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Dos jovens que estudam fora, de uma mãe que se empenha o máximo

4. Brincar de seduzir

5.1. O jovem e seus espaços

5.1.2. Dos jovens que estudam fora, de uma mãe que se empenha o máximo

Conheci dois jovens que estão fora. Vivem em Diamantina, cidade no Alto Vale do Jequitinhonha, distante de Chapada uns duzentos e poucos quilômetros. Trata-se de dois irmãos que moram em casa alugada na referida cidade. O rapaz faz cursinho para entrar na faculdade de direito; a moça cursa a faculdade de letras e deseja continuar e fazer pós-graduação.

Através deles, soube que existem, aproximadamente, trinta jovens que estão fora do município, estudando. Desse número de trinta jovens, de dez a quinze, estão cursando faculdade e, os demais estão, ou fazendo cursinho ou terminando o segundo grau. Por

esses dados, esse contingente revela uma face pouco conhecida do Vale: o dos que superam o insucesso escolar. A razão parece ser, uma vez mais, a família.

A história desses dois irmãos torna-se mais interessante quando começamos conhecer sua família. Terceiro e quarto filhos – de quatro irmãos, três mulheres e um homem -, estes dois jovens contam com a presença e incentivo vital da mãe: vital para eles, mas muito mais vital para ela que fez da escolarização dos filhos sua razão de viver. Sua primeira vitória veio quando, uma das primeiras filhas concluiu a faculdade de matemática. Em visita à sua casa, esta mãe de 52 anos mostrou-me o vestido que comprou para a formatura da filha. Este, guarda até hoje, enrolado numa toalha.

Ao contar-me todas as dificuldades que teve para conseguir tal intento e ajudar seus filhos, percebi que falava-me de um sonho que estava se realizando porque nem ela e nem seu marido tiveram muito estudo, apenas a terceira série do primário. Contou-me que ao casar-se havia dito que gostaria de ter quatro filhos e que todos eles iriam estudar. Os obstáculos que se apresentavam, tais como: falta de um livro ou dinheiro para pagar mensalidades ou comprar material escolar foram sendo vencidos através de sua perseverança para não se deixar vencer.

Certa vez, sua filha necessitava de um livro para estudar para o vestibular. Em Chapada não havia tal livro e comprar ou mandar buscar não podia. Deslocou-se para a cidade de Diamantina e foi até a biblioteca da Faculdade de Direito, onde soube da existência do livro. Implorou para que deixassem-na tirar um xerox. A bibliotecária informou-lhe que o livro não poderia sair. Então ela colocou em suas mãos todos os seus documentos mais o dinheiro da passagem como garantia de que iria voltar e devolver-lhe o livro. Um telefonema da bibliotecária e esta mãe conseguiu xerox e encadernação do livro pela metade do preço. Hoje, sua filha faz o curso de letras.

O exemplo desta mãe é o de um sonho realizando-se: seus filhos estão estudando, foram à faculdade e, no que depender dela, farão pós-graduação. Assim, com maior ou menor intensidade, esta família aparece como uma exceção, cujo incentivo e o sucesso dos filhos nos estudos, também estão marcados por grandes esforços que passam, inclusive, pela privação das necessidades básicas, da economia do dinheiro para poder investir naquele objetivo.

Portanto, este exemplo demonstra que pesa a influência da família, e muito, na permanência e continuidade dos estudos. Por outro lado, não podemos generalizar, tampouco afirmar que não existem exceções num contexto como este de Chapada do Norte. Exceções estas que, muitas vezes, somem frente aos índices estatísticos de semi- analfabetismo, evasão escolar que, ainda, são maiores.

Contudo, o esforço desta família, especificamente, desta mãe, é reconhecido por seus filhos que, em seus depoimentos, deixaram claro que pensam em ter um futuro melhor para, justamente, poderem retribuir àqueles que lhes ajudaram.

“E: _ ... então, assim, foi isso que me fez sair, sabe Vanda, não dá, você vê as dificuldades dentro de casa, você esperar tudo por seu pai, por sua mãe... meus pais estão ficando velhos, eu sei que eles não vão poder me sustentar e questão de família, também, que’u quero ter, mas eu quero ter uma família com estrutura...”[sexo feminino, 23 anos, 3º grau incompleto, moradora da cidade, estuda fora]

No trecho do depoimento desta moça, fica claro que sua família é importante, mas que constituir uma família, também. Morando em outro município e experimentando novas descobertas e possibilidades, esta jovem deseja casar-se, ter filhos e uma profissão que lhe possibilite a segurança financeira. Assim, defende que se o jovem quiser mudar sua condição de vida deve sair, estudar, ter uma profissão, dizendo: “... essa caminhada

minha, me fez crescer, amadurecer...”. Assim como ela, outros jovens foram percebendo

que deveriam tentar fazer um 2º grau melhor, profissionalizante, sendo esta, a procura da maior parte dos jovens que estão fora.

“E:_ Justamente, acho que devem ter umas 30 pessoas, sabe, e isto tá acontecendo de uns 3 anos prá cá. Que antes, entendeu, é igual eu te falei, ninguém corria atrás, estava muito acostumado com a vida parada daqui de Chapada, então foi vendo as dificuldades; foi vendo que não ia dar para continuar só com o 2º grau, não ia dar... que a vida tava ficando difícil, o dinheiro difícil, o emprego difícil, então, assim... perceberam, entendeu, caíram na real que, para se ter um bom trabalho, entendeu, deve ter uma boa vida, não é uma boa vida, mas conseguir uma vida normal, entendeu, tem que estudar, tem que ter um bom estudo para um bom trabalho.”

Um outro fato interessante, narrado pela moça foi que, sua volta, seu interesse pelos estudos aconteceu, simultaneamente, com a sua mudança religiosa. Ou seja, antes, ela estava parada e desinteressada de continuar os estudos , bem como, desligada da igreja Católica pois, conforme me disse ”... eu ajudava, sempre ajudei, eu dei catecismo

e tudo, mas eu era mais desligada, depois eu vi, quando eu passei para a Adventista, eu senti o choque, entendeu? As coisas ficaram muito mais claras para mim, as leituras bíblicas, eu lia e, às vezes, eu não entendia muito...”

Porém, a moça, ainda não se batizou na igreja Adventista, apenas freqüenta: “...

então eu peço à Deus força para eu conseguir abrir mão de muitas coisas que eu não devo fazer, entendeu(...)”, diz. Mas, em seguida, parece-me que seu comentário alerta

para o fato de que ela não se submete, totalmente, aos desígnios da igreja: “... eu acho

que a gente tem que fazer o que a gente quer, o que o coração tá sentindo, e por enquanto eu estou bem, sabe, em termos de religião.” Portanto, se sente à vontade, muito

provavelmente, porque não lhe fazem cobranças mais rígidas.

Contudo, esta família exemplifica uma minoria mas, muito provavelmente, ela represente a possibilidade de ser também mais um modelo a flexibilizar os contextos familiares presentes em Chapada do Norte, flexibilizando, portanto os sonhos de outros jovens. Abrindo outras portas.