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CASO CLÍNICO Nº3 – NEFROLOGIA

IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE

Nome do animal: Sparky Espécie: gato Raça: SRD

Sexo: masculino Data de nascimento: 01/04/2000 (14 anos) Peso: 3,500Kg

Castrado: sim Data de consulta: 23/09/2014

MOTIVO DA CONSULTA

Ataxia, fraqueza.

ANAMNESE E HISTÓRIA CLÍNICA

No dia 23/09/2014 o Sparky apresentou-se à consulta por ataxia e falta de equilíbrio reportados pela proprietária, que afirma ainda que este se tem mostrado deprimido nos últimos tempos, além da perda crónica de CC e massa muscular. Continua a beber e comer com apetite, embora na manhã de hoje não tenha comido e por vezes tenha episódios de vómito. Embora a proprietária não esteja sempre em casa, não tem notado situação de PD/PU, nem alterações relacionadas com a defecação.

O Sparky é o único animal na casa, é gato de interior exclusivo; planos de desparasitação e vacinação em dia. Em Dezembro de 2013 o Sparky teve uma consulta de vacinação na qual já se apresentava igualmente com alguma perda de massa muscular e menor atividade. Na altura o médico advertiu para o facto de a perda de massa muscular se poder dever à idade e menor atividade, alertando a proprietária para estar atenta a quaisquer outras alterações e aconselhou a proprietária a iniciar uma ração ao Sparky para geriátricos (iniciou Royal Canin® sénior). Dois dias depois o Sparky voltou por fraqueza aguda em ambos os membros pélvicos. Foi feito diagnóstico de discoespondilose em 2 locais (região toracolombar e lombar), com suspeita de instabilidade crónica na coluna e com agudização (sem outras indicações para suspeitar de doença sistémica por enquanto). Como medicação de suporte o Sparky fez uma injeção IM de Dexafort® (PA: dexametasona - glucocorticoide) na consulta e como medicação para fazer em casa Metacam® (PA: meloxicam – AINE), suspensão oral 0,2mL a cada dois dias, com a comida. Historial de cistite, uma em 2007 e outra em 2010.

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Ao exame físico o Sparky (Fig.1) apresentava-se sem sinais de dor ou lesões abertas, com um estado mental alerta mas deprimido. . Ligeiramente desidratado – hidratação entre 92- 94% (↓), avaliado pela prega de pele. Condição corporal 4/9 (↓). Temperatura rectal de 33,9°C (↓). Mucosas rosadas e húmidas/brilhantes, com um TRC entre 1 e 2s (N). A pele e faneras não apresentavam alterações dignas de registo. FC 180bpm (↑). FR 32rpm (N). O pulso estava forte, simétrico e síncrono. Linfonodos superficiais sem alterações à palpação; palpação abdominal sem alterações.

LISTA DE PROBLEMAS

Ataxia, perda de massa muscular e CC, anorexia aguda, vómitos, desidratação, hipotermia.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

1) Insuficiência Renal Crónica 2) Hipertiroidismo 3) Diabetes mellitus (DM) 4) Doença hepatobiliar 5) Doença cardíaca EXAMES COMPLEMENTARES a) Hemograma

No hemograma, foram registados os seguintes valores alterados: VCM 56,2fL (↑), CHCM29,8g/dL (↓), VPM17,7fL (↑), plaquetas 76x 109/L (↓).

b) Bioquímica sérica

As medições séricas efetuadas foram as seguintes: ALB, Ca, FA, GGT, ALT, glucose, PT (todos com valores dentro dos intervalos considerados normais); UN 50,7mg/dL (↑), Creatinina 3,7mg/dL (↑), TCHO 208mg/dL (↑).

c) Ecografia abdominal

Procedeu-se com uma ecografia abdominal onde não foram observadas quaisquer alterações dignas de registo, à exceção dos rins, que apresentavam, ambos, menor definição

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corticomedular (rins saudáveis apresentam uma boa definição), com menor tamanho e de contornos ligeiramente irregulares (Fig.2).

d) Análise de urina – colheita por cistocentese

Exame físico: urina de cor amarela pálida, aspeto límpido, ausência de depósito, cheiro sui generis, pH 6,0 e DU (com refratómetro) de 1,018 (↓). Exame químico, positivo para: proteínas (1+), leucócitos (2+). Sedimento urinário: único registo foi de raras células de descamação (por campo de 400x).

e) Pressão arterial sistólica (PAS): 150mmHg (N), com oscilómetro na artéria femoral esquerda.

f) Tiroide – T4 total: < 0,4μg/dL (↓).

DIAGNÓSTICO

Insuficiência renal crónica (estádio III – Tabela 1).

TERAPIA APLICADA

 Fluidoterapia IV – Lactato de Ringer

 Fortekor® (PA: cloridrato de benazepril) 5mg ½ comprimido PO SID  Hill’s® feline k/d

 Nutrostim Gel®

EVOLUÇÃO

O Sparky ficou internado para receber terapia adequada e melhor monitorizar a resposta ao mesmo.

Dia 24/09/2014 fez-se alteração para dieta apropriada à condição do Sparky (ração Hill’s® k/d e alimento húmido), continuando a apresentar algum apetite. No dia seguinte o Sparky teve alta, com Nutrostim®, Fortekor® e ração da Hill’s® para continuar em casa.

DISCUSSÃO

Alguns dos SC’s demonstrados pelo Sparky apresentam algum carácter não específico, estando presentes em muitas afeções, nomeadamente: perda de CC, anorexia, vómitos. A IRC

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ocorre geralmente em animais geriátricos e é caracterizada pela incapacidade dos rins em concretizar eficientemente funções de excreção, regulação e síntese, como consequência da perda de nefrónios funcionais por um período de meses a anos; os SC’s mais frequentes passam por depressão, letargia, perda de peso, inapetência (todos presentes no Sparky), bem como PD/PU e outras menos frequentes como vómitos ou diarreia (McLoughlin, 2006). A sua etiologia é ainda pouco esclarecida, sendo muitas vezes classificada como idiopática; causas potenciais poderão ser, p. ex.: glomerulonefrite, por substâncias nefrotóxicas, cálculos renais, obstrução urinária, entre outras (Grauer,2009). A endocrinopatia mais frequente em gatos é o hipertiroidismo e é uma doença metabólica multi-sistémica que resulta de uma concentração excessiva em circulação das hormonas tiroideas, induzindo um aumento da taxa metabólica (Peterson, 2006; Norsworthy & Crystal, 2011). Esta endocrinopatia pode surgir em gatos adultos a geriátricos, com idade média de incidência aos 13 anos; todos os SC’s apresentados pelo Sparky podem surgir numa situação de hipertiroidismo, no entanto, os sinais clássicos desta doença são: perda de peso, polifagia e hiperatividade (outros sinais também prováveis de serem notados são: alterações do pelo, PD/PU, vómitos, diarreia, agressividade, entre outros) (Nelson, 2009; Norsworthy & Crystal, 2011). A etiologia pode geralmente ter duas origens: hiperplasia funcional adenomatosa ou adenoma (que representa 98-99% dos casos) ou adenocarcinoma da tiroide (<2% dos casos) (Norsworthy & Crystal, 2011). A Diabetes mellitus é a segunda endocrinopatia mais frequente em gatos e pode ser de três tipos: tipo I – insulino- dependente (a secreção endógena de insulina nunca é suficiente para prevenir a produção de cetonas, dada a destruição das células β), tipo II – não insulino-dependente (a secreção de insulina é geralmente suficiente para prevenir a cetose, mas insuficiente para impedir a hiperglicemia), tipo III – secundário (a doenças ou fármacos que causem resistência à insulina) (Greco, 2006). O historial clínico tende a ser de PD/PU, polifagia, perda de peso (como sinais mais frequentes, por vezes denominados mesmo de os “4P’s”), entre outros como letargia, baixa CC, ausência de grooming e postura plantígrada; a etiologia é multifatorial e varia mediante fatores como os genéticos, ambientais, resistência à insulina e número de células β (Stojanovic, 2011). Pelo facto de o Sparky ser um animal geriátrico e pelo seu quadro clínico – relativamente inespecífico – há que considerar também como hipótese uma doença cardíaca (que embora à auscultação não tenham sido detetadas alterações, não faz com que a mesma seja excluída) ou mesmo uma doença hepatobiliar. A doença hepatobiliar mais frequente em gatos é a lipidose hepática, seguida do complexo colangite e de processos neoplásicos (estre outras); a primeira apresenta pouca probabilidade de estar presente no caso do Sparky uma vez que gatos com

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lipidose hepática tendem a ser obesos de meia-idade, que passam por um período de anorexia aguda e catabolismo; o complexo colangite geralmente surge em gatos jovens ou de meia-idade mas tendem a apresentar um quadro clínico um pouco diferente do do Sparky; posto isto, a afeção hepática, à partida, mais provável de estar presente no caso do Sparky será uma neoplasia (p. ex.: carcinoma, adenoma, linfoma, sarcoma) (Viegas, 2013; Washabau, 2013).

Como ponto de partida para chegar a um diagnóstico, iniciaram-se os exames complementares por colheita de sangue para realização de hemograma e bioquímicas séricas. No hemograma registou-se macrocitose (VCM ↑), que faz com que o valor de CHCM vá estar diminuído, uma vez que a CHCM é feita em relação ao tamanho dos eritrócitos, não significando que a HCM tenha que estar diminuída (estando precisamente normal neste caso). Esta associação acontece em situações que o volume dos eritrócitos está aumentado, nomeadamente: anemias regenerativas, devido ao maior volume dos reticulócitos (no entanto, não era o caso do Sparky) e em hipernatremia persistente; macrocitose pode ainda ser um achado em gatos hipertiroideos (Harvey, 2012a). A outra alteração registou-se a nível das plaquetas por diminuição da sua contagem e aumento médio do seu volume (VPM), esta apresentação é muito sugestiva de agregação plaquetária (muito frequente em gatos por as suas plaquetas terem um tempo de ativação muito curto em que mesmo numa colheita rápida a sua formação pode ocorrer); também em gatos hipertiroideos tem sido reportado um ligeiro aumento do VPM (Harvey, 2012b; Harvey, 2012c). Uma vez sendo o Sparky um animal já de 14 anos recomendou-se a avaliação de certos parâmetros, nomeadamente, relacionados com o fígado (FA e GGT, mais específicos para avaliação da colestase, ALT para lesão e ALB para avaliação da função, bem como a UN, glucose e colesterol), rim e a sua taxa de filtração glomerular (UN, creatinina e Ca); a medição das PT inclui principalmente a albumina e as globulinas pelo que o seu valor pode estar relacionado com muitos mecanismos, estando a sua interpretação dependente dos restantes resultados, o mesmo se afirma para o caso do colesterol, glucose e cálcio. Obtiveram-se resultados de UN e creatinina aumentados. A UN, ou carbamida, é produzida a partir da amónia nos hepatócitos e a creatinina é sintetizada nos músculos, sendo ambas excretadas nos rins e quando os seus valores no sangue se encontram aumentados dá-se o nome de azotemia. A azotemia pode ser pré-renal (por hipovolemia, subsequente desidratação ou choque), renal (por lesão nos glomérulos, túbulos, interstício, pélvis renal ou vasos renais), ou pós-renal (por obstrução localizada depois dos nefrónios ou por uma rutura no sistema urinário) (Meuten, 2012). A azotemia no Sparky, pelo valor da creatinina (3,7mg/dL), é

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classificada de moderada (Tabela 1), no entanto, nem o valor da creatinina ou o da UN permitem inferir se a azotemia é pré, pós ou renal. Para descartar/confirmar uma azotemia renal o exame deve ser complementado com uma análise completa à urina (a abordar mais à frente). Finalmente, avaliou-se ainda os níveis de colesterol, cujos valores podem dar indicação de alterações na função hepática, doença no TGI e alterações metabólicas, uma vez que, além da sua principal síntese no fígado, pode ser também sintetizado noutros locais (intestinos, glândulas adrenais, órgãos reprodutores). O resultado obtido foi de hipercolesterolemia, que pode dever-se a variadas situações, tais como: hipotiroidismo, colestase, hiperadrenocorticismo, pancreatite, etc. Partiu-se de seguida para realização de ecografia abdominal, principalmente para observação dos rins pela forte suspeita de doença renal e para colheita de urina por cistocentese ecoguiada para sua análise, bem como dos restantes órgãos e estruturas abdominais. A descrição ultrassonográfica feita dos rins é consistente com a de uma doença renal crónica (Debruyn et al., 2012).

A análise de urina revelou uma urina moderadamente concentrada, que pode estar associada com uma diminuição da função renal em consequência de uma nefropatia (entre outras causas), registou-se igualmente ligeira proteinúria (1+), que é sempre considerado um achado anormal em gatos (Fry, 2011; Grauer, 2013,). Também a proteinúria pode ser de origem pré, pós ou renal. No caso da renal pode ainda ser patológica ou fisiológica (embora rara) mas que é transitória (logo que a causa subjacente deixe de estar presente), posto isto é importante confirmar se a proteinúria é persistente e descartar causas extra-renais (Harley & Langston, 2012). A proteína encontrada em maior concentração na urina, quer em cães e gatos saudáveis como com doença renal, é a albumina, que, fisiologicamente, pela sua carga negativa dificilmente é excretada uma vez que também o glomérulo capilar tem carga negativa (Grauer, 2013). A proteinúria de origem renal pode resultar por dois principais mecanismos: perda de função da filtração glomerular seletiva ou deficiente reabsorção da proteína a partir do filtrado (Grauer, 2013). No Sparky o único método utilizado para detetar proteinúria foi com recurso à tira reativa/colorimétrica, que deteta principalmente a presença de albumina, é um método fácil, rápido e barato mas com sensibilidade e especificidade baixas, podendo ocorrer algum grau de falsos negativos e por isso, mas também para classificar o grau de proteinúria e melhor qualificar e abordar a doença, se deveria ter feito o rácio urinário de proteína:creatinina (UP:C) (Harley & Langston, 2012; Grauer, 2013). Após o resultado obtido e por falta de mais exames complementares (provavelmente por contenção de custos), resta apenas, por exclusão de partes, tentar perceber a potencial origem da proteína na urina. No caso de proteinúria pós-renal a

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mesma poderá ser minimizada ao ser feita colheita da urina por cistocentese (foi o caso) e ainda analisando o sedimento urinário para pesquisa de sinais de inflamação ou hemorragia (presença de leucócitos ou eritrócitos), no qual foram apenas encontradas raras células de descamação (sedimento inativo); para descartar proteinúria pré-renal há que avaliar a concentração plasmática de proteína e investigar situações de disproteinemia (não registadas neste caso); resta desta forma como hipótese a proteinúria de origem renal, consistente com a imagem ecográfica e restantes exames complementares (não tendo interesse, do ponto de vista terapêutico, distinguir se a mesma é de origem tubular ou glomerular) (Lees et al., 2005; Meuten, 2012). Outros testes comuns para detetar e avaliar proteinúria, além do já referido rácio, pode também ser pelo teste ASS (ácido sulfossalicílico).

Foi assim estabelecido o diagnóstico de insuficiência renal crónica, em estádio III – azotemia renal moderada. A IRC é a forma de doença renal mais frequentemente diagnosticada em cães e gatos e é definida como sendo uma consequência de alterações a nível estrutural e/ou funcional, em um ou ambos os rins, e que tenha estado presente de forma contínua por um período mínimo de três meses (Polzin, 2011). Para melhor perceber a fisiopatologia desta doença, é preciso, antes de mais, ter presente as funções pelas quais os rins são responsáveis: excreção de metabolitos tóxicos; reabsorção de sais, glucose, proteínas, eletrólitos e água; regulação da PS; regulação do equilíbrio ácido-base; funções endócrinas (produção de renina, eritropoietina e prostaglandinas e conversão de um percursor para ativar a vitamina D3) (Scherk, 2010). Na IRC acontece uma perda progressiva do número de nefrónios funcionais, à qual os rins têm capacidade de adaptação inicial, tentando manter a mesma taxa de filtração glomerular (TFG) com os nefrónios ainda funcionais, no entanto, a partir do momento que é atingida uma perda acima de um certo ponto crítico, também os nefrónios funcionais começam a sofrer lesões, mesmo quando a causa primária já deixou de estar presente – progressão espontânea da IRC (Polzin, 2011). Este fenómeno acontece porque os nefrónios estão a funcionar a uma taxa tal que induz disfunção dos mesmos, com inevitável declínio da TFG e consequente aumento de substâncias em circulação que, em condições normais, seriam excretadas (Polzin, 2011). A apresentação histopatológica mais frequentemente diagnosticada em associação com a IRC é a fibrose renal túbulo-intersticial, caracterizada por uma acumulação excessiva de matriz extracelular no interstício (Lawson et al., 2015). Na maioria das lesões orgânicas as células danificadas são substituídas por células do mesmo tipo e/ou tecido fibroso (após resolução da resposta inflamatória), também o rim é detentor desta capacidade de autorreparação, primariamente por proliferação de células epiteliais e

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secundariamente por fibrose nos casos de lesão grave do parênquima, que é o que ocorre na IRC, além disso pensa-se ainda que nesta doença ocorre uma falha em ser dado por terminado o processo de cicatrização (conduzindo ao estádio terminal) (Liu, 2006). Este mecanismo não está ainda inteiramente esclarecido, mas existem fatores que parecem contribuir para este processo, nomeadamente: proteinúria, inflamação crónica, hipoxemia, envelhecimento e hiperfosfatemia (Lawson et al., 2015).

Com o défice na função renal podem, secundariamente, surgir outras condições para as quais é importante fazer monitorização. A hipertensão é uma delas e na sua origem vários mecanismos podem estar envolvidos, como sejam a retenção de Na, ativação do sistema RAA, estimulação do SNS, entre outros (Liu, 2006). A hipertensão pode, no entanto, tanto ser causa como consequência da IRC e estudos indicam que a mesma está presente em 20% dos gatos com IRC (Langston, 2011; Brown, 2013). Desta forma fez-se medição da pressão arterial sistólica no Sparky, que se revelou abaixo do nível considerado para diagnóstico de hipertensão. Secundariamente à IRC a condição de hiperparatiroidismo pode manifestar-se e, no estudo por Barber & Elliott (1998), em 80 gatos com IRC, 84% possuía esta condição, sendo que a mesma apresenta maior incidência e gravidade quanto maior o grau de disfunção renal. Isto acontece porque o calcitriol (forma biológica mais ativa da vitamina D) tem por principal atividade aumento da concentração sérica de Ca e P e possui no rim fatores que contribuem para a sua ativação, juntamente com a ação da hormona paratiroide (PTH); como na IRC a massa renal funcional é menor, tem por consequência diminuição na concentração de calcitriol em circulação e por conseguinte diminuição da absorção de Ca e P ao nível do TGI que, por retroação negativa, devido aos níveis do Ca – hipocalcemia – estimula a produção de PTH (uma vez que a sua principal atividade é aumentar os níveis de Ca e diminuir os do P) (Ross et al., 2006; Polzin, 2011; Bohn, 2012). Este estímulo induz uma maior carga de trabalho na glândula paratiroide, hipertrofiando-a – hiperparatiroidismo (secundário a doença renal). No entanto, na IRC o que se regista geralmente é a presença de hiperfosfatemia, ao contrário do que seria de esperar pela ação da PTH, o que acontece é que pela falência renal na função de excreção ocorre retenção do fosfato, pelo que a situação de hipofosfatemia tende a ser registada em hiperparatiroidismo primário; posto isto, há ainda estudos que sugerem ser a hiperfosfatemia o fator desencadeante para o hiperparatiroidismo secundário e não a hipocalcemia (Elliott et al., 2000; Plotnick, 2007; Geddes et al., 2013). Os SC’s são muito semelhantes aos da IRC, pelo que o seu despiste é essencialmente feito por recurso a análises bioquímicas, nomeadamente, por medição dos níveis séricos de Ca total, P, ou PTH (menos utilizado). No Sparky não foi

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considerada a hipótese de hiperparatiroidismo secundário, pelos níveis normais de Ca (embora possam estar entre diminuídos a normais) e por não se terem registado alterações à palpação na região da glândula.

Uma outra hormona relacionada com os rins é a eritropoietina, em que cerca de 90% da sua produção tem origem nestes órgãos. A eritropoietina estimula percursores dos eritrócitos na MO e, como na IRC há uma redução das células renais disponíveis para produção desta hormona, então muitos destes animais tendem a apresentar uma anemia hipoproliferativa normocítica normocrómica (não regenerativa), principalmente naqueles em estádio III e IV, sendo ainda que, no geral, a anemia é, de grosso modo, proporcional à perda de função renal (Ross et al., 2006; Polzin, 2011). Inclusivamente, no estudo realizado por Elliott & Barber (1998), 32% dos gatos com hematócrito abaixo do intervalo de referência se encontravam em estado urémico e 65% em estádio terminal. A justificação para o facto de a produção de eritropoietina não ser compensada pelos locais de origem não renal não foi ainda esclarecida (Polzin, 2011). Embora a redução na produção de eritropoietina seja o principal mecanismo relacionado com a anemia, outros fatores podem ser responsáveis, como situações de hemólise, perda crónica de sangue pelo TGI, deficiência em Fe e ácido fólico; por outro lado, existem ainda condições que podem exacerbar a anemia já existente, por doenças concorrentes (p. ex. mielofibrose) ou malnutrição (Polzin, 2011). No hemograma do Sparky não foram registados dados indicativos de anemia, no entanto, nestes casos podem estar presentes situações de anemia, mas que se encontra mascarada pela desidratação, resultando num valor de hematócrito normal (DiBartola, 2010).

Muito frequentemente com a IRC surge a chamada acidose metabólica. Os rins ajudam a manter o equilíbrio ácido-base pela excreção de ácidos não voláteis (geralmente resultantes do metabolismo das proteínas ingeridas). De uma forma muito simplificada este equilíbrio é conseguido reabsorvendo todo o bicarbonato do filtrado; regenerando o bicarbonato utilizado como tampão para os ácidos não voláteis, secretando os iões de hidrogénio para a urina; por amoniogénese (cujo substrato é a glutamina, derivada de síntese hepática a partir do nitrogénio, por sua vez obtido por catabolismo proteico), em que a amónia funciona também como tampão dos iões de hidrogénio (Elliott et al., 2000; Polzin, 2011). Na IRC, com a diminuição do número funcional de nefrónios diminui a quantidade de bicarbonato reabsorvido e regenerado, a excreção de iões de hidrogénio e a produção de amónia, que em conjunto contribuem para diminuição na excreção de ácido, originando acidose (Elliott et al., 2000). Segundo Elliott et al. (2000), a acidose metabólica é considerada uma condição inevitável da IRC que se manifesta

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mais frequentemente no estádio IV. No estudo realizado por Elliott et al. (2003) 56,2% dos gatos com IRC em estádio IV apresentavam um valor baixo de pH sanguíneo venoso, 15% dos gatos em estádio III e 0% dos gatos com IRC ligeira (estádios I e II). Teorias têm sido desenvolvidas com a finalidade de explicar o desenvolvimento tardio da acidose, acreditando- se que até certo ponto os nefrónios funcionais existentes conseguem manter o equilíbrio ácido- base, seja por aumento da amoniogénese (o que aumenta a proteólise e assim a UN), ou pela libertação de carbonato e bicarbonato de origem óssea (provocando desmineralização óssea progressiva) (Lemieux et al., 1990; Bushinsky, 1995). Para aceder de forma objetiva a este tipo de informação o Sparky precisaria de ter realizado ionograma e gasometria, para avaliar parâmetros que permitem identificar a existência de acidose metabólica, como, por exemplo:

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