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IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE

Nome do animal: Zibadee Espécie: cão Raça: Wippet

Sexo: masculino Data de nascimento: 02/11/2002 (12 anos) Peso: 14,850Kg

Castrado: sim Data de consulta: 27/10/2014

MOTIVO DA CONSULTA

Massa na região inguinal esquerda e escrotal.

ANAMNESE E HISTÓRIA CLÍNICA

No dia 27/10/2014 o Zibadee veio para uma consulta, como caso reencaminhado de outro hospital veterinário. Na carta redigida pelo médico responsável pelo Zibadee refere que há três meses foi removida uma pequena massa na região inguinal (mais detalhes sobre localização exata, tamanho e caraterísticas não vêm especificadas). O diagnóstico apresentado foi de mastocitoma e, nesta fase, o médico que reencaminhou o caso, suspeita de recorrência da neoplasia no atual tumor. Vem ainda a informação de que o Zibadee tem um sopro de origem cardíaca (não está a fazer medicação).

O Zibadee é o único animal que os proprietários têm, vai à rua acompanhado (com trela) e tem os planos de vacinação e desparasitação em dia. A sua alimentação consiste em ração seca (ad libitum) de marca genérica e tem sempre água à disposição. Os proprietários não têm notado alterações no apetite, micção, fezes, nem quaisquer outros hábitos.

EXAME FÍSICO

Ao exame físico o Zibadee demonstrou-se muito assustado, mas com estado mental alerta. Temperatura rectal de 38,5°C (N). Estado de hidratação superior a 95% (N), avaliado pela prega de pele. Condição corporal 5/9 (N). Mucosas rosadas e húmidas/brilhantes, com um TRC entre 1 e 2s (N). Pele e faneras sem alterações dignas de registo (à exceção do tumor). FC

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acima dos 130bpm (↑) e presença de sopro cardíaco sistólico de grau III/VI. FR 30rpm (N). Pulso forte, simétrico e síncrono. À palpação abdominal não se registaram alterações.

Num exame mais localizado, na zona do tumor, na região imediatamente caudal e lateral esquerda ao prepúcio, foi possível observar múltiplos nódulos, de variados tamanhos (os mais pequenos redondos e de contornos regulares e os maiores de contornos irregulares), não ulcerados, de tom rosado (Fig.1). A região da massa apresentava alopecia, sem prurido nem presença de dor na sua manipulação. À palpação foi possível perceber o prolongamento da massa, estendendo-se para a área do canal inguinal e do triângulo femoral esquerdo; consistência branda, sem aderências, móvel e sem alteração de temperatura. A nível escrotal (porção posterior), foram observados dois pequenos nódulos, redondos, de contornos regulares, não ulcerados, cor bordeaux, consistência firme e, aparentemente, sem sinais de prurido, dor ou alteração de temperatura (Fig.2).

O linfonodo inguinal esquerdo apresentava-se hipertrofiado (restantes linfonodos superficiais sem alterações dignas de registo à palpação).

LISTA DE PROBLEMAS

Presença de massa na região inguinal esquerda e escrotal; sopro sistólico de grau III/VI.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

1) Mastocitoma

2) Hiperplasia das glândulas sebáceas, Adenoma, Adenocarcinoma 3) Histiocitoma

4) Hemangioma cutâneo 5) Granuloma

EXAMES COMPLEMENTARES

a) Hemograma

No hemograma, foi registado apenas o seguinte valor alterado: monócitos 139/μL (↓). b) Bioquímica sérica

As medições séricas efetuadas tiveram em consideração não apenas um perfil básico, como também direcionado para o facto de o Zibadee já ser um animal geriátrico. Os parâmetros

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medidos foram: glucose, ALB, ALT, FA, GGT, PT, UN, creatinina, Ca, TCHO e T4 total. Todos eles se encontravam dentro dos valores tidos como normais.

c) PAAF

Foram coradas com Diff-Quick 2 lâminas obtidas por PAAF (de locais diferentes da massa inguinal descrita). Em ambas, foi possível observar considerável celularidade, com observação maioritária de mastócitos (isolados ou em grupos, com presença de grânulos no citoplasma, alguma anisocitose e anisocariose) e de eosinófilos. Observaram-se ainda alguns linfócitos, neutrófilos e macrófagos. (Fig.3)

d) Radiografia (torácica)

Foi efetuada uma radiografia torácica em decúbito lateral direito, na qual não foram observadas alterações dignas de registo.

DIAGNÓSTICO

Mastocitoma (estádio II-1 ou III-1 – Tabela 1).

TERAPIA APLICADA

Dado o diagnóstico obtido o plano proposto foi de remoção cirúrgica da massa (com remoção do linfonodo local) e envio da mesma para análise histopatológica. Caso essa análise demonstre remoção da massa com margens incompletas, recomenda-se radioterapia adicionalmente.

 Excisão cirúrgica (12/11/2014 às 13h00)

Esta intervenção cirúrgica apresenta algumas preocupações, nomeadamente, o facto de ser necessária uma remoção de tecido com largas margens e profundidade (incluindo amputação peniana com subsequente uretrostomia) e pelo facto de ser um animal geriátrico que, a acrescentar, possui um sopro cardíaco.

Antes de se ter prosseguido para a cirurgia, procedeu-se igualmente com PAAF do linfonodo contralateral à massa (inguinal direito) (Fig.4). A amostra desta citologia revelou-se não representativa, pela rara presença de elementos celulares. A decisão foi de remover igualmente o linfonodo direito, pelo risco de o mesmo poder estar infiltrado com células tumorais.

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O Zibadee foi colocado a fazer fluidoterapia (Lactato de Ringer); MPA com PromAce® (10mg/mL) (PA: maleato de acepromazina) 0,06mL IM e Morphine Sulfate for injection (10mg/mL) (PA: sulfato de morfina) 1,5mL SC; indução anestésica com Propofol 1% 4,5mL IV e Valium® (5mg/mL) (PA: diazepam) 0,3mL IV; entubação endotraqueal; manutenção anestésica com gás halotano.

Após a preparação do campo cirúrgico, foi medida uma margem de 2cm em relação à massa principal/maior, em todos os sentidos (à exceção de no sentido escrotal, com margem maior, para incluir remoção do escroto, pelos dois nódulos neste presente), delimitado com um marcador para referência (Fig.5). Fez-se incisão ao longo da linha marcada e iniciou-se a dissecção dos tecidos subjacentes, incluindo a fáscia mais superficial. De seguida o pénis foi algaliado (Fig.6), para permitir a identificação da uretra, fez-se retração do tecido cutâneo e incisão longitudinal do pénis, até à uretra, na sua porção proximal (Fig.7) para criar o orifício para uretrostomia (ao nível do períneo). A algália foi retirada. De seguida o pénis foi ligado (catgut 2), entre o local a ser feita a incisão de amputação e o local de uretrostomia, para criar hemostase. Incisão do pénis, acima do local onde foi ligado, com sua remoção, da massa (incluindo os linfonodos inguinais esquerdo e direito) e tecidos suprajacentes (Fig.8). Na porção livre do pénis os bordos da túnica albugínea foram ligados (maczyn 2/0) com padrão simples interrompido e a mucosa da uretra justaposta com a pele em redor (maczyn 5/0) com padrão simples contínuo (Fig.9 e Fig.10 B e C). Nesta fase a ferida cirúrgica foi lavada com soro fisiológico aquecido (com auxílio de uma seringa de 20mL e uma agulha de 18G) e aspirado.

Pelo facto de ser uma ferida cirúrgica de largas dimensões, faz com que seja mais difícil de encerrar pela tensão que se irá criar ao aproximar os bordos. Desta forma, foram primeiro executados pontos de aproximação (padrão longe-perto-perto-longe), para os quais foi inclusive necessário fazer adução dos membros pélvicos para permitir a aproximação dos bordos (Fig.11) e os restantes simples interrompidos (nylon 4/0).

Para finalizar, foi realizada uma técnica para alívio de tensão, com múltiplas incisões de relaxamento (Fig.12). Na Fig.13 pode observar-se o local da uretrostomia.

 Synulox® (PA: amoxicilina trihidratada e clavulanato de potássio) 0,75mL SC SID (início às 15h00 de 12/11/2014)

 Temgesic® (PA: buprenorfina) 0,8mL SC TID (início às 17h00 de 12/11/2014)

 Limpeza do local da sutura e da uretrostomia de 6 em 6h (início às 19h00 de 12/11/2014)  Onsior® (PA: robenacoxib) 20mg 1 comprimido PO SID (início às 19h00 de

27 EVOLUÇÃO

O Zibadee ficou hospitalizado, por tempo indefinido, mediante evolução. Ao longo do período de hospitalização foi feito um seguimento de forma contínua, com exames físicos completos a cada 4h.

12/11/2014 – 15h00: o Zibadee ainda se encontra a recuperar da anestesia. Exame físico: estado mental alerta mas ligeiramente deprimido; temperatura rectal de 33,7°C (↓); FC 120bpm (N); FR 24rpm (N); mucosas rosadas e húmidas; TRC < 2s (N). Colocou-se colar isabelino (Fig.14), muito importante pelo alto risco de infeção por lambedura. Não urinou nem defecou. Alguma hemorragia no local da uretrostomia. 17h00: temperatura rectal de 37,9°C (N); defecou. 19h00: continua ligeiramente deprimido; ofereceu-se comida (arroz com frango) mas não quis; urinou sem aparente dificuldade.

13/11/2014 – 7h00: estado mental alerta mas ligeiramente deprimido; temperatura rectal de 37,7°C (↓); FC 112bpm (N); FR 28rpm (N); mucosas rosadas e húmidas; TRC < 2s (N). Urinou. O local da uretrostomia ainda apresenta alguma hemorragia. 16h00: comeu pela primeira vez e com apetite; tem continuado a urinar; retirou-se a fluidoterapia por o Zibadee estar sempre a roer o sistema de soro.

14/11/2014 – 10h00: o Zibadee está alerta; desde há 24h que não urina. Fez-se ecografia para se observar a bexiga, que se encontrava pouco distendida. Ecocardiografia (monitorização do sopro cardíaco): algum grau de regurgitação na válvula mitral, sem sinais de remodelação cardíaca; fez-se diagnóstico de doença valvular mitral crónica. Detetou-se ainda um nódulo na região torácica esquerda (Fig.15), com cerca de 1,5cm de diâmetro e de consistência firme, do qual se efetuou citologia por PAAF, corada com Diff-Quick, cuja imagem citológica era compatível com lipoma (aglomerados de células de grandes dimensões, com pequeno núcleo à periferia e sem conteúdo citoplasmático - adipócitos) (Fig.16).

16/11/2014 – O Zibadee tem estado a comer com apetite, tem-se apresentado muito agitado na jaula e a chorar; as constantes vitais têm-se mostrado com valores normais, continua a urinar sem dificuldade e já não se registam sinais de hemorragia no local da uretrostomia; a região da sutura encontra-se a cicatrizar dentro do esperado.

17/11/2014 – O Zibadee teve alta e levou para casa a seguinte medicação: Synulox®50mg, 4 comprimidos PO BID; Rimadyl® (PA: carprofeno) 75mg, 1 comprimido PO BID.

28 ANÁLISE HISTOPATOLÓGICA

Na Fig.17 pode observar-se a peça enviada para histopatologia (depois colocada em formol 10%), com diâmetro aproximado de 6cm. O relatório histopatológico revelou uma excisão com margens incompletas e de Grau II.

Segundo a descrição por Patnaik et al. (1984), os mastocitomas de grau II têm moderada a elevada celularidade e as células neoplásicas infiltram ou substituem a derme inferior e o tecido subcutâneo. Alguns tumores estendem-se para os músculos esqueléticos ou tecidos envolventes. Células pleomórficas moderadas e organizadas em grupos em estroma fibrovascular fino (em alguns locais o estroma era espesso, com fibrocolagéneo e áreas de hialinização). Células neoplásicas redondas a ovóides com fuso disperso e células gigantes. Maioria das células com citoplasma distinto e grânulos pequenos, contudo, em algumas células o citoplasma era indistinto e os grânulos grandes e hipercromáticos. O núcleo era redondo com cromatina dispersa e um só nucléolo; ocasionalmente dois nucléolos. Raras células em mitose (entre 0 a 2 em ampliação de 400x). Áreas de edema difuso e necrose.

Na Tabela 2pode comparar-se com os restantes graus e observar imagens de exemplo.

DISCUSSÃO

Segundo Jazic (2011), as neoplasias cutâneas mais frequentes no cão, por ordem decrescente de frequência são: lipoma, hiperplasia das glândulas sebáceas/adenoma, mastocitoma, histiocitoma e papiloma. Nos diagnósticos diferenciais, o mastocitoma vem referido em primeiro lugar pelo diagnóstico passado e recente de uma neoplasia identificada como tal. Os mastocitomas cutâneos são mais frequentes em cães de idade avançada e a sua morfologia varia muito, podendo facilmente mimetizar outras lesões nodulares da pele (Nuttall et al., 2009). Na hiperplasia das glândulas sebáceas, adenoma e o adenocarcinoma, todos têm origem no epitélio das glândulas sebáceas; a hiperplasia geralmente tem um aspeto rosado, lobulado, firme, bem circunscrito e com superfície alopécica, já os adenocarcinomas são mal circunscritos, grandes, invasivos e frequentemente ulcerados (são, no entanto, raros) (Peterson, 2006). Os histiocitomas cutâneos têm origem nas células dentríticas, ou de Langerhans, e são tipicamente associados com um ou mais nódulos/placas, sendo a zona perigenital uma das mais frequentes, podendo ou não ter alopecia ou eritema e geralmente não causam dor nem prurido (Nuttall et al., 2009). Também de considerar, os hemangiomas, tumores benignos de origem vascular endotelial, que à apresentação macroscópica são bem demarcados, encapsulados e cuja

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cor pode variar de vermelho claro a castanho-escuro (podendo confundir-se com melanoma) (Goldschmidt & Hendrick, 2002). Em último, pela sua baixa probabilidade e inespecificidade, vem referida a hipótese de um granuloma, uma vez que vários agentes e mecanismos lhe podem dar origem (p. ex.: reação por CE, reação de hipersensibilidade, bactérias ou fungos, por lambedura, idiopático). Das restantes neoplasias mais frequentes, referidas no início e não consideradas, por enquanto, como diferencial, não o foram pela sua fraca semelhança morfológica com a massa presente no Zibadee.

Os resultados dos exames complementares hemograma e bioquímica sérica ofereceram muito pouca informação para inferir um diagnóstico, no entanto, demonstraram resultados muito positivos, pelo facto de o Zibadee já ser um cão geriátrico e nos mesmos não se ter registado alterações relevantes. O único registo foi de monocitopenia, que, na prática clínica, não é uma alteração significativa (Weiss & Souza, 2010). Para citologia foram submetidas duas lâminas (com a descrição já feita), que permitiram chegar ao diagnóstico de mastocitoma. As lâminas foram coradas com corante Diff-Quick, que não é considerado o mais fiável para citologias desta índole, uma vez que pode não corar os grânulos dos mastócitos (Neel & Tarigo, 2012); azul de tuloidina, giemsa e eritrosina de pinacianol contornam o problema do Diff-Quick (Blackwood et al., 2012). Apesar de a citologia permitir estabelecer o diagnóstico de mastocitoma (em 92-96% dos casos), apenas permite suspeitar de entre baixo a alto grau, mediante o pleomorfismo celular (quanto maior o pleomorfismo, à partida, maior será o grau), enquanto a análise histopatológica permite determinar verdadeiramente o grau do tumor (Blackwood et al., 2012). Posto isto, o tumor do Zibadee é suspeito de alto grau.

Os mastocitomas estão entre os tumores de pele mais frequentes em cães (16-21% dos tumores cutâneos) e têm origem nos mastócitos (com percursores na MO). Fisiologicamente, os mastócitos estão intimamente envolvidos no controlo local do tónus vascular, presentes numa maioria dos tecidos, especialmente onde o corpo está em contacto com agentes externos (pele e superfícies mucosas), tendo uma função de defesa (participação em reações alérgicas) e contêm, ou libertam, uma grande variedade de moléculas bioativas, incluindo: heparina, histamina, leucotrienos e várias citocinas (Junqueira & Carneiro, 2005; Couto, 2009; Blackwood et al., 2012). Geralmente, os mastocitomas apresentam-se como tumores solitários e estudos epidemiológicos revelam maior incidência em cães mais velhos (média: aos 9 anos), sem pré-disposição sexual e com maior incidência em certas raças (não sendo a Wippet uma delas). A etiologia em cães não só é desconhecida como controversa, mas, como em muitas

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outras formas de cancro, poderá ser multifatorial; a já bem documentada pré-disposição racial sugere uma componente genética e estudos recentes abordam a mutação de um recetor celular (c-Kit), para a tirosina cinase, como uma das causas, uma vez ter sido documentado em aproximadamente 33% destes tumores (Dobson & Scase, 2007; Blackwood et al., 2012; Garrett, 2012). A apresentação clínica varia com o envolvimento sistémico (nomeadamente libertação de histamina, heparina e outras aminas vasoativas, por parte dos grânulos dos mastócitos); ulceração GI foi documentada em 35 a 83% das necropsias (pela libertação de histamina); cães com maior “carga” da doença (p. ex.: tumor de grande dimensão, metastização, doença sistémica) têm maior probabilidade em apresentar sinais relacionados com a libertação de mediadores dos mastócitos, que podem incluir: vómito, diarreia, hipertermia, edema periférico e, raramente, colapso; alterações na coagulação também foram documentadas (provável relação com a libertação de heparina); ocasionalmente, a manipulação do tumor resulta em desgranulação dos mastócitos e subsequente eritema e formação de pápulas nos tecidos circundantes – sinal de Darier (que pode também ocorrer espontaneamente) (London & Thamm, 2013). Segundo a anamnese, o Zibadee, não apresentava quaisquer destes sinais.

Fazer um estadiamento da doença poderá ajudar a ter uma ideia do prognóstico (quanto maior o estádio, menos favorável será o prognóstico), esta abordagem é, contudo, muito controversa (London & Thamm, 2013). Uma vez que o caso do Zibadee carece de informação necessária para fazer um melhor estadiamento (nomeadamente, citologia dos nódulos escrotais para confirmar/descartar como mastocitoma ou outro tipo de testes para confirmar presença/ausência de metastização – a abordar mais à frente), é difícil precisá-lo, daí a atribuição de estádio II-1 ou III-1, segundo o guia elaborado pela WHO, na Tabela 1.

Em termos de localização, aproximadamente 50% dos mastocitomas cutâneos, ocorrem no tronco e região perineal (caso do Zibadee) (London & Thamm, 2013). Num estudo feito por Simões et al. (1994), com 114 cães, 40,4% apresentavam localização abdominal ou num MP e 17,5% na região perianal.

Para terminar o exame clínico, procedeu-se com a realização de uma radiografia torácica, na qual não foram observadas alterações indicativas de metastização tumoral. Esta abordagem apresenta, no entanto, um fraco suporte na perceção de metastização (Warland et al., 2012). Num estudo retrospetivo (não publicado) foi avaliada a prevalência de metastização pulmonar em 115 cães, no qual a amostra positiva apenas perfez 0,87% (Boston, 2011). Garrett (2012) afirma que os mastocitomas raramente metastizam para os pulmões. Ocasionalmente, linfadenopatia torácica poderá ser observada em caso de metastização (London & Thamm,

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2013). Mastocitomas nas junções mucocutâneas e região inguinal (caso do Zibadee), particularmente em machos, são relatados como sendo mais agressivos e prováveis de metastizar, embora isto não seja suportado por todos os estudos (Sfiligoi et al., 2005; Dobson & Scase, 2007). Linfadenopatia, edema local, esplenomegalia e hepatomegalia sugerem metastização e um envolvimento sistémico (Nuttall et al., 2009).

Desta forma, um exame clínico completo/ideal, para uma boa caracterização da doença, seria (Garrett, 2012; London & Thamm, 2013; Poggiani et al., 2013; Stockdale, 2014):

Exame físico e Historial: raça; sinais clínicos; tumor: localização, tamanho, velocidade de crescimento, se apresenta ulceração, se é recorrente;

Hemograma e perfil bioquímico sérico;

Esfregaço de buffy-coat (detetar mastocitose periférica);

PAAF da massa (diagnóstico);

PAFF dos linfonodos regionais (inferir probabilidade de metastização – Tabela 3);

Ecografia abdominal (com PAAF do baço e fígado, se com alterações) (detetar metastização);

Radiografia torácica (detetar metastização);

Citologia aspirativa da MO (presença/ausência de infiltração);

Biópsia incisional ou excisional da massa, com análise histopatológica (determinar grau);

Índice mitótico (c-kit e Ki-67 – marcadores de proliferação: inferir esperança média de vida).

Estes parâmetros permitem não só auxiliar na decisão terapêutica, como prever um prognóstico e tempo de vida médio esperado. Alguns destes parâmetros apresentam, no entanto, baixa sensibilidade ou não estão inteiramente confirmados (nomeadamente, PAAF de linfonodos, radiografia torácica, citologia aspirativa da MO).

Nesta fase foi necessário decidir que terapia aplicar ao Zibadee, que foi de remoção cirúrgica do tumor, com 2cm de margem aparentemente saudável, relativamente ao mesmo, e remoção da fáscia subjacente, com posterior envio para análise histopatológica. Existem inclusive algoritmos de decisão mediante apresentação da doença, no Esquema 1 pode ser observado um desses exemplos.

Na remoção cirúrgica de mastocitomas, relativamente à dimensão das margens, a recomendação mais frequentemente encontrada é de 2cm em todos os sentidos relativamente ao limite da massa, devendo incluir, em todos os casos, a remoção do panículo adiposo (quando

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presente), da fáscia subjacente ou, na sua ausência, remoção da camada superficial de músculo (Murphy & Brearley, 2008; Blackwood et al., 2012). As dimensões das margens a retirar variam, contudo, com a bibliografia consultada, existindo já estudos com recomendações de margens de diferentes centímetros mediante o grau citológico do mastocitoma. Simpson et al. (2004) estudaram a margem necessária para remoção completa do tumor, em que 65% tinham localização no tronco; usaram 23 tumores (de 21 cães) e em todos marcaram margens de 1, 2 e 3cm; 13% foram classificados como grau I e em todos, em qualquer dimensão de margem o tumor foi completamente removido, os restantes foram classificados em grau II e todos foram removidos completamente na margem de entre 1 e 2cm. Por outro lado, num estudo realizado por Fulcher et al. (2006), foi avaliado o sucesso de remoção utilizando 2cm de margem e uma fáscia em tumores de grau II, com completa excisão em 91% dos casos.

O exame histopatológico do Zibadee revelou margens limpas em algumas porções e noutras não. A incompleta excisão de um mastocitoma e a sua probabilidade de recidiva tem sido estudada, os resultados tendem a variar com o estudo, sendo que em alguns é indicado que entre 20 e 30% recidivam (London & Thamm, 2013). Uma vez que o Zibadee tem historial de mastocitoma, aparentemente localizado na mesma zona que o atual, que foi removido cirurgicamente (mas sem análise histopatológica e, por isso, sem análise das margens) pode apenas especular-se sobre a possibilidade de ser uma recidiva, ou apenas um novo tumor.

O Zibadee ficou internado durante 5 dias, ao longo dos quais foi demonstrando uma recuperação favorável e com boa cicatrização dos tecidos. Durante este período foi feita

monitorização cardíaca com diagnóstico de doença valvular mitral crónica (ou doença mixomatosa da válvula mitral). Como referido, tanto na radiografia como na ecografia, não se detetaram sinais de modulação cardíaca que, segundo a classificação de Atkins et al. (2009) no ACVIM Consensus Statement, faz com que o Zibadee se encontre em estádio B1. Animais que se encontram neste estádio não são feitas recomendações de abordagem terapêutica, apenas com reavaliação em 12 meses. Também durante o tempo de internamento foi descoberta uma nova massa no Zibadee, cujo diagnóstico citológico foi de lipoma. Os lipomas são frequentes em cães e caracterizam-se por tumores benignos dos adipócitos.

O resultado da análise histopatológica chegou após a alta do Zibadee, por isso o tratamento inicialmente instituído foi meramente direcionado para a intervenção cirúrgica: analgesia (Temgesic®), antibioterapia (Synulox® - infeções da pele, tecidos moles e trato urinário), anti-inflamatório e analgésico (Onsior®, Rimadyl®); limpeza quatro vezes ao dia da região cirúrgica.

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Uma vez que o resultado histopatológico revelou ausência de margens inteiramente completas, terapia adicional deve ser aplicada com nova intervenção cirúrgica, radioterapia ou quimioterapia, mediante o que seja mais aconselhado para cada caso (de referir também, que estas medidas podem ser usadas em outros casos, não estando restritas como terapia complementar em casos de excisão incompleta do tumor). A radioterapia é utilizada maioritariamente como tratamento pós-cirúrgico para mastocitomas de grau II em que uma remoção cirúrgica não seja exequível ou quando não foram obtidas margens de remoção limpas;

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