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Síntese da análise sobre as campanhas

No documento stephanielyaniedemeloecosta (páginas 176-178)

2. AIDS COMO QUESTÃO COMUNICACIONAL

4.1 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS CAMPANHAS

4.1.4 Síntese da análise sobre as campanhas

A formação discursiva predominante nas campanhas do Grupo Vhiver é aquela que pede pelo fim do preconceito às PVHAs. O leitor imaginado pelos seus elaboradores é, majoritariamente, alguém que não é preconceituoso às PVHAs ou que, quando é capaz de sê- lo, pode revertê-lo ajudando os soropositivos através de uma doação ao Grupo Vhiver. O soropositivo é concebido como alguém que, todos os dias, é vítima da discriminação e do preconceito, tanto da sociedade em geral quanto dos próprios amigos e familiares. O Grupo Vhiver posiciona-se como uma instituição que os apoia na luta contra o preconceito. Mas, ao mesmo tempo, percebe-se nas peças que não há um “nós” formado por esta OSC e os soropositivos conjuntamente, mas sim a separação entre os dois – resultando, na maioria das suas campanhas, na colocação do soropositivo como objeto, e não sujeito, de discurso.

As campanhas do MS foram as que mais se filiaram a formações discursivas distintas. A mais predominante foi a FDy, na qual estão os discursos biomédicos da prevenção. Entretanto, houve também, ainda que em menor número, campanhas que abordavam o preconceito e o estigma a PVHAs. Na série analisada, foi a única instituição que abordou o preconceito aos LGBTs. Percebe-se que o MS luta para desconstruir discursos que muitas vezes ajudou a propagar no início da epidemia, como a noção de grupos de risco (hoje, substituída pela de vulnerabilidade) e a ideia de serem as PVHAs fadadas à morte e ao isolamento.

Notou-se que as campanhas do MS de Dia Mundial de Luta Contra a Aids buscam retratar positivamente a PVHA, como alguém que pode namorar e transar, desde que com camisinha (campanha do Dia Mundial de 2009), que é igual a outra qualquer, que ama a família e os amigos, que sente emoções boas e tristes, que supera desafios (campanha do Dia Mundial de 2010), que trabalha e tem qualidade de vida (campanha do Dia Mundial de 2012), principalmente se fizer o teste cedo e se tratar, protegendo, assim, também o parceiro (campanha do Dia Mundial de 2013).

Nas suas campanhas de carnaval, entretanto, surgem possibilidades de leitura que emitem juízo de valor negativo sobre as pessoas que não seguem as recomendações sanitárias – logo, sobre os que “se deixaram contaminar”. Eles são vistos como imaturos, sem consciência, inseguros, que não estão "à altura" (campanha do carnaval de 2009), uma ameaça (campanha do carnaval de 2012), que devem tomar remédio a vida inteira (campanha do carnaval de 2013). Portanto, aqueles que não se submeteram ao biopoder antes terão de se submeter a novas biopolíticas se quiserem sobreviver.

O leitor das campanhas do MS imaginado pelos seus elaboradores são, principalmente, pessoas que não usam camisinha (porque esquecem, porque não têm poder de negociação, porque atribuem ao outro o papel da prevenção, ou porque acreditam na fidelidade). Prega-se, na maioria das peças, o uso da camisinha em toda e qualquer relação sexual. Não se reconhecem como legítimos, portanto, motivos outros que levam os sujeitos a não adotarem o preservativo. Ele é um acessório importante no combate à epidemia de Aids e seu uso deve, claro, ser estimulado. Entretanto, é necessário estar atento a significações outras que ele carrega em nossa cultura: o modelo monogâmico de relações afetivas reconhece as pessoas que o utilizam como “infiéis”; quem insiste em seu uso também é julgado como “infectado” – uma identificação desagradável porque, como vimos, traz estigmas.

Todas as campanhas analisadas da SES-MG filiam-se à Formação Discursiva “y”, na qual estão os discursos biomédicos da prevenção. Mesmo nas campanhas de Dia Mundial de Luta Contra a Aids, data propícia à abordagem do preconceito e estigma vividos pelas PVHAs, priorizou-se o discurso de incentivo ao uso da camisinha, cujas possibilidades de leitura emitem, inclusive, juízo de valor negativo sobre os que não aderiram a ele, e por isso, se infectaram. São tidos como pessoas quem “fizeram feio” (campanha do carnaval de 2010), de quem devemos nos “proteger”; pessoas que não se “preocuparam” e, por isso, têm a “consciência pesada” (campanha do carnaval de 2011), que fizeram “a escolha errada” e “apostaram sua vida” (campanha do dia mundial de 2011); que não “se cuidaram” e nem “aos outros que amam” (campanha do dia mundial de 2012), que transgrediram o que “está liberado” e “estragaram a brincadeira” (campanha do carnaval de 2013). Os discursos mais autoritários de prevenção foram encontrados nas campanhas da SES-MG.

Fica-nos claro o porquê de o Grupo Vhiver, ano após ano, insistir em campanhas que abordem o preconceito às PVHAs: há resistências de certos sujeitos em sociedade identificados com discursos outros sobre os infectados, alguns dos quais estão presentes nas

campanhas de prevenção à Aids – mesmo que não tenha sido intencionado pelos seus elaboradores.

Nenhuma campanha de prevenção, mesmo quando dirigida às mulheres, abordou o uso do preservativo feminino, a PEP (profilaxia pós-exposição) ou a circuncisão masculina – métodos preventivos encorajados pela UNAIDS. Ademais, não reconhecem como legítimas outras formas de prevenção, adotadas pelos sujeitos em suas cotidianidades, como o

serosorting (transar sem camisinha apenas com parceiros sexuais que tenham se testado

recentemente negativos ao HIV), a segurança negociada (transar sem camisinha apenas com o parceiro fixo; com outros parceiros casuais, usar o preservativo), o soroposicionamento (admitir receber sexo anal sem camisinha apenas com pessoas testadas negativas ao HIV recentemente) ou a compensação de risco (fazer sexo com camisinha apenas na penetração, mas não no sexo oral ou na masturbação).

Os discursos de prevenção à Aids, tanto do MS quanto da SES-MG, mesmo ao abordar as formas de contágio por HIV através de listas como “Assim pega/ Assim não pega”, priorizam a via sexual. Assim, responsabilizam o indivíduo pelo cuidado à sua saúde e à dos demais, silenciando-se sobre as formas de transmissão que incutem a participação efetiva do Estado, como na transmissão vertical (pois requer a oferta do pré-natal) e por meio de transfusão sanguínea (pois requer fiscalização dos bancos de sangue).

O MS e a SES-MG exercem o biopoder ao disseminar informações sobre o HIV/Aids que julgam ser as mais corretas, dado que científicas, através de suas campanhas e, assim, formam parte da estratégia de disciplina dos corpos e de vigilância da população adotada no Brasil para o combate à epidemia.

No documento stephanielyaniedemeloecosta (páginas 176-178)