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Dia Mundial de Luta Contra a Aids de 2012

No documento stephanielyaniedemeloecosta (páginas 140-142)

2. AIDS COMO QUESTÃO COMUNICACIONAL

4.1 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS CAMPANHAS

4.1.1 Campanhas do Grupo Vhiver

4.1.1.6 Dia Mundial de Luta Contra a Aids de 2012

Analisaremos a peça para TV, disponível no CD como arquivo intitulado “Expulso”159 .

A campanha inicia-se com uma mulher branca, entre 55 e 60 anos de idade, sentada em um sofá da sala de casa. Close em seu rosto, enquanto ela diz: “Eu sentia os vizinhos me olhando.” O enquadramento da câmera abre-se um pouco. Ela diz “ ‘Olha lá! Lá vai a diabética!’”. Corte seco para um jovem adulto branco, entre 25 e 30 anos de idade, sentado frente a uma mesa de trabalho, dentro do quarto de uma casa. Ele diz: “Quando meu chefe descobriu, ele me chamou na sala dele e perguntou ‘Você tem alergia?’”. Corte seco para outro jovem adulto branco, de olhos azuis, entre 25 e 30 anos de idade, enquadrado em close

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num ambiente que se parece a um parque ou praça. Ele diz: “Meu pai ficou revoltado. ‘Câncer? Fora da minha casa! Eu não criei filho pra isso!’”. Corte seco para uma jovem adulta branca, entre 25 e 30 anos de idade, sentada à mesa de uma cozinha, enquadrada em close. Ela diz: “Eu falei com a minha amiga ‘Deu positivo... a hipertensão’ ”. Corte para outro enquadramento em close, no qual a jovem coloca as mãos no rosto, em gesto de desespero. Corte para novo enquadramento em close. Ela diz: “Você precisava ver a cara dela”. Corte seco para a primeira mulher, enquadramento em close. Ela diz: “Eu nunca pensei que eu fosse ter diabetes”. Corte seco para o primeiro jovem, enquadramento em close. Ele diz: “ ‘Eu não tenho nada contra alergia. Eu gosto do seu trabalho... mas é que... não pega bem pra empresa, né?’ ”. Corte seco para o segundo jovem, enquadramento em close. Ele diz: “Minha mãe não fala mais comigo”. Corte seco para enquadramento do seu rosto, momento em que o jovem fica em silêncio, cabisbaixo. Novo corte seco para o enquadramento de antes. O jovem diz: “Meu irmão me despreza”. Corte seco para a moça, que agora segura uma caneca nas mãos. Ela diz: “Aí o pessoal foi se afastando, né?”. Ela olha triste para baixo, para a caneca, e complementa: “Todo mundo”. Corte seco para o primeiro jovem, enquadrado em close. Ele diz: “Terceira demissão seguida... É difícil arrumar emprego, viu?”. Enquanto ele fala isso, aparecem na tela, sobre seu rosto, os dizeres em branco e letras garrafais: “E se todo mundo tratasse os outros doentes como trata os soropositivos?”. Corte seco para o segundo jovem, enquadrado em close. Os dizeres na tela permanecem. O garoto diz: “Câncer, cara. Onde eu vou morar?”. Os dizeres na tela somem. Corte seco para a primeira mulher, enquadrada em

close. Ela diz: “A gente sente o preconceito na pele”. Corte seco para a jovem, cujo rosto é

enquadrado em close. Ela está com as mãos ao rosto, em gesto de desespero. Aparecem novos dizeres na tela: “Ajude a gente a apoiar quem tem Aids”. Ela diz: “Até a minha melhor amiga...” A tela escurece e aparece, em branco, a logomarca do Grupo Vhiver, com o número de telefone e os dizeres: “Doe pela sua conta da Cemig”. Como aúdio, a continuação da frase anterior da jovem: “Eu só queria que ela estivesse do meu lado”.

Esta campanha argumenta que ter Aids não é o mesmo que ter diabetes, alergia, câncer, hipertensão ou outra doença. E não o é apenas por uma questão biológica e de seus efeitos no organismo, mas porque a Aids fomenta estigmas e preconceitos das mais diversas ordens, vindos inclusive dos amigos e da família. Novamente, a FDx opera os sentidos dominantes na campanha.

Observamos que o fato de identificar uma FD já nos leva de antemão a também identificar uma outra FD concorrente, no mínimo. O dito contra um preconceito, mesmo que

não citado, é a própria reafirmação de que ele existe em algum lugar do interdiscurso - definido na AD como o conjunto de discursos de uma época ou sociedade. Outras FDs aparecem também neste não-dito da linguagem. Se a ênfase é o comportamento social entre soropositivos e soronegativos, é porque as campanhas acima estão numa relação de tensão com discursos que reduzem a questão aos riscos biomédicos e ao estatuto biomédico do indivíduo na sociedade (como doente/não doente, por exemplo). Em cada momento, percebemos que a FDx operante nas campanhas está em processo de diálogo com uma ou outra destas FDs. Aparece, também no espaço de enunciação, um jogo de antecipações ou rebatimentos com interlocutores institucionais. Percebe-se que, por vezes, é ao discurso dos governos que ela se dirige; em outras, aos do senso comum; outras, ainda, às instituições médicas; e, muitas vezes, a todos estes sujeitos do discurso, ao mesmo tempo.

Nesta campanha, o soropositivo é visto como alguém discriminado pelos vizinhos, rejeitado pela família, excluído do seio das amizades e com dificuldade de manter o emprego, por conta do preconceito. Percebemos com o slogan (“E se todo mundo tratasse os outros doentes como trata os soropositivos?”) que os soropositivos são igualados aos doentes de Aids. Na concepção biomédica, há uma diferença entre um e outro: soropositivo é quem tem o vírus HIV, sem necessariamente ter a doença Aids. Reitera-se, mais uma vez, a fragilidade da fronteira entre os conceitos de normal e patológico na sociedade contemporânea, discutida no terceiro capítulo.

O leitor imaginado é, pela primeira vez nas campanhas do Grupo Vhiver aqui analisadas, alguém necessariamente preconceituoso às PVHAs, porque todo mundo o é (“E se todo mundo tratasse os outros doentes como trata os soropositivos?”), mas ele pode mudar isso ao fazer uma doação à OSC – pela primeira vez, explicitamente em dinheiro (“Ajude a gente a apoiar quem tem Aids/ Doe pela sua conta da Cemig””).

No documento stephanielyaniedemeloecosta (páginas 140-142)