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4. Brincar de seduzir

4.2. Casamento com sol quente

têm que tomar iniciativa, também, principalmente quando o assunto é marcar encontros:

“... Em algumas partes o homem é quem tem que determinar, né. Em algumas partes...(...) Mas eu acho que a mulher tem que tomar atitude, também”. Ressalto, porém

que, mesmo este“...acho que a mulher tem que tomar atitude, também”, é relativo.

Relativizar, portanto, o comentário deste rapaz é considerar que, mesmo entre eles (moças e rapazes) poderá ser encontrado um certo grau de conservadorismo que, por sua vez, está muito ligado ao núcleo familiar ao qual pertencem. Perguntei para uma moça [24 anos], moradora na zona rural e migrante, o que que ela acha da história dos mais velhos dizerem que os jovens “não têm nada na cabeça”, se acha que é verdade? Ela me respondeu: “É verdade porque muitos deles não tem, mesmo...! porque eles não

pensa, né... As coisas que é errada, as coisas que é certa.”

O certo e o errado, para ela, diz respeito ao ter ou não ter “juízo”. O ter “juízo”, por sua vez, quer dizer não fazer “bobagens”(= não ficar grávida, não desobedecer aos mais velhos). Perguntei-lhe, então, se ela achava que as moças de Chapada do Norte estão muito sem “juízo”: “Ái, do jeito que os mais velhos falam e a gente também está

vendo... muitas delas não estão pensando nada disso! Nem que tá errado, nem se tá certo, nem se tá ruim, nem se tá bom... Só quer saber se elas tá usando aquilo ali... E já prá mim, nos meus pensamentos, eu não quero uma vida dessa... Deus me livre. (...) Eu não quero mexer com isso, não [risos].” [24 anos]

Contudo, o que sobressaiu dessa nossa conversa foi a idéia de que a gravidez, para ela, assim como, para os mais velhos, deve ser a consolidação do casamento, da união de um homem e uma mulher. Esta moça, mesmo não querendo me dizer abertamente sobre seus planos para casamento, deixou uma porta entreaberta para confirmar que, em Chapada do Norte, sobretudo, na zona rural existem jovens que desejam, que vêem como projeto de vida a sua realização através do casamento, de constituir uma família, pois como diz a canção: “(...) nós ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.”125

4.2. Casamento com sol quente

125 “Como Nossos Pais”. Letra de Antonio Carlos Belchior. Eternizada na voz da cantora popular Elis

“... O amor é firme, o rabicho é forte o amor perfeito casamento é sorte...”126

O noivo com 23 anos e a noiva com 24 anos. Estes, pela idade, podem ser considerados exceção nas uniões da zona rural, principalmente a moça, pois, conforme um jovem entrevistado da cidade, “... na zona rural mesmo, a maioria das moças casam

novas, casam de 14 anos, 16 anos. A maioria das moças da zona rural casa de menor, praticamente. Agora aqui, não; aqui a gente vai enrolando o tempo, vai levando aquela coisa, né... (...)” [ 23 anos, 2º grau-magistério, empregado, morador da cidade].

Subiram ao altar na Igreja Matriz de Santa Cruz, num domingo ensolarado. Trata- se de jovens migrantes que havia entrevistado quatro meses antes do casamento. No período da entrevista, nenhum dos dois falou sobre namoro ou coisa parecida, principalmente quando lhes perguntei. Mas não falariam para uma estranha... Não falaram. Fala-se muito pouco sobre os afetos, na roça.

Ambos são moradores de uma mesma comunidade rural. A família do noivo, como outras, tem duas casas, uma na roça e a outra na cidade. Familiares e amigos dos noivos dirigiram-se para a igreja às 14:00 horas. Fazia muito calor. Após sermão e benção do padre houve uma cantoria das mulheres. Em seguida, os noivos caminharam cerimoniosos em direção à porta da igreja. Pude fazer várias fotos, acompanhando-os até a casa de parentes, onde a noiva jogou o buquê de rosas brancas naturais e depois, teve sua grinalda retirada respeitosamente por seu noivo, sob os olhares das mulheres mais velhas: “... Coisas prateadas espocam: somos noivo e noiva” (Prado:1995).Depois deste ritual público, comunicando aos demais que a partir dali eles eram marido e mulher, desceram para a casa dos pais do noivo no início da rua do Ouro, onde esperavam os convidados e moradores da roça para seguirem para o jantar comemorativo do casamento.

126 Trecho da música “Ainda Bem Não Cheguei”, recolhido pelo Coral Trovadores do Vale – domínio

Na roça, o casamento acontece com o ritual religioso na igreja Matriz de Santa Cruz. Muitos noivos vêm a cavalo da roça formando então, um cortejo de padrinhos e convidados, parentes e amigos para assisti-los. Neste casamento que presenciei não houve o cortejo a cavalo porque os noivos tinham casa na cidade.

Após a cerimônia, retornam à roça montados a cavalo ou alugam um ônibus, como foi o caso deste casamento, ou, dependendo da distância, padrinhos, parentes e noivos caminham até o local onde os convidados serão recepcionados com uma janta ou almoço seguido do tradicional forró de sanfona, triângulo e pandeiro. Pode acontecer também do forró ser animado pelo toca-discos mesmo. Mas o forró é opcional.

Depois do festejo, marido e mulher estão prontos para seguir a rotina da vida de casados. Vida para a qual, desde então, vinham sendo preparados, sobretudo as moças, demonstrando que quando forem esposas-mães e seus maridos migrarem, trabalharão na terra, garantindo assim, a possibilidade de novo plantio, quando a estiagem cessar, ou zelando, para que o que já foi plantado, vingue; a criação não morra e a família que se inicia, dê frutos baseados no amor, no respeito e solidariedade.

“P: _ E como que é sua vida aqui na roça? Quais são os seus afazeres? Você também quando está aqui você trabalha na sua casa, ajuda a sua mãe? O que você faz?

E: _ Limpo a casa, lavo roupa, às vezes, vou trabalhar na roça...” [16 anos, sexo

feminino, 7a/8a série no projeto Acertando o Passo, trabalha e estuda na cidade, moradora da zona rural]

Não há rigidez quanto ao desempenhar das tarefas para as moças. Fazem os afazeres domésticos e, também, dependendo das necessidades, trabalham na roça como os rapazes. Portanto, o casamento na zona rural, talvez, possa ter a função de preenchimento do tempo, dar significado para aquele (rapaz ou moça) que já assumiu todas as responsabilidades de trabalho e cuidados com outrem, pois as moças desde cedo já “exercitam” a responsabilidade de cuidar dos irmãos menores, da casa e outros afazeres.

Todavia, em Chapada, na cidade e na roça, soube de casos de casais que oficializaram seu “casamento” através da coabitação. De dois casais de jovens soube da seguinte história: num deles, o rapaz e a moça vieram de outras regiões. O outro, a mulher é da zona rural e o homem é migrante sazonal. No casal que vive na roça, o marido disse-me que vivem juntos a sete anos e que agora estão pensando em casar: “...

só não casamos ainda porque a mulher disse para esperar melhorar a situação econômica” [ 30 anos, “gato”, morador na zona rural].

Alguns moradores referem-se a estes casais como os que“têm outra cabeça”, pois uniram-se sem passar pelo ritual da cerimônia na igreja. O padre possivelmente não aprova, mas o grupo, a comunidade, contraditoriamente, os reconhecem como marido e mulher. Sendo assim, esta contradição nos remete aos tempos coloniais quando a Igreja Católica barrava muitos casamentos oficiais devido ao excesso de burocracia e rigidez que, por sua vez, atingiu, substancialmente, a população sem recursos, ou seja, a maioria. Com isto, acabou impulsionando as uniões “ilegítimas” que resistiram às suas pressões, bem como, às do Estado, criando a sua própria “instituição”, baseada nas realidades locais.

Recorrendo à História, no período colonial, fossem quais fossem as legitimidades das relações homem-mulher, abençoada pela Igreja ou “clandestina” aos olhos desta, estas estavam plenamente consolidadas, nas Minas Gerais, a partir do instante em que a mulher passasse a administrar a casa, pois “(...) a administração do domicílio

representou de fato um ritual importante na demarcação da solidez da relação”

(Figueiredo, 1997:181). Para este tipo de união davam o nome de “família fracionada”. Família esta que para manter suas uniões, baseadas no afeto e na solidariedade dos parceiros, abriam mão, muitas vezes, de coabitarem sobre o mesmo teto para não serem excluídos da Igreja.

Nos dias atuais, isto não mais ocorre, porém permanece a tolerância e a solidariedade do grupo para com aqueles que assumem suas relações através do “morar junto” quando então, o homem passa a respeitar aquela mulher como sua esposa e esta, por sua vez, passa a administrar o lar respeitando-o como marido. Casar, portanto, pode ser sinônimo de apenas seguir a “tradição” e constituir família. Mas pode ser a confirmação do mais profundo amor.