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O teatro: instrumento de transformação, de recuperação da auto-estima

4. Brincar de seduzir

5.1. O jovem e seus espaços

5.1.5. O teatro: instrumento de transformação, de recuperação da auto-estima

“& O fio do sonho é apenas um cabelo. Mas se ele pinta na cabeça

é bom deixá-lo crescer.”

(Eudoro Augusto, “26 Poetas Hoje – antologia”, 1998:173)

Se, para alguns adultos, os jovens rurbanos de Chapada do Norte “não têm nada

na cabeça”, para outros138 e para os próprios jovens, eles têm, sim:

“E: _ Eu acho que tem, tipo, pelo menos, em termos de cultura.... porque assim, teatro, aqui em Chapada tinha muito teatro; tinha, não, tem um grupo de teatro que era só do pessoal mais jovem, só do pessoal. Tinha muito menino no teatro, a maioria era... crianças de menos de 15 anos, poucas pessoas até 25 anos...

P: _ Sei ?...

E: _ Tinha uma rádio, aqui na cidade, um grupo de teatro que era só gente jovem, pessoa de 20 anos...

P: _ Acabou? ... E: _ A rádio? P:_ É!

E: _ A rádio ela não acabou. Tem aquela parte... Mas é o seguinte, para uma rádio funcionar não é só chegar, apresentar e deixar o pau quebrar, não. Falta de incentivo. Nós começamos com a rádio, tem muito tempo aí com a rádio, ninguém punha anúncio na rádio, não tinha comercial, não tinha, nada. Nós fechamos a rádio. Tinha essa rádio, tinha um grupo de teatro, tinha um movimento de cultura aqui em Chapada que acabou, Paulo. Domingo, 28 de junho de 1992, p. 6-7.

138 Cf. entrevista com uma professora da cidade, perguntei-lhe se ela achava que o jovem não tem nada na

também, só de pessoas jovens... e esse pessoal mais idoso, o que que eles fazem? Fazem nada.

O jovem entrevistado chama atenção para os muitos feitos que os jovens da cidade, organizados, conseguiram, deixando subentendido que estes foram e são importantes para o lugar139.

Neste sentido, é importante conhecermos, brevemente, a história do grupo Teatral Curutuba. Este nasceu da iniciativa de um animador cultural, com larga experiência adquirida no município de Pesqueira- PE, sua terra natal. Portanto, a história deste grupo/projeto está entrelaçada à vida deste homem, médico, chamado por todos de doutor Joaquim.

“Grupo Teatral Curutuba, é uma entidade cultural registrada oficialmente, cartório de Minas Novas – MG, cadastrada na Secretaria da Cultura do Estado de Minas Gerais, Federação de teatro de Minas Gerais, pertencente ao movimento teatral Ziriguidum Art. Circus – Pesqueira – Pernambuco – Chapada do Norte – MG.” 140

A questão posta como projeto de formação do grupo teatral diz respeito à valorização da cultura local, através da iniciação de crianças e jovens no ato de representar, antes, conscientizados de sua origem africana, defendidas por este fundador, doutor Joaquim. Ou seja, para ele, o teatro surge como agente de transformação e conscientização, uma vez que, visa resgatar as raízes afros. Segundo ele, este município teria sido um ex-quilombo e, portanto, seus descendentes trariam um passado de luta que reporta-os à mãe África, então, capturados e vendidos como escravos aos colonizadores. O resgate deste passado ou desta cultura primeira, “original” é que defende com convicção.

Grande parte desta convicção é difundida pelo grupo cuja formação é de jovens e crianças, na maior parte, negros, filhos de famílias com renda mínima. Deste modo, a

alguma coisa. [ídem] Eu acho que basta incentivo, alguma coisa assim. O jovem tem muita coisa...”[sexo

feminino, 36 anos, professora de história de 5a a 8a série na cidade, casada, moradora da cidade]

139 Tão importante que, foi através de um informativo do grupo de Teatro Curutuba, distribuido em um dos

Festivales (Minas Novas, 1993) que fiquei sabendo sobre a cidade.

função do teatro seria justamente de desinibí-los e orientá-los para valorizar sua própria cultura. Melhor ainda é a definição de uma moça, membro do grupo de teatro, sobre qual o papel do teatro:

“E: _ ... Mas prá quem quer ver o teatro da forma de viver, aprender com a vida ou passar alguma coisa, alguma mensagem... pelo menos isso. Pelo menos o grupo de teatro é isso. Ele tenta é... não solucionar tudo, mas ele tenta fazer com que a pessoa... desperta alguma coisa na pessoa prá tentar [incompreensível] solucionar.” [sexo feminino, 19 anos, 8a série do 1º ciclo, estudante, empregada, moradora da cidade]

No entanto, a postura deste animador cultural gera polêmicas, tanto entre investigadores, quanto entre moradores mais antigos da cidade. Para os primeiros, a controvérsia já começa pelo fato de que não existem dados históricos que comprovem que o município teria sido um quilombo e, basear-se apenas no fenótipo negro de seus moradores para justificá-lo, também não satisfaz. Em contrapartida, para os moradores mais antigos, divergem deste, principalmente, nas suas participações na Festa de Nossa Senhora do Rosário quando tenta modificar práticas mais antigas, tais como, no Mastro a

Cavalo, no Tambor e/ou modos de vestir dos reis.141

Controvérsias à parte, é inegável a influência deste animador junto ao grupo de Teatro; influência esta que extrapola a condição de simples diretor. Ela se faz presente, principalmente, na formação destes jovens. Neste sentido, assume, muitas vezes, o papel de um pai, orientando-os, principalmente, quanto a sexualidade, conforme o que me disse a jovem entrevistada [19 anos]:

“E: _ (...)O Dr. Joaquim é assim... se tem uma pessoa que eu poderia chamar de pai, é ele.(...) Que ele [incompreensível], educação sexual, moral, sabe, vida? Ser uma pessoa assim, sabe, de espírito limpo, bom. Ele sempre falava, não adianta a pessoa ter ganância, não adianta a pessoa ser má, maltratar as outras pessoas, a pessoa tem que ser é boa. Sabe, tudo, tudo, tudo ele falava! (...) Ele era pai, era tudo... Sabe, tudo ele fazia!” [idem]

Não desconsiderando o papel de “pai”-educador, é importante salientar o trabalho de recuperação da auto-estima que o teatro, assim como aquele que o organizou, desenvolveu (e vem desenvolvendo) junto aos jovens e crianças, assim como, às pessoas que fazem parte do grupo de Congada. Usando o discurso de recuperar uma cultura africana, portanto, berço da identidade destes moradores, o fez de modo que não se vissem apenas na condição de escravos, submissos, animalizados... enfim, mas como, descendentes de nações, de reis e rainha.

Entretanto, o convívio destes jovens, principalmente, das moças com o coletivo está marcado por policiamentos, desconfianças que se dão, inicialmente, no interior dos próprios lares. Ou seja, os pais, quase sempre, desconfiam desta atividade que, para eles, lhes parecem desviadoras das boas condutas morais. Conforme o que me relatou a jovem entrevistada [19 anos]:

“E: _ No início, minha mãe falava: ‘não, o teatro é prá prostituta, o teatro é prá veado, o teatro é prá doido...’, tudo mais. Eu bati o pé, briguei com mãe, briguei bastante, mas eu viajo. Eu já tomei tapa na cara, assim, ó [demonstra], antes de eu sair para viajar com o Dr. Joaquim, por causa disso. Mãe bateu em mim porque eu queria ir pro festival, primeira vez que eu participei do festival, aí, ela não queria deixar... porque ela acha assim, a gente sai, eu vou aprontar uma, a gente vai ficar grávida, a gente vai fazer isso, sabe?

P: _ Hum, hum...

E: _ Ela acha que é cachorrada. Mas aí depois ela foi entendendo, foi entendendo. Aos poucos, você sabe, prá mudar a cabeça de uma pessoa que... é assim, já viveu bastante, é difícil prá atualizar ela no que a gente vive hoje. Até hoje, ela fala, ela fala assim: ‘ah, cê ganha mais dinheiro indo no mato buscando coisa de lenha, do que cê ficá, aí, ó! ...’ Eu falo, assim: ô mãe, não é de lenha que a gente vive não, mãe. Ela fala assim: ‘ você é preguiçosa.’ Eu não sou preguiçosa, não. (...)” [idem]

Perguntei para a moça se os moradores da cidade, de maneira geral, percebem o grupo de teatro com esta mesma mentalidade. Ela me disse que não, mas, ao relatar-me uma experiência vivida com um morador, a contradição fica evidente:

“E: _ Eu acho que não, com essa mentalidade, não. Mas qualquer coisa que aconteça com algum elemento do grupo, eles atiram pedra, atiram, atiram. Grupo prá eles, sabe assim, eu já ouvi uma pessoa chegando perto de mim e falou assim: ‘ ô, não é querendo falá alguma coisa pro cê, não...’ e me perguntou: ‘ você é virgem?’ Eu falei: por que você está me perguntando isso? ‘É porque o cara... cê passou, o cara falou, assim: é, essa menina dessa é que aproveita nessas viagens.’ Eu senti uma coisa tão ruim, assim. Eu falei assim: nossa, ‘putsgrila’, prá que isso? Aí eu virei e falei: quem falou? Ele falou

assim: ‘não, eu não vou falá pro cê, não, porque não vale a pena.’ Eu falei assim: eu gostaria de saber prá mim poder explicar a ele o que é teatro, realmente. (...)”

No âmbito escolar, porém, a atuação do grupo, pelo menos junto a escola estadual da cidade, Monsenhor Mendes, busca trabalhar com os alunos, conscientizando-os de sua cultura local, da problemática da migração para o trabalho no corte de cana-de-açúcar,

panha do café, segundo a entrevistada. Com isto, a encenação surge como mais um

instrumento didático no aperfeiçoamento do aprendizado. Assim sendo, frente aos demais jovens do segmento estudantil, o grupo teatral Curutuba acaba ganhando respeito e reconhecimento.

Contudo, constatei que estes jovens, membros do grupo de teatro, posicionam-se diferentemente de uma grande maioria juvenil que, envergonhados, muitas vezes, omitem suas opiniões, pois, quase sempre, não se sentem capazes de elaborar suas idéias. Não que ser membro do grupo, os fazem melhores do que os demais, não se trata disso. Trata- se de demonstrar que, mesmo numa sociedade que se mostra, nos vários momentos, fechada, conservadora, a existência deste segmento artístico-cultural anuncia brechas, fendas pelas quais passam luzes que clareiam, que anunciam novos, outros horizontes. É na diversidade dos modos de ser, viver e sentir, em diferentes espaços que moças e rapazes expressam a condição de serem jovens em Chapada do Norte.