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A conveniência dos sensacionalismos e dos posicionamentos em paralelo com o senso

3. O PODER DA IMPRENSA BRASILEIRA: INTERESSES ECONÔMICOS E

3.2. A conveniência dos sensacionalismos e dos posicionamentos em paralelo com o senso

Conforme já exaustivamente tratado, o crime é um acontecimento de relevante interesse público, ainda mais nessa aparente infindável crise de segurança pública observada nos grandes centros urbanos brasileiros e, por conta disso, atrai os inevitáveis olhares da imprensa.

A linguagem trazida pelos canais de comunicação, de fácil entendimento e com maiores coloquialismos permitem um maior poder de convencimento da imprensa sobre a população. Aliado a essa simplicidade no discurso está inserida a lógica de toda empresa, qual seja, vender aquilo que o cliente quer comprar na maior escala possível.

77

DIMENSTEIN, Gilberto. As armadilhas do poder: bastidores de imprensa. São Paulo: Summus Editorial, 1990. Pag. 29

Dessa forma, se faz imperiosa a velocidade no envio de informações através das quais as empresas de comunicação atuam como militante da justiça e dos bons costumes, de forma a fazer com que seu público consuma cada vez mais suas plataformas de notícias e se mantenha fiel, perpetuando seus status de poder.

Aos olhares do grande público, a mídia ao noticiar e opinar sobre casos de eventos criminais de grande repercussão atua como uma fiscal da população do trabalho exercido pelos membros do Poder Judiciário em determinado julgamento. Assim constroem-se nos noticiários os velhos estereótipos de criminosos versus cidadão de bem facilmente digeridos pelo público, como bem ressalta Sylvia Moretzsohn.

Fatos criminais, jornalísticos por excelência – pois representam o desvio mais ou menos violento à norma – poderiam ser abordados no seu potencial crítico a essa mesma norma (...). No entanto, os conflitos são simplificados a partir dos estereótipos (‘bandidos’ versus ‘cidadãos de bem’), reproduzindo o senso comum a respeito e deixando ilesa a estrutura radicalmente segregadora e violenta da própria sociedade que produz o crime.78

Reproduzir o senso comum talvez seja a maneira mais fácil de angariar adeptos ao seu discurso. Por mais raso que sejam determinados posicionamentos e, em alguns momentos até mesmo ilógicos, a simplicidade do discurso faz com que as empresas de comunicação ganhem consumidores ferozes. O que se tem visto é uma tendência da mídia em se posicionar a favor da condenação do réu.

Por isso, é cada vez mais notável a tendência estratégica da mídia em reproduzir, exaustivamente, algumas notícias e posicionamentos até que eles se tornem tão verossímeis quanto possível, perante a opinião pública79.

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MORETZSOHN, Sylvia. Jornalismo em tempo real. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 166-167 79

LEME, Luana Aristimunho Vargas Paes. A Relação Simbiótica entre Mídia e Judiciário, 2017. Disponível em: http://www.salacriminal.com/home/a-relacao-simbiotica-entre-midia-e-judiciario. Acesso em 15.nov.2017

A crítica que se impõe é que os veículos de informação visam, tão somente, ao lucro, falhando, sistematicamente, em exercer sua função primeira, que é proporcionar a sociedade informações precisas e isentas de forma que se possa estabelecer, posteriormente, um debate público de qualidade. Entretanto, o que mais tem se visto são coberturas jornalísticas sensacionalistas e fragmentadas, transmitindo não verdadeiramente o que aconteceu, mas sim aquele discurso mais conveniente e comercializável, em contrariedade a todos os preceitos não só constitucionais, mas também do próprio código de ética do jornalista, de forma que a imagem e a honra das pessoas envolvidas se tornam meros detalhes.

Subordinado a um regime de pressa que faz parte de sua utilidade pública, o jornalismo está sujeito a erros e distorções, raramente premeditados. É argumentável que alguma incidência deles seja o preço a pagar para que a sociedade possa usufruir de um valioso patrimônio público, a livre circulação de informações e ideias. Mesmo assim, está claro que uma resposta para os problemas do jornalismo contemporâneo terá de corresponder à sensibilidade de parcelas crescentes do público que reclamam um emprego mais criterioso do poder de informar.80

Dessa forma, aquele que vê contra ele um já desgastante processo criminal, ainda tem que lidar com notícias propagadas muitas vezes fora de contexto, com manchetes sensacionalistas, que, em diversos casos, nem resumem o que virá a ser tratado em fonte menor no interior da reportagem.

Além disso, mesmo se estabelecido um processo garantista, que prima pela efetivação dos direitos do acusado, bem como pela máxima da dignidade da pessoa humana e das demais garantias previstas na Carta Magna de 1988, a linguagem adotada nas decisões e trâmites processuais (o criticado “juridiquês”), aliada a morosidade do judiciário, que nem sempre merece ser criticada, uma vez primar pelo contraditório e ampla defesa, afastam o grande público do acesso à verdade construída nos tribunais, já que muito antes do decreto condenatório ou da absolvição do acusado, os meios de comunicação já bombardearam a sociedade com notícias sensacionalistas que, em diversas oportunidades em nada se coadunaram com a verdade dos fatos.

80

Projeto Editorial da Folha de São Paulo. Disponível em

Essa flexibilização da verdade imposta pela imprensa de um modo geral sempre se colocou como um grande obstáculo à construção da verdade processual. Assim, informou Nílson Naves: “do ponto de vista prático, uma vez que a notícia escandalosa, sangrenta e provocadora vende mais e aumenta a audiência (...). Mas, ela não pode ser considerada informação como um direito fundamental e, muito menos, merecedora da proteção”81.

Tudo isso por conta de uma incessante necessidade de vender a informação, em total descompasso com a real função social do jornalismo e, nem estamos aqui considerando as hipóteses de coberturas tendenciosas, o que deixaria ainda mais complexa a tratativa do tema em questão.

Portanto, por mais trivial que seja preservar a liberdade de expressão e de informação, a adoção de discursos rasos, sensacionalistas com fins meramente econômicos, embora supostamente protegidos por aquele preceito está em desacordo com os mais sensíveis princípios democráticos, o que ao fim de uma análise sistêmica violará, inclusive, o próprio princípio da liberdade de informação e expressão, conforme os seus preceitos destrinchados no ponto 2.2 deste trabalho.

Assim, além de ter que lidar com um sistema processual penal com resquícios inquisitoriais, terão Magistrados e jurados que se tornarem imunes às pressões de parte de uma mídia interessada tão somente em lucrar, o que passa longe de ser uma tarefa das mais simplórias.

Certamente, não se deve, idealizadamente, pretender que possam todos os juízes ter compreensão e consciência de seu papel garantidor, visão especialmente crítica, notável coragem, inclinação contestadora, ou prazer em ser minoria, que, fazendo-os diferentes dos demais habitantes deste mundo pós-moderno, os façam imunes às pressões midiáticas, capazes de, sempre que assim ditarem os parâmetros estabelecidos pela lei constitucionalmente válida, e por seu papel garantidor dos direitos fundamentais de cada indivíduo, julgar contrariamente ao que impõem os interesses e os apelos veiculados como majoritários.82

81

NAVES, Nílson. Imprensa Investigativa. Forum Imprensa Investigativa: sensacionalismo e criminalidade. Centro de Estudos Judiciários, Brasília, 2003. Pag. 23.

82

Nesse sentido, aquelas medidas restritivas ao trabalho da imprensa, claro, aplicadas conforme as regras de ponderação, por mais criticadas que sejam, se farão cada vez mais presentes no dia a dia do Judiciário, se a autocrítica e medidas efetivas no combate ao sensacionalismo não vierem das próprias empresas de comunicação.

Hoje, se faz tão presente as notícias eivadas de achismos, sensacionalismos e senso comum que horários considerados nobres da grade de programação de diversas emissoras de TV são dedicados a programas voltados exatamente para “comentar” a criminalidade que assola o país como um todo.

Jargões e expressões muito utilizadas nas chamadas “conversas de bar” hoje são comumente utilizadas em supostos telejornais transmitidos na hora do almoço, “tem que matar”, “se não prender amanhã fará de novo”, entre outras condenam até mesmo um mero suspeito sem ao menos procurar o entender o que ocorrera, já que muitas dessas notícias são transmitidas ao vivo.

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