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3. O PODER DA IMPRENSA BRASILEIRA: INTERESSES ECONÔMICOS E

3.3. Casos emblemáticos que contaram com demasiada ingerência

3.3.1. Caso Escola Base

O primeiro caso emblemático destacado que demonstra as nocivas consequências do sensacionalismo midiático foi o caso Escola Base. O fato se deu quando duas mães de alunos da referida instituição se dirigiram até a 6ª delegacia de Polícia de São Paulo, pois Fábio, ao brincar com sua mãe, sentou em cima de sua barriga e começou a se movimentar dizendo “o homem faz assim com a mulher”.

Após inúmeros questionamentos ao seu filho, Lucia teria descoberto que este teria visto fitas pornográficas na casa de Rodrigo, um colega da Escola Base, e, segundo apurou, teria sido levado até lá por Shimada, marido da proprietária do colégio. Fábio, segundo relatos, foi beijado na boca por uma mulher de traços orientais, e o ato fotografado por três

homens: José Fontana, Roberto Carlos e Saulo, pai do Rodrigo. Estes ainda teriam presenciado diversas outras barbaridades.

Outras versões foram apresentadas transmitindo maior perplexidade à história, até, finalmente, ter sido, supostamente, constatado que Maria Aparecida Shimada e Icushiro Shimada, donos da escola, promoviam orgias sexuais com as crianças na casa de Saulo e Mara, pais de um dos alunos.

O delegado responsável pelo caso cumpriu mandado de busca e apreensão na referida residência, porém nada foi encontrado. As mães, indignadas, resolveram contar os fatos para repórteres da Rede Globo.

Mesmo sem quaisquer indícios claros da prática do crime, apenas um adiantamento de um laudo pericial, a matéria foi publicada pela Rede Globo, sob o pretexto de que se outra empresa desse o “furo” os repórteres poderiam ter seus empregos comprometidos.

O Jornal Nacional chegou a sugerir o “consumo de drogas” e a “contaminação pelo vírus da AIDS”, enquanto a Folha da Tarde noticiava: “Perua carregava crianças para orgia” o Notícias Populares estampou em sua capa o título: “kombi era motel na escolinha do sexo...A mídia utilizou do sensacionalismo, explorando o sofrimento das mães das vítimas, entrevistas com crianças de quatro anos, perdendo completamente a preocupação com a ética e a presunção de inocência. Surgiram tantas denúncias, que o relator da CPI da Prostituição Infanto Juvenil na época pediu a quebra do sigilo bancário das contas dos suspeitos, as quais foram investigadas. Deve-se esclarecer que os suspeitos não tinham nem prestado depoimento para a polícia.”83 (grifo nosso)

Destaca-se que toda essa exposição foi baseada única e exclusivamente em um laudo de exame de corpo delito compatível com a prática sexual, mas que não excluía, por exemplo, micoses84.

83

BAYER, Diego. Julgamentos Históricos. Disponível em:

http://justificando.cartacapital.com.br/2014/12/10/da-serie-julgamentos-historicos-escola-base-a- condenacao-que-nao-veio-pelo-judiciario/. Acesso em 15. Nov. 2017.

84 Idem.

Reportagens, claramente sem créditos, estampavam os noticiários por todo o país, revelando casa vez mais histórias absurdas pautadas por mero boatos com claro intuito de apenas “vender jornal”.

[…] A mulher (mãe de R.) contou ter recebido um folheto de uma outra escola. Ao ver o papel, seu filho perguntou o que era aquilo, e, ao responder, o menino indagou: “Será que esta escola dá aula de educação especial como a minha?” A mãe quis saber como era a aula. R. respondeu que uma professora, de nome Célia, o obrigou a tirar a roupa, tocou nele, enquanto o beijava. Ele contou que um “tio” ajudou na aula.

Marcelo Godoy, da Folha de S. Paulo, trazia mais detalhes à notícia: “(…) A mãe perguntou para o filho (C.) que aulas eram essas. O menino disse: ‘a tia Célia pegava meu pipi e beijava e dizia que era para ele ficar grande como o do tio.85

Finalmente, surgiram evidências da inocência dos envolvidos, confirmadas pelo delegado responsável. Nesse momento, os jornais imediatamente iniciaram suas retratações, mas a imagem dos investigados já estava muito manchada e até hoje sofrem as consequências desse lamentável episódio. Algumas das vítimas enfrentam dificuldades financeiras, outras, problemas de saúde como obesidade, síndrome do pânico86, Paula nunca mais conseguiu emprego de professora, uma vez ninguém mais confiar em uma suspeita de abuso sexual infantil. “Seu filho, durante todo o sensacionalismo da imprensa, começou a comer com as mãos, pois soube que era assim que seus pais comeriam quando fossem presos”87.

Ficam assim evidenciadas as consequências causadas pela opressiva e irresponsável cobertura midiática à época que culminou em danos irreparáveis à vida das pessoas envolvidas, extrapolando os conceitos de publicidade garantidora e fiscalizatória dos atos dos poderes da República.

85

RIBEIRO, Alex.Caso Escola Base: Os abusos da imprensa. São Paulo: Editora Ática, 2003. Pag. 57. 86

BAYER, Diego. Julgamentos Históricos. Disponível em:

http://justificando.cartacapital.com.br/2014/12/10/da-serie-julgamentos-historicos-escola-base-a- condenacao-que-nao-veio-pelo-judiciario/. Acesso em 15. Nov. 2017.

87

A Rede Globo foi condenada a pagar cerca de R$ 1,35 milhão aos donos e o motorista da Escola Base, porém, ingressou com recurso… a decisão da 7ª Câmara de Direito Privado do TJ paulista foi unânime… segundo os desembargadores “a atuação da imprensa deve se pautar pelo cuidado na divulgação ou veiculação de fatos ofensivos à dignidade e aos direitos de cidadania. Em março de 1994, a imprensa publicou reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, alunas da Escola Base, localizada no Bairro da Aclimação, em São Paulo. Jornais, revistas, emissoras de rádio e tevê basearam-se em “ouvir dizer” sem investigar o caso. Quando foi descoberto, a escola já havia sido depredada, os donos estavam falidos e eram ameaçados de morte em telefonemas anônimos. (grifo nosso)88

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