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CAPÍTULO 4: ANÁLISE

4.3 A REDE DE APOIO SOCIAL DAS JOVENS E O CIRCUITO QUE (DES)INTENGRA

4.3.3 Carreiras escolares e atividades laborativas

Como pontuado no início do primeiro eixo analítico, as entrevistadas tiveram suas primeiras experiências de maternidade entre os 15-20 anos, caracterizando uma gravidez na adolescência (OMS, 1987). Conforme explicado anteriormente, opto por não usar a categoria adolescência. Todavia, pela existência de uma articulação entre a gravidez nesta fase da vida com o abandono escolar e compreendendo a experiência das jovens como um problema de saúde pública, discutirei, a partir das interlocutoras dessa pesquisa, como esses dois fenômenos – maternidade e educação – relacionaram-se em suas vidas.

O discurso que considera a gravidez na adolescência como um fenômeno sempre problemático, vai influenciar as ações de planejamento familiar sempre no sentido de postergar a maternidade. Todavia, acerca desses aspectos, Karla Adrião et. al (2010) em pesquisa intitulada: “Significados e práticas relacionadas à gravidez na adolescência em

diferentes redes de convívio e apoio: um estudo comparativo entre as mesorregiões da região metropolitana do Recife e do Sertão (PE)” pontua que essa visão desconsidera a autonomia

das jovens e a possibilidade da maternidade como um projeto de ascenção destas na comunidade.

Nesse sentido, Aguiar (2014) refere que a gravidez pode ser desejada como uma forma de ascender socialmente em um ambiente em que a escola já não é mais atrativa e com poucas oportunidades de trabalho. Diante do status social materno as jovens podem compreender essa experiência enquanto um rito de passagem de filha para mãe, de adolescente para mulher. Além disso, pesquisas (ADRIÃO et. al, 2010; HEILBORN, 2003; ARAÚJO et. al., 2012) relatam que, entre as jovens entrevistadas nestes estudos, haviam vínculos fragilizados e até rompidos com a escola antes da gravidez acontecer e que a causa do abandono escolar entre

as jovens pesquisadas estava mais vinculada com o fato delas considerarem a instituição escolar desinteressante.

Corroborando o fenômeno observado nas supracitadas pesquisas, algumas das jovens por mim entrevistadas já tinham rompido com o projeto educacional antes da primeira gravidez, como pode ser observado no diálogo com Brenda e Thaís, complementados pelo diário de campo:

Shirleidy: Tu estudaste até que série?

Brenda: Sétima série. [...] Eu estava fazendo sétima e oitava, eu estava fazendo EJA [Educação de Jovens e Adultos]. Aí, depois, eu parei.

Shirleidy: E tu paraste por quê?

Brenda: Sei lá, preguiça também. Uma preguiça, e outra, que eu só queria ficar andando sem ter o que fazer. Sem ter preocupação com nada, né? Aí eu parei de estudar.

“Antes do início da entrevista, expliquei à Thaís os termos do livre consentimento e da pesquisa, pedindo que a jovem assinasse o termo. Ela me informa que não sabe assinar” (DIÁRIO DE CAMPO, 2014).

Shirleidy: E deixa eu te perguntar uma coisa: eu te falei do negócio da escola e não te perguntei. Tu estudaste até que série?

Thaís: Primeira [Risos].

Shirleidy: E tu paraste com quantos anos, então?

Thaís: Eu parei com 10. Quando desviei do caminho. [...] Era muita maconha, muita maconha mesmo.

Shirleidy: Aí tu paraste a escola por conta disso mesmo?

Thaís: Parei, (...) por causa das amizades. Porque eu pensava mais nos amigos, do que na escola.

As quatro jovens interlocutoras apresentam projetos educacionais interrompidos, tendo todas parado de estudar durante o Ensino Fundamental. Embora eu não tenha questionado acerca da razão do abandono escolar a todas as entrevistadas, as duas jovens que trouxeram esse conteúdo, apresentam suas histórias de desistência escolar, se culpabilizando pelo abandono, ao definir as causas como: preguiça, desinteresse, ou o início do uso de substâncias psicoativas. Entretanto, observo que Thaís – que é analfabeta – refere que

abandonou a escola aos 10 anos, quando “desviou do caminho”, na idade em que iniciou o uso de substâncias psicoativas. Porém, a jovem tinha 10 anos e estava na 1ª série do ensino fundamental (2º ano, segundo a nova classificação), o que já aponta um atraso escolar, ou seja, já havia aí na relação com a escola dificuldades anteriores ao uso de maconha e ao nascimento do primeiro filho, fato que veio ocorrer aos 16 anos. No que se refere à fala de Brenda, é viável identificar que o fenômeno se repete, ela diz que, ao mudar para a casa dos pais, desistiu da escola por “preguiça”, porém, a mesma já estava inserida na educação de jovens e adultos (EJA), o que indica dificuldades anteriores.

Esses dados, juntamente a meu contato com as crianças que moram perto de Thaís – inclusive seus filhos – que não frequentam a escola, me mobilizaram a pensar se a escola pública atua na vida dos/as jovens de classes baixas como uma possibilidade de transformação de sua realidade, abrindo-lhes perspectivas de futuro. Esse mesmo questionamento foi levantado por Cibele Aguiar (2014), pontuando que, apesar da educação ser compreendida na constituição brasileira como necessária ao pleno exercício da cidadania, as instituições escolares são geridas a partir de políticas educacionais insuficientes, descontínuas e desenvolvidas sob uma perspectiva universalizante, que em pouco ou nada se relacionam com as camadas mais baixas da população.

Ainda segundo Aguiar (ibid), um ciclo em torno da pobreza é evidenciado: baixa escolaridade – baixa qualificação – poucas oportunidades – trabalho informal. Na vida das interlocutoras dessa pesquisa, esse ciclo também pode ser percebido, confirmando a literatura. Aliada à questão escolar, foram notórias as dificuldades das jovens em construírem carreiras de trabalho, mantendo-as à margem do mercado formal, tendo como fonte de renda – inclusive para financiar o uso do crack – atividades autônomas e informais, sendo essas: trabalho doméstico não regularizado, trabalho informal temporário, esmolas, tráfico, atos infracionais (furto), venda do corpo, entre outras. Isso foi evidenciado na fala de Thaís, ao expor sua atividade informal que dava acessibilidade às drogas, no período em que ela estava grávida do segundo filho:

Thaís: Eu saía com um carrinho de feira por Boa Viagem. Ia de Boa Viagem até no Entra Apusso, pedindo [...] comida, dinheiro, tudo, até roupa, fralda. Eu ganhava (...) muita fralda, [...] latas de leite e vendia, mentindo e dizendo que tinha filho que estava passando fome. [...] Eu pegava o dinheiro pra comprar o crack.

O depoimento a seguir, da interlocutora Larissa, acrescentou à conjuntura da exploração do trabalho infanto-juvenil, um acesso progressivo ao exercício do tráfico de drogas. Ela tinha 14 anos, quando sua tia a levou para trabalhar nos serviços gerais de uma casa de prostituição, cenário onde iniciou o uso e a venda do crack. Adiante, sua realidade foi marcada por ameaças, violência e privação de liberdade, tendo sido nesta complexidade contextual onde ela engravidou.

Larissa: Foi o dono do cabaré, que minha tia trabalhava na cozinha dele, aí eu ficava lá ajudando lá. Junto com ela, né? Ajeitar, varrer, lavar os pratos. Aí, daqui a pouco, eu vi ele fumando. Só que eu não sabia o que era aquilo, naquele tempo, era na lata. E aí eu peguei e fui perguntar a ele o que era. Aí, ele me chamou pra provar. Aí, eu provei.

[...] Shirleidy: Me fala um pouquinho sobre de lá pra cá como teu uso evoluiu, mudou.

Larissa: Ficou mais pesado, porque tinha um lugar lá, (...) onde as meninas ficavam se prostituindo, e como eu tinha amizade com os meninos lá embaixo, eu vendia pedra pros meninos lá em cima. Aí, eu comecei, vendia e fumava, (...) ai foi aumentando, aí depois, eu não pude mais ficar lá, porque eu estava arriscada de morte.

Shirleidy: E lá em Recife como foi que tu foste pra rua?

Larissa: Eu estava no Programa Luz, aí eu peguei e namorei com João e saí com ele pra rua. Aí fiquei grávida dele. (...) Foi preso eu e ele por 157. (...) Roubo à mão armada.

Dessa forma, a relação das jovens com as oportunidades de construir seus percursos de vida são limitadas pelo contexto social e econômico, dificultando-lhes inventar um projeto de vida que lhes possibilite quebrar o ciclo da miséria em que estão incluídas. Como pontua Edward MacRae:

O usuário é geralmente concebido, de maneira estereotipada, como irresponsável e incapaz de gerir adequadamente sua vida. Dessa forma, problemas estruturais da sociedade, como a má distribuição de renda, as deficiências dos sistemas de educação, saúde e segurança pública não são levados em conta (MACRAE, 2014, p. 37)

Diante disso, o discurso culpabilizador da mulher pela gravidez e/ou uso da droga para seu “fracasso escolar” é reducionista e não implica a responsabilidade social do Estado diante

dessas jovens. Afinal, é preciso ouvi-las antes de pressupor a gravidez como um erro de percurso que interfere na carreira escolar, ou se a gravidez é em si um projeto de vida e transformação do lugar social em que estão posicionadas as jovens.