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4.1 APROXIMAÇÃO ENTRE AS SEMIÓTICAS DELEUZE-GUATTARI-PIRCE NA GERAÇÃO DE SIGNIFICADOS

4.1.2 Regimes semióticos e Rizomas

Para explicitar o conceito de Semiótica mista, Deleuze-Guattari introduzem o que eles chamam de rostidade (lembrando que rostidade é a associação entre a

subjetivação e a significância na geração de um rosto, o significado, em um dado

domínio). (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 13)

Segundo Deleuze e Guattari (1996, p. 29), rostidade é o modo como nos dirigimos às multiplicidades da face do sujeito, sem congelar nenhuma delas. É um

signo fluído, que não se congela.

Rostidade, também é entendida como o ato do sujeito no exercício de papéis

delimitados por um significado. Por exemplo, um mesmo sujeito exercendo os

papéis de liberal em um partido político e de conservador junto à sua família.

Isto determina a Semiótica mista, estabelecida quando os eixos semióticos da

significância e da subjetivação se cruzam. No ponto de cruzamento se estabelece

um sistema muro branco-buraco negro que determina o surgimento de uma máquina

abstrata de rostidade.

A máquina abstrata de rostidade é responsável por produzir rostos concretos segundo as combinações adaptáveis de suas engrenagens. Produzir rostos

concretos é atribuir ao mesmo tempo, à significância seu muro branco e à subjetivação seu buraco negro.

Consolidada a Semiótica mista, Deleuze-Guattari se baseiam em Nietzsche para propor a superação do pensamento filosófico ocidental canônico, através da substituição do conjunto:

a) Representação.

b) Significação ou identificação (identidade estática). c) Universal.

d) Organismo ou corpo com órgãos.

Por outro conjunto, desta feita, composto por:

a) Subjetivação. b) Significância. c) Particular.

d) Corpo sem órgão ou CSO.

Há permuta de um conjunto por outro foi chamada de transmutação de

conceitos ou transvaloração. (HOLLAND, 1999, p. 22)

A transvaloração propiciou a substituição do pensamento estruturado (corpo

com órgãos) baseado em representação, significação e universal, pelo pensamento

não estruturado ou pós-estruturado (corpo sem órgãos) baseado em subjetivação,

significância e particular.

CSO passa a ser o marco inicial de qualquer produção criativa, a potência para criação em qualquer área. Neste contexto, metáforas como corpo humano, corpo social e corpo político perdem o sentido, porque se baseiam na Lógica da Representação, ao procurar estabelecer um significado restrito daquilo que se busca representar.

Então, CSO implica num significado como algo fluído, baseado na perspectiva de um sujeito em um domínio, e, portanto, aquilo que era representado passa a ser subjetivado, operado por um sujeito ou um indivíduo, tendo sua base de construção no coletivo por meio de máquinas desejantes. Lembrando que na Lógica dos Sentidos, razão corresponde a desejo.

Máquinas desejantes são elementos do inconsciente que produzem (no

subjetivação, ao contrário da razão que determina a representação. (DELEUZE;

GUATTARI, 2004, p. 8)

Durante a ação destas máquinas, conforme dito acima, a subjetividade é construída através do coletivo, em dimensões de espaço e tempo, sendo este determinado por marcadores de fluxos de uma época, de uma cultura, de uma linguagem, de uma Semiótica ou de um regime semiótico.

Por exemplo, o Estado, a Igreja, a Escola, os Professores, são entidades que

colocam para funcionar regimes semióticos específicos.

Uma construção coletiva em Deleuze-Guattari deve ser entendida como uma construção em comum (coletivo), referenciada de modo específico por um sujeito (individual). Ou seja, um olhar individual a partir de uma visão coletiva ou, simplesmente, o individual a partir do coletivo.

Esta abordagem sobre o coletivo conduz a outra definição fundamental na obra de Deleuze-Guattari e que pavimenta a evolução de uma Lógica da Representação defendida por Peirce para uma Lógica dos Sentidos. Esta definição fundamental se refere ao termo rizoma.

Segundo Deleuze e Guattari (2000, p. 14), rizoma é um contraponto à metáfora da estrutura, do pensamento estruturado, assemelhando-se a uma árvore com suas raízes, seu tronco e a partir destes, seus galhos e suas folhas.

Rizoma se aproxima da metáfora do conhecimento pós-estruturado, que não

tem início ou fim, apenas meio, expressando uma lógica baseada nos sentidos ou na

fluição dos signos, na qual não cabe o congelamento do significante.

Para dar mais clareza ao conceito de rizoma, Deleuze-Guattari declaram seis princípios que o definem: (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 13-36)

a) Da conexão.

b) Da heterogeneidade.

Segundo os mesmos, "qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo".

Isto quer dizer que os conhecimentos em um domínio, por exemplo, não seguem uma estrutura e uma homogeneidade, pois é possível haver conexões em qualquer ponto e entre cadeias semióticas de diferentes naturezas.

Por exemplo, num domínio relativo à gerência de eventos de

emergências, um evento pode ser identificado em qualquer instante, acionando conexões entre cadeias semióticas de tipos distintos. Estas conexões motivadas por um evento de emergência podem gerar desde o acionamento de um sinal sonoro até o envio de mensagens de textos e de imagens entre dispositivos distintos, envolvendo conhecimentos estruturados (como, protocolos) e não estruturados (como, hábitos, práticas).

c) Da multiplicidade.

As multiplicidades são rizomáticas, o que implica dizer que uma multiplicidade não possui sujeito nem objeto. É "somente quando o múltiplo é efetivamente tratado como substantivo, multiplicidade, que ele não tem mais nenhuma relação com o uno, como sujeito ou objeto, como realidade ou imagem".

Usando o exemplo do domínio relativo à gerência de eventos de

emergência, quando se tem um evento de emergência, o mesmo oferece múltiplos pontos de contato que implicam em associação de uma série de novas conexões: a natureza do evento, o local de ocorrência, os tempos envolvidos, os agentes a serem acionados, entre outros.

d) Da ruptura a-significante.

Todo "rizoma compreende linhas de segmentaridade, segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído. Mas compreende também linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar".

Num rizoma os rompimentos envolvem cadeias a-significantes, isto é, cadeias que ao se romperem geram outras cadeias, cujas

significâncias se mantêm iguais às originais no sentido linguístico.

No exemplo do domínio de gestão de eventos de emergência, quando

uma mensagem sobre um evento de emergência é enviada, ela é recebida e tratada por vários componentes do domínio sem que a sua significação original seja alterada. Porém, em cada componente outra configuração rizomática será constituída.

f) Da decalcomania40.

Um rizoma não se alinha a ideia de ser um eixo genético41 ou uma

estrutura profunda, aqui entendida como um conjunto de componentes constituintes diretos de um objeto. Mas se alinha a ideia, algo reprodutível ao infinito.

Um evento de emergência se mantém como tal, por exemplo, mesmo trazendo qualidades distintas, considerando um mesmo domínio.

Portanto, rizoma pode ser definido como sendo um antiuniversal e uma

máquina capaz de particularizar o significado, não como a definição de um significado restrito, e sim como algo de momento, em um tempo, na perspectiva de

um sujeito em um domínio. O rizoma em um significado não estabelece uma

identidade estática, mas uma diferença (identidade dinâmica), equivalendo ao

conceito de rostidade.

Deste modo, rostidades, através de regimes semióticos, configuram sujeitos (indivíduos que atuam junto ao significante), num movimento contínuo:

rostidade  rostos  vestígios** <> identidade estática.

** aquilo que deixa sinais.

As rostidades, também, como consequências de regimes semióticos, seguem uma lógica que é contrária àquela que leva a uma identidade estática. Por exemplo:

Ser um pai de família (rostidade) é vivenciar um regime semiótico que define o que é ser pai de família. Um pai de família pode ser conservador quando em família, e revolucionário quanto exerce a rostidade de um político (regime semiótico híbrido, fruto da conjunção de dois regimes semióticos antagônicos).

Do exemplo acima é possível inferir que os regimes semióticos:

a) Podem ser híbridos; b) São fluídos;

40

Processo que permite transferir por pressão, imagens para outra superfície. Disponível em:<priberam.pt/dlpo/decalcoMania>. Acesso em: 13 jun. 2016

41

Eixo genético é aquele que gira em torno de um objetivo e sobre o qual se organizam estados sucessivos. (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 20)

c) Produzem subjetividade;

d) Criticam o "império" dos significados;

e) Pertencem à Lógica dos Sentidos (aquela responsável pela articulação entre desejo e razão, dando ênfase aos processos desejantes);

f) São entendidos como regimes semânticos, e como tais, são bases para a construção de sistemas semânticos.

Para isto é necessário que os regimes semióticos sejam cartografados, registrando-se como estão constituídos, configurados e colocados em funcionamento.