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4.1 APROXIMAÇÃO ENTRE AS SEMIÓTICAS DELEUZE-GUATTARI-PIRCE NA GERAÇÃO DE SIGNIFICADOS

4.1.3 Cartografia do pensamento

Conforme visto, o tempo e o espaço são dimensões fundamentais na definição do signo. O tempo, por exemplo, é importante para a subjetividade e o

espaço está fortemente alinhado à aplicação de regimes semióticos.

A dimensão espaço é a base para o conceito de cartografia do pensamento em Deleuze-Guattari.

Este conceito reflete a ideia de movimentos (desterritorialização,

territorialização e reterritorialização) associados aos regimes semióticos, os quais

trazem à noção de território, e deste modo, podem ser registrados em uma cartografia.

A cartografia do pensamento é mais um ponto de aproximação entre as Semióticas de Peirce e de Deleuze-Guattari.

Enquanto na Semiótica de Deleuze-Guattari o processo cartográfico se dá através do registro de movimentos dos regimes semióticos, em Peirce, a cartografia

do pensamento ocorre quando ele estabelece a ideia de processo semiótico.

Para Peirce, o processo semiótico traz a visão de um caminho a ser percorrido pelo signo, indo do referente, passando pelo significante até o significado. Neste trajeto, o signo pode assumir diversos tipos de estados ou naturezas: objeto

imediato, objeto dinâmico, interpretante imediato, interpretante dinâmico e interpretante final.

O processo semiótico descreve um sistema de pensamento formatado como uma rede triádica, onde é possível estabelecer significados para os objetos:

signo interpretante objeto.

A rede ou esquema triádico aproxima as duas Semióticas por trazer consigo a ideia de que o signo sempre segue um fluxo.

Entretanto, apesar de próximas, há diferença entre ambas. Esta reside no fato de que Peirce trata a rede triádica como algo definitivo ao tentar catalogar todas as tríades possíveis, sendo este pensamento, contrário àquilo apresentado por Deleuze-Guattari. (CARDOSO JR., 2006)

De fato, apesar de apresentar o processo semiótico como uma semiose

infinita, a rede triádica na teoria peirceana se baseia numa ambiência fechada, não

prevendo conexões com outras ambiências.

Sendo assim, a aproximação entre Peirce e Deleuze-Guattari ocorre pela ideia da existência de uma cartografia do pensamento, ou registrando movimentos entre regimes semióticos ou registrando movimentos sobre um caminho (processo) semiótico. Registros de movimentos referentes às alterações na natureza dinâmica do signo ao longo do processo semiótico, e registros dos movimentos do signo através das mudanças nos territórios mentais (territorialização, desterritorialização e

reterritorialização).

De acordo com Peirce (2010, p. 49), o signo ao representar o objeto, torna-se um significante ao objeto, como algo perceptível ou desejado ou imaginável ou inimaginável em certo sentido. Sendo o significante não uma representação da realidade, mas o que dela é percebido como referência, o referente. Isto ocorre através da configuração de algumas qualidades do objeto (aquelas que o definem como referente) junto ao signo, significante.

Dependendo do ponto onde o signo é observado junto ao processo semiótico, a sua natureza irá variar conforme os tipos apresentados anteriormente. Isto toma a

cartografia do pensamento em perspectiva, onde a singularidade do signo também

aproxima as duas Semióticas.

Em Peirce, pode-se considerar singular a constatação de que há um entendimento pleno de um signo, a partir da familiaridade que o sujeito tem com o mesmo durante o processo semiótico. Ou seja, a presença do signo no dia a dia daquele que fala, implica na qualidade dos diversos estados assumidos pelo signo durante o processo semiótico.(ATKIN, 2010, p. 14-15)

Então, as duas Semióticas se aproximam em função da singularidade do

signo no contexto da cartografia do pensamento. Quando os filósofos franceses

afirmam que o signo é singular, não é apenas pelo que ele representa, mas também, pelo que ele traz em relação ao sentido da dinâmica e do funcionamento observados juntos ao objeto. Os filósofos franceses estão afirmando que os signos assumem estados ou ganham características na medida em que vão sendo produzidas

desterritorializações e reterritorializações.

Isto ocorre, segundo Guattari (1992, p. 58), pela presença do alinhamento

desterritorializado que retira aspectos de singularidade excessivos e faz com que o signo seja moldado, fielmente, considerando impressões formais que lhe são

extrínsecas.

Resumindo, a cartografia do pensamento se faz presente, tanto na Semiótica de Peirce como na de Deleuze-Guattari, e de certo modo se complementam e se estendem.

Um exemplo deste encontro está no processo de modelização42

da propa- ganda, ao se associar um comportamento ou uma atitude ao consumo de um produto ou de um serviço. Quando isto ocorre, o modelo se desloca sobre um processo semiótico, havendo uma leitura imediata, significando o produto ou o serviço. Há também uma leitura dinâmica, significando a associação entre o comportamento e o produto ou o serviço, além de uma leitura final, onde o modelo associativo se expressa de forma universal. Cabe observar, entretanto, que estas leituras são continuamente alteradas, nas dimensões de espaço e tempo, na medida em que desterritorializações ocorrem em função do consumo da propaganda.

O entendimento para o exemplo acima é que, estacionando na Semiótica peirceana, a modelização na propaganda, como ideia original, congela-se num primeiro momento. Em seguida, este momento é superado ao se incorporar a Semiótica proposta por Deleuze-Guattari, quando, então, a modelização entra num movimento de descongelamento e de congelamento, de modo sucessivo, em função do sentido dado ao seu consumo.

De certo modo, o que este exemplo mostra é que, a heterogeneidade é uma das bases no processo de aproximação e separação entre as duas Semióticas. Heterogeneidade esta, que de acordo com a Semiótica de Deleuze-Guattari, atua

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Modelização é um dos elementos que constitui a Filosofia Capitalista, pois através dela o indivíduo paga por algo pelo valor simbólico e não, pelo valor de uso. (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 17)

em relação à realidade, fazendo com que a mesma se apresente como um emaranhado complexo de fluxos que se cruzam e se descruzam, de modo contínuo.

Nesta Semiótica, a heterogeneidade implica em um sistema onde não há apenas uma decodificação de um código em outro, como define a Semiótica de Peirce, mas em um sistema que trata diferenças, singularidades e possibilidades.