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CASO CLÍNICO Nº4 – GASTROENTEROLOGIA

Evolução da azotemia e hiperfosfatemia

CASO CLÍNICO Nº4 – GASTROENTEROLOGIA

IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE

Nome do animal: Oscar Espécie: cão Raça: Dogue Alemão

Sexo: masculino Data de nascimento: 15/01/2012 (2 anos) Peso: 65,000Kg

Castrado: sim Data de consulta: 27/09/2014

MOTIVO DA CONSULTA

Distensão abdominal.

ANAMNESE E HISTÓRIA CLÍNICA

No dia 27/09/2014 pelas 21h30 o Oscar chegou como caso urgente por se demonstrar fraco, dispneico e com o abdómen distendido. O proprietário encontrou o Oscar assim quando chegou a casa e nessa manhã não se havia apercebido de qualquer alteração.

Historial clínico recente:

11/09/2014: o Oscar veio reencaminhado de outra clínica com diagnóstico de dilatação gástrica. No exame físico demonstrou-se alerta mas com várias tentativas de vómito (nunca produtivas), abdómen gravemente distendido (à auscultação abdominal com percussão registo de sons timpânicos) e respiração ofegante (restante exame sem mais alterações dignas de registo). Fez-se descompressão e lavagens gástricas com tubo oro-gástrico (progressão fácil do tubo, grande libertação de gás e alto conteúdo em alimento digerido). O Oscar ficou internado e fez um jejum aproximado de 12h com início de refeições com pouca quantidade de alimento e frequentes. No dia seguinte teve alta, sem sinais de dilatação nem tentativas de vómito e algum apetite presente. Advertiu-se o proprietário para os sinais relacionados com dilatação gástrica a que deveria estar atento. Medicação para os próximos 5 dias: Ranclav® (PA: amoxicilina + clavulanato de potássio) 2 comprimidos (625mg + 375mg) PO BID; Ulsanic® (PA: sucralfato) 1g 1 comprimido PO TID; Histak® (PA: ranitidina) 150mg 1 comprimido PO BID; Cerenia® (PA: citrato de maropitant) 160mg 1 comprimido PO SID.

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14/09/2014: o proprietário trouxe o Oscar por se ter apercebido que este apresentava dor abdominal, referindo ainda presença de ligeira hipersiália e por vezes inquietude, mas que até a manhã do presente dia se tinha vindo a demonstrar bem e com apetite. Exame físico sem algo a reportar, exceto na região abdominal: ligeira distensão (sem dilatação gástrica óbvia), à auscultação borborigmos aumentados a nível intestinal. Realizaram-se análises: hemograma e alguns parâmetros bioquímicos (segundo a ficha clínica sem registo de alterações). Terapia paliativa – administrações únicas de: Temgesic® (PA: buprenorfina – analgésico) 3 ampolas de 1mL (0,3mg/mL) SC; Stemetil® (PA: maleato de proclorperazina – antiemético) 1 ampola de 1mL (12,5mg/mL) SC; Buscopan® (PA: brometo de butilescopolamina – antiespasmódico e anticolinérgico) 2 ampolas de 1mL (20mg/mL) SC. Aconselhou-se o proprietário a alimentar o Oscar em refeições repartidas (2 a 3 por dia). Foi igualmente feita a recomendação de intervenção cirúrgica para realização de gastropexia preventiva.

EXAME FÍSICO

O Oscar apresentava-se com estado mental um pouco prostrado e aparentemente fraco. Abdómen gravemente distendido. Condição corporal 5/9 (N). Temperatura rectal de 38,6°C (N). Estado de hidratação superior a 95% (N), avaliado pela prega de pele. Mucosas húmidas/brilhantes, com TRC de 1s (N), mas cianóticas (incluindo a língua). FC e FR impercetíveis devido a dispneia e respiração ofegante. Palpação abdominal com presença de dor e à auscultação com percussão registo de sons timpânicos. Os linfonodos superficiais apresentaram-se sem alterações à palpação.

LISTA DE PROBLEMAS

Distensão abdominal grave, prostração, fraqueza, dispneia.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

1) Dilatação gástrica

2) Complexo dilatação-torção gástrico 3) Ascite (causas de)

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a) Radiografia abdominal (decúbito lateral direito)

Na Fig.1 pode observar-se uma estrutura correspondente ao estômago, em que é possível confirmar a dilatação e torção gástricas. A baixa radiopacidade revela uma marcada dilatação por gás. Embora o estômago seja uma estrutura com grande capacidade de distensão tem-se como referência que o seu limite caudal não deve ultrapassar a vértebra L4, ao contrário do que se verifica neste caso. O estômago apresenta ainda uma aparência segmentada derivada da sua torção (no sentido dos ponteiros do relógio, considerando uma perspetiva ventrodorsal) (Burk & Feeney, 2003).

Finalmente, de referir ainda que pelo facto de esta radiografia ser de um cão de raça gigante, não permite a visualização de muitas outras estruturas abdominais que noutros portes seria possível.

DIAGNÓSTICO

Complexo dilatação-torção gástrico (CDTG).

TERAPIA APLICADA

 Fluidoterapia IV – Lactato de Ringer; Voluven® 6%

Nestes animais, pela alta probabilidade de choque hipovolémico, fluidoterapia agressiva deve ser instituída de imediato, sendo mesmo aconselhada cateterização das veias cefálica ou jugular (pela potencial baixa perfusão nas extremidades) (Davidson, 2014). No Oscar fez-se cateterização em ambos os membros anteriores para administração simultânea dos dois tipos de fluidos referidos.

 Oxigenoterapia

Pelo facto de o Oscar se encontrar com as mucosas cianóticas colocou-se a máscara para suplementação de oxigénio.

 Descompressão gástrica

Sedação com Propofol 1% IV infusão lenta e faseada (recomendação: 1mg/Kg/minuto – Plumb, 2008). Com o Oscar em decúbito lateral mediu-se um tubo (de largo diâmetro) desde o nível dos incisivos à 13ª costela, colocando-se uma fita para referência. Lubrificou-se o tubo, inserindo-se pela boca, e progredindo com ligeiros movimentos de rotação uma vez que se ia

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fazendo sentir alguma resistência à progressão. A partir de um certo ponto como se deixou de conseguir progredir com o tubo (sem se ter chegado a passar o cárdia), a decisão foi de interromper esta técnica e tentar descompressão com recurso a gastrocentese percutânea. No abdómen lateral direito (após percussão para encontrar uma região em que os sons timpânicos fossem mais audíveis) fez-se tricotomia e assepsia de uma pequena área, onde foram introduzidas duas agulhas de 16 gauge para libertação de gás. De seguida fez-se nova tentativa de entubação oro-gástrica (desta vez possível de alcançar o estômago), com libertação de algum gás e conteúdo líquido.

 Resolução cirúrgica

MPA com PromAce® (10mg/mL) (PA: maleato de acepromazina) 0,26mL IM e Morphine Sulfate for injection (10mg/mL) (PA: sulfato de morfina) 6,5mL SC; indução anestésica, além do propofol, com Rompun® 2% (PA: xilazina) 9mL IM; manutenção com gás halotano. Em simultâneo com a entubação endotraqueal manteve-se o tubo oro-gástrico. A abordagem cirúrgica tem por objetivo retroceder a rotação feita pelo estômago, reposicionar os órgãos fora da sua posição anatómica normal, avaliar a sua viabilidade (essencialmente do estômago e baço) e, finalmente, realizar uma gastropexia permanente para prevenir recorrência. O acesso à cavidade abdominal é feito por incisão desde o processo xifóide do esterno a um ponto médio entre a região umbilical e o púbis. Os órgãos são recolocados, podendo, mediante inspeção, ser necessário outro tipo de intervenções cirúrgicas (nomeadamente, esplenectomia parcial a total e/ou gastrectomia parcial). Variadas técnicas de gastropexia têm vindo a ser descritas, parecendo a incisional uma das mais utilizadas. A gastropexia incisional é simples, rápida, com probabilidade de complicações baixa e cria adesões fortes entre o antro pilórico e a parede abdominal direita (na Fig.2 pode observar-se um resumo desta técnica). No final do procedimento deve fazer-se lavagens da cavidade abdominal e então encerrar a mesma. (Simpson, 2014)

Quando ainda se tentava a recolocação dos órgãos nas respetivas posições anatómicas a FC do Oscar caiu abruptamente e a sua respiração tornou-se errática. Foram feitas tentativas de ressuscitação cardiopulmonar com administrações de adrenalina e atropina, ventilação assistida e compressões torácicas externas. Estas tentativas acabaram por não surtir efeito. Uma vez que mesmo com a suplementação de oxigénio as mucosas do Oscar se mantiveram cianóticas e durante a cirurgia foi percetível a presença de líquido cranealmente ao diafragma (na cavidade torácica, portanto), prosseguiu-se, nesta fase, com toracotomia exploratória.

75 NECROPSIA

Foi realizada uma necropsia parcial/incompleta para tentar obter mais informações acerca do desfecho do caso do Oscar, uma vez que durante a cirurgia também foram detetados sinais de alterações na cavidade torácica.

Estômago – Fig.3: na imagem pode observar-se a curvatura maior do estômago (já reposicionado, mas ainda dilatado com gás), com os respetivos vasos sanguíneos ingurgitados; no limite inferior da imagem observa-se parte do baço.

Baço – Fig.4. Uma vez que o baço se encontra ligado à curvatura maior do estômago, este é deslocado conforme o estômago vai rodando e, por isso, tende a observar-se esplenomegalia por congestão (Davidson, 2014). No entanto, no presente caso, além do baço se encontrar na posição anatómica normal, observou-se ainda contração esplénica (incompleta). Intestino delgado e omento – Fig.5: alguma dilatação do ID (por gás), com ligeira alteração da cor em alguns segmentos (azulada) e ingurgitação dos vasos sanguíneos do omento. Cavidade torácica – Fig.6: quando se fez acesso à cavidade torácica foi confirmada a acumulação de líquido na mesma, não possibilitando a visualização dos pulmões, apenas a do coração. Ao nível do mediastino anterior foi detetada uma massa aderida mas passível de ser destacada sem perda da sua integridade (na Fig.6 já retirada), encapsulada, de cor castanha, diâmetro aproximado de 13cm, com conteúdo sob tensão, que se fez sentir principalmente ao fazer incisão na mesma, libertando-se um conteúdo igualmente acastanhado, friável, semelhante a sangue cozido (Fig.7); uma porção desta massa foi colocada em formalina para posterior envio para análise histopatológica. A flutuar de forma livre no líquido torácico encontravam-se estruturas viscosas com algum grau aparente de organização tecidular, pois mantinham a sua integridade sem se misturarem no derrame pleural (uma delas presente na Fig.6, caudalmente ao coração), mas com alta viscosidade (Fig.8). De seguida aspirou-se o líquido da cavidade torácica, perfazendo um volume de 5L. Embora à superfície, na Fig.6, a cor do derrame fosse bordeaux, como no caso dum derrame hemorrágico, quando se homogeneizou o aspirado, acabou por revelar um aspeto quiloso, com um tom rosa pálido esbranquiçado (Fig.9). Macroscopicamente, os pulmões não aparentavam alterações dignas de registo.

ANÁLISE HISTOPATOLÓGICA – MASSA MEDIASTÍNICA

Da amostra enviada múltiplos cortes foram preparados para análise. Ao microscópio a imagem revelou-se indicativa de tecido conjuntivo laxo e gordura, com hemorragia extensiva,

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bem como formação de cápsula, consistindo em fibras maduras de colagénio. Visualização de exsudado fibrinoso e início de proliferação de vasos sanguíneos. Restos de tecido tímico visíveis no hematoma organizado.

Diagnóstico: hematoma organizado e atrofia do timo.

Como o Oscar não sobreviveu à cirurgia não foram enviadas mais amostras para análise, uma vez que, relativamente a custos, apenas seria viável havendo interesse em aplicar algum tipo de terapia mediante resultados obtidos.

CITOLOGIA – DERRAME PLEURAL

Embora não houvesse qualquer interesse terapêutico, ainda assim, o médico responsável, decidiu fazer uma rápida observação do esfregaço obtido a partir do líquido do derrame pleural, do qual afirmou ser potencialmente compatível com quilotórax. Na Fig.10 pode ser observado um esfregaço obtido a partir de quilotórax num cão.

DISCUSSÃO

O Oscar, além de ser um animal com historial de dilatação gástrica, pertence também a uma raça muito propícia a manifestar este problema, bem como o de torção e dilatação associadas, uma vez que raças grandes a gigantes e de peito fundo se encontram mais predispostas a desenvolver estas condições (Willard, 2009). Em ambas as situações distensão e dor abdominais são um registo frequente, alterações respiratórias (geralmente taquipneia), alteração do estado mental, entre outras, sendo que em presença de torção gástrica os SC’s apresentados tendem a ser mais graves e implicando uma intervenção mais imediata. A ascite é definida como uma acumulação de fluido na cavidade peritoneal e na sua origem estão doenças cuja fisiopatologia altere as chamadas forças de Starling (modificando o gradiente de pressão), nomeadamente: doença cardíaca, hepatopatia, hipertensão pulmonar, enteropatia ou nefropatia perdedoras de proteína (Mansfield, 2013). Na presença de ascite os SC’s variam com a causa subjacente, mas em todo o caso a presença desta tende apenas a fazer-se notar a partir do momento em que há um grande volume acumulado. A constipação caracteriza-se por menor, ou ausente, defecação com retenção de fezes no cólon e reto e as suas causas podem ser variadas (dieta, obstrução intra ou extraluminal, idiopática, neuromuscular, comportamental, etc) (Sherding, 2006). Esta hipótese é, no entanto, referida em último por este caso se ter demonstrado com evolução aguda e à palpação abdominal a dor se registar mais cranealmente.

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Pela análise dos SC’s, recolha de historial clínico e, essencialmente, pela imagem radiográfica, foi possível estabelecer o diagnóstico de dilatação e torção gástricas. Este complexo tem uma evolução aguda, caracterizando-se por malposicionamento do estômago, rápida acumulação de gás neste, aumento da pressão intra-gástrica e choque, colocando o animal em risco de vida e em necessidade iminente de intervenção terapêutica (Hall, 2013).

Em termos epidemiológicos o complexo dilatação-torção gástrico (CDTG) ocorre mais frequentemente em cães, de raça gigante e peito profundo (Betts et al., 1974). Em termos de raça aquela em que se tem registado maior incidência é precisamente na do Oscar – Dogue Alemão – seguida de outras raças como o Cão de Santo Humberto, Lebrél Irlandês, Poodle, etc (Betts et al., 1974; Lawrence et al., 2000). Lawrence et al. (2000) refere uma probabilidade de desenvolvimento do CDTG, no Dogue Alemão, de 42,4%. Também no estudo elaborado por Lawrence et al. (2000), como no de Hendriks et al. (2011), registou-se maior incidência a partir de uma certa idade (5 anos ou mais) e em cães macho.

No CDTG a etiologia é no fundo atribuída a uma série de fatores de risco (intrínsecos e extrínsecos) que acabam por predispor e, em última instância, provocar esta condição.

Nos fatores intrínsecos foi determinado que os seguintes podem/parecem aumentar a probabilidade de desenvolvimento de CDTG:

Sexo: macho (Glickman et al., 1997);

Idade: idade avançada/aumento de idade (Glickman et al., 1994, 2000b; Raghavan et al., 2004);

CC: magra (Glickman et al., 1997);

Peso: elevado (mas sem aumento da CC) (Glickman et al., 1994);

 Genética: ter um parente em 1º grau que tenha desenvolvido o CDTG (pai, irmão ou filho) (Glickman et al., 2000b; Raghavan et al., 2004; Dennler et al., 2005);

 Anatómicos:

Aumento do rácio profundidade/largura torácico (Raghavan et al., 2004; Glickman et al., 1996);

Ligamentos hepatoduodenal e hepatogástrico: Hall et al. (1995) elaborou um estudo comparativo do comprimento destes ligamentos entre cães que desenvolveram CDTG e outros que não, em que o dos primeiros foi significativamente maior (ficando ainda aberto para interpretação se um maior comprimento nestes ligamentos predispõe a que ocorra torção, ou se é a própria torção que causa o seu alongamento);

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Alterações gastrointestinais: no estudo realizado em 1996 por Braun et al., dos 23 casos considerados, 86% destes apresentavam historial de alterações gastrointestinais e 61% demonstraram ter lesões consistentes com IBD – Inflammatory Bowel Disease;

 Aerofagia: fator ainda muito debatido, com conclusões divergentes de estudos; a aerofagia pode ocorrer com situações como o comer muito rápido ou ter a taça da comida elevada.

Nos extrínsecos aqueles mais frequentemente observados, estão relacionados com:

 Dieta: uma única refeição diária; grande quantidade de comida; ração seca e que contenha nos seus primeiros quatro ingredientes óleos, gorduras ou ácido cítrico (Glickman et al., 1997; Raghavan et al., 2004, 2006);

Hábitos de alimentação: ter a taça da comida elevada; comer rápido (Glickman et al., 1997; Glickman et al., 2000b; Raghavan et al., 2004);

 stress: ambientes/ocasiões com fontes de stress e que induzam um temperamento mais nervoso (Glickman et al., 1997).

Fatores que parecem reduzir o risco de desenvolvimento do CDTG estão associados com cães de temperamento “feliz” (Glickman et al., 1997); na ração seca adição de elementos de carne e osso incluídos nos primeiros quatro ingredientes (Raghavan et al., 2004); junção de comida caseira à ração seca (como peixe ou ovos) (Glickman et al., 1997; Bell, 2014); alimento cujas partículas sejam maiores que 3cm (Mazzaferro & Monnet, 2013).

Mediante esta análise, é possível constatar que o Oscar possuía várias das caraterísticas epidemiológicas, bem como fatores de risco, associados ao desenvolvimento do CDTG.

Nos mecanismos envolvidos na fisiopatologia do CDTG, se é a dilatação gástrica que antecede a torção, ou esta a dilatação continua, ainda atualmente, a ser debatido e cria, por vezes, alguma discordância entre os diversos profissionais. No estudo de Caywood et al. (1977), referido por Davidson (2014), a composição do ar contido no estômago de cães com esta condição sugere uma origem por aerofagia, mas que pode também conter gases com origem na fermentação de carbohidratos por bactérias, ou, potencialmente, mas não comprovado, por difusão a partir do sangue. No entanto, outros estudos, tal como o de Kruiningen et al. (2013), apurou que a aerofagia não pode estar na origem do CDTG uma vez que a % em CO2 no

conteúdo gástrico se encontrava entre 13 e 20% (superior ao 1% do ar atmosférico), indicando produção de gases por fermentação bacteriana (quer comensal como adquirida pela alimentação). Foi também já sugerido que a % em CO2 no conteúdo gástrico pode ter origem

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na reação do bicarbonato presente na saliva ingerida com o ácido clorídrico no estômago, uma hipótese nunca testada (Hall, 2013; Kruiningen et al., 2013). Conforme o estômago continua a dilatar, o trânsito GI torna-se obstruído por compressão do esófago e duodeno e assim que a pressão no interior gástrico atinge um certo limite, o aumento da pressão na porção terminal do esfíncter do esófago excede a sua capacidade em abrir e permitir a libertação de gás por eructação (Mazzaferro & Monnet, 2013). Para melhor assimilação, no Esquema 1, pode ser consultada uma das hipóteses formuladas para explicar o desenvolvimento do CDTG.

A torção gástrica ocorre geralmente (> 90% dos casos) no sentido dos ponteiros do relógio (numa perspetiva ventrodorsal), podendo torcer entre os 90° e 360°, mas mais frequentemente entre os 220° e 270° (Mazzaferro & Monnet, 2013). O piloro e o duodeno movem-se ventralmente, passando por baixo do corpo do estômago no sentido esquerdo, para lá da linha média, indo, finalmente, colocar-se dorsalmente acima do cárdia (Hall, 2013). Esta foi a situação observada no Oscar, com um grau de rotação dentro do intervalo considerado mais frequente. Uma vez que o baço se encontra ligado à curvatura maior do estômago (pelo ligamento gastroesplénico), a torção do estômago tende a deslocar o baço da sua posição anatómica normal, causando congestão, com consequente esplenomegalia (Hall, 2013). Na Fig11, para melhor compreensão, pode ser consultado um esquema que ilustra diferentes graus de rotação do estômago. Rotação no sentido oposto aos ponteiros do relógio é muito menos frequente e só tende a fazer um angulo até 90° (Bhatia et al., 2010).

A dilatação gástrica causa também aumento da pressão intra-abdominal, levando, em conjunto, a oclusão da veia porta e da veia cava caudal, por compressão, reduzindo o retorno sanguíneo ao coração, com diminuição drástica do débito cardíaco e da pressão arterial, induzindo choque hipovolémico (Mazzaferro & Monnet, 2013). Esta hipoperfusão aos tecidos resulta em consequências em vários órgãos principais, incluindo o coração (isquemia do miocárdio), rins (IRA), pâncreas (em isquemia produz um fator depressor do miocárdio, que induz arritmias), fígado (a depressão da função reticuloendotelial celular impede a remoção de endotoxinas), ID (acidose local, hemorragia e edema subepiteliais, seguido de hemorragia entérica). A marcada congestão crónica passiva nos órgãos abdominais, faz com que estes, além da isquemia, acumulem endotoxinas (proveniente do TGI), ativando mediadores inflamatórios; esta isquemia gástrica pode ainda resultar em gastrite que progride para necrose, com possível rotura e peritonite (Mathews, 2009; Hall, 2013). Com lesão na mucosa do TGI, e subsequente translocação de bactérias e endotoxinas, o paciente fica predisposto a sepsis e choque séptico (Mathews, 2009). A endotoxemia e lesão endotelial podem ainda levar a ativação da cascata de

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coagulação, podendo resultar em coagulação intravascular disseminada (Hall, 2013). O estômago aumentado de volume, também por efeito de compressão, empurra o diafragma cranealmente, diminuindo o espaço para expansão dos pulmões, exacerbando a má ventilação e perfusão dos tecidos e como mecanismo compensatório a frequência e esforço respiratórios aumentam (Bhatia et al., 2010; Davidson, 2014). Se terapia não for instituída de modo imediato, o choque atinge um ponto irreversível (provavelmente causado pela endotoxemia) e a morte torna-se inevitável (Hall, 2013). No Esquema 2, de forma resumida e para fácil interpretação, estão representadas as potenciais consequências que podem derivar de um episódio de CDTG. Aquando do exame físico do Oscar verificou-se taquipneia, no entanto, existiam ainda alterações ao nível da cavidade torácica que lhe poderiam igualmente provocar stress respiratório (a abordar mais adiante) e, no momento da cirurgia e/ou necropsia, congestão dos vasos sanguíneos do estômago e ID, bem como alteração de coloração de alguns dos seus segmentos, indicam hipoperfusão do órgão ou mesmo de outras alterações subjacentes, como, por exemplo, necrose.

As manifestações clínicas são variáveis, mediante o grau de torção e dilatação gástricos e ponto de evolução do choque. A apresentação mais frequente inclui distensão progressiva e aguda do abdómen craneal, tentativas de vómito não produtivas, ptialismo, letargia, depressão, ansiedade, dificuldade em encontrar uma posição confortável (Bhatia et al., 2010; Mazzaferro & Monnet, 2013). Alguns autores referem que muitos dos proprietários afirmam o animal ter feito uma refeição (grande), seguida de ingestão de grande quantidade de água antes de os SC’s se terem iniciado (Grauer & DeYoung, 1978; Tivers & Brockman, 2009). Na abordagem por

exame físico, tendem a registar-se dor à palpação e som timpânico à auscultação com percussão ao nível do estômago. Taquicardia, mucosas pálidas, aumento do TRC e pulso forte são, geralmente, sinais precoces de compensação de choque, conforme este progride e se instala uma incapacidade de compensação, a qualidade do pulso, PS e temperatura corporal decrescem, a hipoperfusão surge e leva a transição de metabolismo aeróbio para anaeróbio e, assim, desenvolvimento de acidose (Mazzaferro & Monnet, 2013). Numa fase mais avançada com o deficiente débito cardíaco e a descompensação do choque, coma e, finalmente, morte ocorrem (Mazzaferro & Monnet, 2013). Muitas destas caraterísticas foram manifestadas pelo Oscar, como já anteriormente descrito.

O diagnóstico tende, inicialmente, a ser presuntivo pelo historial, manifestações

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