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O baile do Pó Outros bailes: lazer e sociabilidade

2. Rural e Urbano: os entrelaçamentos

2.2. Sociabilidade, lazer e experiência

2.2.3. O baile do Pó Outros bailes: lazer e sociabilidade

Os jovens que do “baile do pó” participaram eram tanto da cidade quanto da zona rural. Num primeiro olhar, dificilmente se distinguia quem era de qual universo, rural ou urbano pois, por várias razões, fui percebendo que os jovens da zona rural, principalmente, tentam vestir-se e comportar-se, gradativamente, como os jovens da cidade. Suponho que isto se deva, principalmente, a vontade de serem aceitos no meio urbano. Abramo (1994) citando Mello e Souza (1987) diz que “... a vestimenta oferece-

se como um campo rico para a articulação das estratégias de mobilidade entre grupos, através das possibilidades que apresenta como instrumento de simulação de status social diferente.(...)” (p.70).

O jeans, as camisas por fora, camisetas, tênis compunham, na maioria, a vestimenta dos moços. As moças desfilavam com suas minissaias, blusinhas coladas e com alcinhas bem fininhas e decotes que deixavam-nas atraentes para todos os presentes. Muitas vinham com calças jeans bem agarradas também. Como não podia deixar de ser, no baile, havia muita cerveja e, depois de um copo e outro, o salão estava super lotado. Quentes, eles já haviam vencido a timidez inicial e a dança era a expressão máxima dos corpos.

Comecei a notar que as moças da zona rural que moram, provisoriamente em repúblicas na cidade, adotam vestimentas mais ousadas que valorizam mais seu corpo, assim como, exageram no batom e nos sapatos altos. Na cidade e longe do olhar dos pais, as moças da roça, gostam de decotes e blusinhas colantes que, quase sempre, usam nos períodos de festas e/ou bailes. Não se trata pois, de uma regra. Também não é regra para as moças da cidade que, nos bailes ou festas, vestem-se até mais discretamente. O comum entre elas, moças da cidade e da zona rural, é valorizar as formas, o corpo. Em contrapartida, isto é muito valorizado pelos rapazes também. Estes, por sua vez,

mostraram-se arrumados, perfumados e, quando iam perdendo a timidez inicial, quase sempre em pequenos grupos, iniciavam a bebedeira.

A observação de um momento de lazer fora do período de festejo “tradicional”, como o da festa de Nossa Senhora do Rosário e outros, permitiu perceber a articulação do que Machado Pais chamou de “campos simbólicos e pragmáticos como princípio da vida

quotidiana” (1993:143) que, também oficial, mostrava-se como afirmação juvenil e

espaço para as relações e interações destes jovens.

Para que estes jovens possam mostrar-se uns aos outros, identificando-se, estabelecendo contatos, a indumentária, tais como, roupas, sapatos traduzem-se nestes

“campos simbólicos” que, pragmaticamente são assegurados, na maior parte das vezes,

pelo dinheiro obtido nos trabalhos nas migrações sazonais dos próprios jovens ou dos pais.

Entretanto, estando eles inseridos num contexto de vigilância, estes momentos de diversão – nos bailes - são de relativa flexibilidade por parte dos adultos-pais, uma vez que há o respaldo da escola por trás. Ou seja, aqueles jovens que divertiam-se até tarde da noite também o faziam para angariar fundos para sua festa de formatura, término de um ciclo letivo, motivo de orgulho para os pais. Por trás estavam, portanto, a escola e a família. Com isto, a liberdade era menos vigiada e os moços e moças, por sua vez, permitiam-se os namoricos em torno da praça e/ou paqueras mais ousados.

Alguns jovens (rapazes) da zona rural moradores em repúblicas, no período deste baile, não participaram diretamente, ficaram pelos cantos ou com poucas pessoas e não dançaram. Depois, quando lhes dei um pequeno questionário para que respondessem algumas perguntas, foram respondidas da seguinte maneira sobre, o que é ser jovem em

Chapada do Norte?:

- “Não é muito bom, pois não temos uma juventude unida” [sexo masculino, 18 anos, 2º ano do 2º grau, morador da zona rural]

- “Não é totalmente legal, pois tem um pessoal complicado” [ sexo masculino, 18 anos, 1º ano do 2º grau, morador da zona rural]

No ano seguinte ao baile e ao questionário, os jovens acima estavam mais à vontade com o contexto da cidade, e, possivelmente com amizades muito mais sólidas. Um deles, o segundo rapaz, nos seus momentos de lazer e vida social, estava muito mais desprendido, tanto no visual quanto nos hábitos, ele já participava das bebedeiras.

Na cidade, quase sempre é no “trailer” improvisado que se oferecem lanches, bebidas e um lugar para tocar violão e cantar, durante à noite, após as aulas. Participar das bebedeiras confere ao rapaz uma certa masculinidade e que, quase sempre, regula-se pela quantidade de bebida ingerida, ou seja, beber bastante – sem dar vexames – é sinônimo de masculinidade. Como diz Machado Pais (1993) para o caso português entre os jovens:

“As ‘pielas’ (grandes bebedeiras) e as ‘pauladas’ (grandes doses de droga) são instrumentos de afirmação varonil. (...)” (p.161).

Contudo, a música, a dança fazem parte do lazer dos jovens de Chapada, sejam da roça, sejam da cidade. Preferencialmente, a música é o componente mais presente, pois, se não freqüentam bailes, ouve-se o rádio que, praticamente, quase todas as casas têm. Portanto, ela é motivo de encontros, conversas, de curtição nos momentos em que se está sozinho. A música também poderá ser ouvida na voz das mulheres, jovens, mães que vão para a beira do rio Capivari, lavar suas roupas.

Durante o dia, o mesmo rio, em cujas águas, mãos esfregam a roupa suja, moradores, nas horas de lazer, refrescam-se do calor insuportável. Mas existe uma distinção sobre as partes do rio que são freqüentadas e por quem. Dizem que na barragem só vão os jovens que gostam de fumar “maconha”... por isso, famílias não freqüentam esta parte da barragem. Porém, se são as crianças que vão nadar não há comentários, mas se são os rapazes, as moças haverá sempre um olhar desconfiado-indagador sobre o “fazer ou não fazer” uso da “maconha”...

Deste modo, o nó nas relações entre jovens e adultos, pais e filhos está marcada por um conflito entre o novo e o velho no que diz respeito aos costumes e normas do lugar, da família. Este conflito, portanto, esbarra nas questões da sexualidade, nas relações marido e mulher refletidas na educação dos filhos, o predomínio de uma relação

de hierarquia que, salvo exceções, a mulher está abaixo do marido, sendo que esta hierarquia também vale para a educação das moças que são, na maioria das vezes, chamadas às responsabilidades muito mais do que os moços.

Num país como o Brasil, marcado por inúmeras desigualdades sociais, as relações de gênero estão sujeitas a problemas que vão desde as dificuldades na comunicação entre homens e mulheres à própria questão da dominação masculina sobre estas, mas sobretudo, são questões que passam “ao nível das representações” que, por sua vez, indicam as “condutas aceitas para os homens e os comportamentos admitidos para

mulheres” (Saffioti, 1993:160), tal como em Chapada do Norte.

Por outro lado, as relações institucionais entre família e escola têm significativa importância na vida dos jovens, pois significa que experimentam influências contraditórias e complementares, oriundas do processo de escolarização e do sentimento familiar que, por sua vez, geram uma expectativa sobre o lugar que estes ocuparão na sociedade adulta (Peralva, A., 1997:16).

No entanto, o problema fundamental que se coloca diz respeito em saber sobre o que está em jogo para esta sociedade. É a manutenção da família, da tradição, dos costumes, portanto de uma certa ordem? Ou será que pelo fato de, numa série de famílias da camada popular, os jovens não encontrarem na vida familiar uma preparação, um apoio de modo que este seja um prolongamento e uma integração à vida escolar - até mesmo porque muitos pais não têm formação para tal -, estes acabem também, cedo, se desinteressando pela escola?

A escola para estas famílias pode representar o “novo”, o moderno, pois “...

mediante o que ensina, luta contra o folclore, contra todas as sedimentações tradicionais de concepções do mundo, a fim de difundir uma concepção mais moderna...” (Gramsci,

1995:130), o que significa dizer que tudo aquilo que passa pelo fantasioso, pela concepção de mundo baseada na natureza deverá ser substituído por formas mais científicas. Neste sentido, à medida em que os jovens avançam nos estudos tendem a distanciar-se, mais ainda, de uma “igualdade” em relação aos seus pais no modo de verem o mundo.

Assim, no presente contexto fica afastada a idéia de unicidade nas relações de gênero ou de complemento nas relações entre escola e família. Pensar em igualdade entre

os sexos, assim como, entre as gerações é chegar no seu contrário, no múltiplo e contraditório. Ao mesmo tempo, parece ser a condição de jovem um fator que mostra existir (pelo menos aparentemente) entre homens e mulheres alguma afinidade e semelhança exposta pela conduta nos diferentes espaços da cidade: na praça, nos bailes ou nos “traillers”, ou mesmo pelas roupas. No entanto, é ilusório o adulto pensar que quando evoca suas experiências passadas, sua juventude tomando com referências aquilo que lhe foi transmitido por seus pais, seus avós poderá “compreender a juventude atual” (Mead,M. apud Peralva, A.,1997: 20).

Por isto, refletir sobre a dimensão da “sociabilidade democrática” é compreender a igualdade e a diferença como duas faces desse mesmo processo. Como diz Saffioti:

“Não somente a tolerância em relação à diferença, como também sua vivência prazerosa, só ocorrem num contexto social de igualdade” (1993:162). No entanto, este

contexto social de igualdade ainda nos acena apenas como possibilidade.