TV, rádio e salas de cinema. Analisaremos o filme feito para TV, disponível no CD como arquivo intitulado “Dia Mundial 2012 Silvia”174

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173 Disponível em http://bit.ly/Ky4pGR. Acesso em 08 jan 2014. 174

O filme tem uma trilha sonora instrumental tranquila e alegre. Ele começa com Silvia Almeida, uma mulher branca de meia idade, sentada em um sofá numa sala de casa. Na tela aparecem dizeres em branco, no canto inferior: do lado esquerdo de Silvia, consta “Silvia Almeida”; do seu lado direito, “Depoimento real.”. No canto superior direito, aparece a logomarca da campanha “Fique Sabendo”. Os dizeres “Depoimento real” e a logomarca permanecerão na tela até o fim do vídeo. Silvia começa dizendo, com aparência tranquila: “Há 17 anos eu vivo com HIV.” Corte seco para imagens breves de um porta-retrato em que Silvia aparece abraçando uma menina, ambas sorridentes. Novo corte seco, mostrando rapidamente em close as mãos, aparentemente de Silvia e de uma criança, sobre a mesa, manuseando peças de um jogo infantil. Outro corte seco, para imagens breves de um porta- retrato cuja foto é de um bebê. Enquanto todas essas imagens aparecem, ouve-se Silvia dizer: “Tenho 2 filhos, 2 netos...”. Corte seco para uma imagem rápida de Silvia agachada à mesa da sala, sobre a qual brinca um jogo com seus dois netos. Novo corte seco para a sua filha acariciando a cabeça de uma das crianças. Corte seco para Silvia soprando bolhas de sabão. Corte para um dos netos, que se diverte estourando as bolhas. Durante todas essas cenas curtas, ouve-se Silvia dizer: “É..., trabalho, curto a minha família...”. Corte seco para Silvia, em close, sorridente, abraçada a seu neto, sentado em seu colo. Corte seco para imagens dos pés de Silvia dançando com seu outro neto. Corte seco para Silvia, em close, que agora recebe um afago em seu rosto por seu neto. Durante todas essas cenas curtas, ouve-se Silvia dizer: “Adoro ir ao cinema, viajar, dançar... Tenho uma vida com qualidade.”. Novo corte seco para Silvia, que está sentada no sofá, conforme o início do filme. Ela diz “Mas tudo isso só é possível porque eu fiz o teste de Aids e fiquei sabendo a tempo de me cuidar.” Corte seco para Silvia acariciando a cabeça de um de seus netos, sorridente. Surgem na tela os dizeres, em branco: “O teste é gratuito, rápido, seguro e sigiloso. Procure uma unidade de saúde”. Enquanto isso, ouve-se um narrador masculino dizer: “O Governo federal garante o teste de Aids. Não fique na dúvida; fique sabendo! Faça o teste! Procure uma unidade de saúde. Melhorar sua vida, nosso compromisso.” À medida que ele fala, a tela vai ficando mais transparente. Desaparecem os dizeres anteriores, dando lugar às logomarcas do Dia Mundial

de Luta Contra a Aids, do Disque Saúde, do SUS, do Ministério da Saúde e do Governo federal.

Esta campanha enquadra-se predominantemente na FDy, por seu discurso biomédico de prevenção. Pela primeira vez, na série de campanhas analisadas, a prevenção é abordada apenas através do incentivo à testagem ao HIV, sem haver qualquer menção ao uso do preservativo ou a outra forma de evitar o contágio por HIV. Portanto, esta campanha destina- se à prevenção da evolução para a Aids do quadro clínico dos infectados. O MS adota a posição-sujeito de autoridade sanitária que provê às pessoas o teste gratuito e sigiloso, visando “Melhorar sua vida. Nosso compromisso”. O leitor imaginado pelos elaboradores do filme são as pessoas que assumem comportamento de risco segundo as normas do MS e que, logo, podem estar infectadas.

A PVHA é mostrada como alguém que consegue viver com o HIV em seu corpo, desde que se teste o quanto antes e comece o tratamento adequado. Trata-se de uma mirada meramente biomédica sobre as implicações do HIV/Aids, que atribuiu ao sujeito, na forma do cuidado sobre a sua saúde, a possibilidade de ter uma vida agradável ou não. Essa campanha ignora, portanto, outros aspectos sociais e negativos ligados à Aids que impactam a saúde do sujeito, como o preconceito. Portanto, todas as campanhas analisadas que abordam a questão da discriminação às PVHAs estão em oposição a esta campanha do MS. Para efeito de comparação, contrastamo-la com a campanha do Grupo Vhiver, feita também para o Dia Mundial do mesmo ano. Enquanto o filme da OSC aponta para os problemas sociais vividos pelas PVHAs desde o seu diagnóstico (como desemprego e rejeição dos amigos e familiares), esta campanha do MS mostra uma PVHA que trabalha e é querida pela família, e incentiva a testagem como meio justamente de os infectados terem uma vida melhor. Portanto, enquanto em uma campanha ao diagnóstico seguem-se problemas e dificuldades, na outra ele é visto como a solução.

No documento stephanielyaniedemeloecosta (páginas 155-159)