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2. Rural e Urbano: os entrelaçamentos

2.2. Sociabilidade, lazer e experiência

2.2.2. O novo e o velho: eterno conflito

Num contexto mais amplo, Hobsbawn (1995), refletindo sobre a Revolução Cultural toma a família e a casa “através das estruturas de relações entre os sexos e

gerações” no que julga ser “a melhor abordagem”. Ele demonstra que a maioria da

humanidade partilhava características comuns, tais como: “a existência de casamento

formal com relações sexuais privilegiadas para os cônjuges (o ‘adultério’ é universalmente tratado como crime); a superioridade dos maridos em relação às esposas (‘patriarcado’) e dos pais em relação ao filhos, assim como às gerações mais jovens; famílias consistindo em várias pessoas; e coisas assim. (...)” (p.314-15). Mas estes

arranjos começam a mudar com bastante velocidade a partir de meados do século XX, principalmente nos países ocidentais “desenvolvidos” e, como chama atenção, “de forma

desigual mesmo dentro dessas regiões”.

Primeiramente começam a crescer os índices de divórcios, com uma redução do desejo de procriação. Diz o autor: “a crise da família estava relacionada com mudanças

bastante dramáticas nos padrões públicos que governam a conduta sexual, a parceria e a procriação. Eram tanto oficiais quanto não oficiais, e a grande mudança em ambas está datada, coincidindo com as décadas de 1960 e 1970” (1995:316). Estas mudanças

foram mais acirradas nos países cuja moral era mais impositiva, como a dos católicos. Portanto, no plano oficial verifica-se um período de liberalização para os heterossexuais, para as mulheres, e, principalmente, para os homossexuais. Houve uma maior difusão do uso das pílulas anticoncepcionais com maiores informações sobre o controle de natalidade (idem, op. cit.).

Fechando o foco desta lente, vê-se Chapada do Norte, no sertão mineiro. Fechando-a mais ainda, vêem-se os jovens entre eles, jovens-mães casadas e solteiras confrontadas por uma realidade que lhes é paradoxal. Esta juventude, vivendo numa sociedade moralmente severa, católica com traços do modelo arcaico-colonial, depara-se com as influências de um mundo moderno que lhes chega através dos aparelhos de televisão, rádio, presentes na mais longínqua comunidade rural, inclusive com antena parabólica96. Hobsbawn (1995) lembrou ao falar sobre a época:

“ (...) por mais fortes que fossem os laços de família, por mais poderosa que fosse a teia de tradição que os interligasse, não podia deixar de haver um vasto abismo entre a compreensão da vida deles, suas experiências e expectativas, e as das gerações mais velhas” (p. 323).

Em Chapada, dia após dia, o padrão “da criação” tenta ser passado dos pais para os filhos. Esta “criação” é uma mescla de intenções de que o filho(a) constitua família, principalmente as moças. Para elas as orientações são: casar, engravidar só depois de casada, cuidar dos filhos, do trabalho doméstico e, quando necessário, do comércio dos produtos caseiros para complementar a renda familiar e a migração.

Esta educação informal-familiar97 dá-se, basicamente da seguinte forma: uma vez moça (dependendo da quantidade de filhos menores, as responsabilidades iniciam-se muito antes) suas responsabilidades são de ajudar a mãe com os irmãos menores, dividindo as tarefas domésticas; estudar e enfrentar os olhos vigilantes dos pais para que não saia de casa durante à noite... Toda vigilância é para que não fique exposta aos moços, aos namoros fora de casa ou que não ande com ”más” companhias. Mas isto, quase sempre sofre relaxamentos mediante insistências.

Na zona rural, este padrão de educação para as moças é mais freqüente; na cidade, por sua vez, encontram-se outras variáveis que possibilitam maior flexibilidade na vigilância dos pais: a escola ou o trabalho no pequeno comércio ou em casas de família.

96 Oportunamente, lembrando a letra da música do cantor da MPB, Gilberto Gil, que diz: “Antes mundo

era pequeno/ Porque Terra era grande/ Hoje o mundo é muito grande/ Porque Terra é pequena/ Do tamanho da antena parabolicamará (...)”. In GILBERTO GIL. (CD ) – Parabolicamará.

Muitas (os) jovens que estudam à noite, após término das aulas, arrumam tempo para estenderem-no como tempo de lazer, ir para praça, para o “trailler”.

Nestes momentos eles conversam entre amigos, paqueram, namoram... divertem- se bebendo, cantando... Soube de um caso de uma moça de 21 anos, moradora da zona rural, mas residindo na cidade, em república, para estudar (à noite), durante o dia trabalhava num pequeno comércio. Por ocasião da Festa de Nossa Senhora do Rosário, o trabalho foi oportuno porque lhe possibilitou participar de todos os dias da festa, sem precisar voltar para roça. Se ela não tivesse que trabalhar, só poderia ter participado da festa caso sua família fosse98.

Numa de minhas visitas a Chapada, acompanhei alguns bailes realizados para angariar fundos para os formandos do ensino do primeiro e segundo grau naquele ano. Estes foram promovidos pelas oitavas séries e a turma do terceiro ano. Chamou-me atenção o cartaz de divulgação do baile da turma da oitava série “B”.

“Venha Participar! 1º Baile do Pó Você:

Pó dançar a noite inteira

Pó tomar quantas cervejas quiser Pó paquerar com quem você quiser Pó beijar à vontade

Pó tomar uma cerveja de um só gole e ganhar um prêmio

Obs: Ganhará o concurso, quem tomar a cerveja mais rápido. E não se esqueça: você pode e vai se divertir à vontade

Local: Danceteria Santana Ingresso Antecipado: R$ 1,00

Data: 25-09 Horário: 21:00 hs”

Nesta danceteria, vi chegarem moços e moças da cidade e alguns da zona rural. A timidez inicial é comum entre eles. Olhavam. Encontravam-se com amigos, amigas. Aos poucos, iam formando pequenos grupos ou pares. Entravam e saiam da danceteria. Logo a danceteria já havia tomado a rua. Sobre eles, deito o meu olhar...