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A nociva influência do sensacionalismo midiático no processo penal

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS FACULDADE DE DIREITO

A NOCIVA INFLUÊNCIA DO SENSACIONALISMO MIDIÁTICO NO PROCESSO PENAL

MATEUS JORGE MENDES

RIO DE JANEIRO

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MATEUS JORGE MENDES

A NOCIVA INFLUÊNCIA DO SENSACIONALISMO MIDIÁTICO NO PROCESSO PENAL

Monografia de final de curso, elaborada no âmbito da graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como pré-requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Dr. Diogo Malan

RIO DE JANEIRO 2017/2

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MATEUS JORGE MENDES

A NOCIVA INFLUÊNCIA DO SENSACIONALISMO MIDIÁTICO NO PROCESSO PENAL

Monografia de final de curso, elaborada no âmbito da graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como pré-requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Dr. Diogo Malan

Data da Aprovação: / / . Banca Examinadora: Orientador Membro da Banca Membro da Banca RIO DE JANEIRO 2017/1

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RESUMO

Este trabalho busca tratar o impacto que a opressiva publicidade da mídia pode exercer no curso do processo penal, de forma a demonstrar suas consequências e apresentar propostas de solução construídas pela doutrina. Tal fato é estudado através da análise da recorrente colisão dos princípios da Liberdade de Expressão e do Julgamento Justo observada no dia a dia forense, apresentando técnicas de ponderação de princípios, esmiuçando as aludidas garantias constitucionais, bem como apresentando casos precendentes de grande repercussão midiática e social.

Palavras-chaves: Mídia – Sensacionalismo – Julgamento Justo – Liberdade de Expressão – Processo Penal – colisão de princípios

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ABSTRACT

The present study seeks to develop the subject of the impact that the oppressive publicity of media may exert in the criminal prosecution, to demonstrate their consequences and present solution proposals built by the doctrine. Such fact is studied through the analysis of the recurrent collision between the law principles of Freedom of Expression and Fair Trial, daily observed on forensic practice, offering weighting of principles techniques, detailing the constitutional guarantees mentioned above, as also presenting previous cases that have caused a huge social and media impact.

Keywords: Media – Sensationalism – Fair Trial – Freedom of Expression – Criminal Prosecution – Collision Between Law Principles

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...09 1...BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS...12

1.1. Té

cnica de Ponderação segundo Humberto Ávila... 14

1.2. M

odelo de aplicação segundo Ana Paula de Barcellos... 17

2.A COLISÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DO JULGAMENTO JUSTO E DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO...19

2.1. O direito a um julgamento justo

... ...19

2.1.1.O princípio da Presunção de Inocência...22 2.1.2.Princípio da Imparcialidade do Juiz...26 2.1.3.Prova Ilícita e as consequências do seu uso como argumento na mídia...29

2.1.4. A garantia da Publicidade do Julgamento...31

2.2. Inflexões acerca da Liberdade de Expressão...39 2.2.1. Concepções acerca da ingerência estatal com fito de garantir e regular a liberdade de expressão...40 2.2.2. A posição preferencial da liberdade de expressão e sua abordagem no contexto brasileiro...42 2.2.3. A cobertura jornalística e os limites à liberdade de expressão desta no contexto de um evento criminoso...45

2.3. A colisão propriamente dita entre as garantias da Liberdade de Expressão e Informação

e do Direito a um Julgamento

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2.3.1. As lições tiradas dos Julgamentos da Suprema Corte Americana acerca da influência

da mídia na imparcialidade dos julgamentos

criminais...50

2.3.2. As soluções do ordenamento jurídico brasileiro na colisão dos princípios da liberdade de expressão e informação com os postulados do direito a um julgamento justo...52

3. O PODER DA IMPRENSA BRASILEIRA: INTERESSES ECONÔMICOS E SENSACIONALISMOS...58

3.1. Mídia como uma expressão do capitalismo...59

3.2.A conveniência dos sensacionalismos e dos posicionamentos em paralelo com o senso comum...60

3.3.Casos emblemáticos que contaram com demasiada ingerência midiática...64

3.3.1. Caso Escola Base ...64

3.3.2. Caso Suzane Von Richthofen e Irmãos Cravinhos...66

3.3.3. Caso Família Nardoni...68

CONCLUSÃO...71

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INTRODUÇÃO

Nenhum meio é mais eficaz de se propagar informações e de externar à coletividade um ponto de vista, mesmo que de forma discreta embutida nestas, do que a mídia, aqui entendida como os mais diversos meios de comunicação capazes de atingir indeterminado número de pessoas.

Revestidas e amparadas pelos fundamentais preceitos constitucionais, em especial o da liberdade de expressão (art. 5º, IX, CRFB 88), bem como consideradas imperativas para o interesse público, a mídia impressa, televisiva, de radiodifusão e, mais recentemente, a virtual estão presentes no nosso cotidiano e perpassam ideologias e costumes ajudando-os a se enraizarem no âmago de nossa sociedade.

Nesse sentido, os crimes estampam os mais diversos noticiários. Haja vista sua natureza pública e de grande relevância social, são comumente objetos de debates, artigos e programas que não se limitam a informar acontecimentos, mas também buscam transpassar, muitas vezes, opiniões eivadas de achismos e posicionamentos conservadores que tem como escopo apresentar soluções à crescente criminalidade das sociedades contemporâneas.

No meio desses fatores paralelos à persecução penal e garantias processuais, está o suposto criminoso que, independentemente de um relatório de vida pregressa, de ficha de antecedentes criminais ou da análise do arcabouço probatório é exposto, destrinchado e muitas vezes até “condenado” pelos meios de comunicação e pela opinião pública lato sensu às a vessas do que prima a presunção de inocência.

Além dessa nociva exposição, de certo modo irreversível, mesmo que a posteriori seja constatado pelo Poder Judiciário a inocência do acusado ou investigado, a doutrina vem se preocupando detidamente com a influência que a aludida execração popular pode ter no desfecho dos processos criminais de forma a suprimir garantias constitucionais e pressupostos processuais.

A preocupação que se pretende levantar é o discurso de ódio propagado seja por âncoras de televisão, radialistas ou por digital influencers que se expande facilmente através

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das rápidas e eficientes ferramentas de compartilhamento de informações existentes em tempos vigentes e ajudam a configurar uma opinião pública que muitas vezes ultrapassa a ideia de encarceramento em massa e instala no seio da sociedade um verdadeiro revanchismo penal quase de eras medievais, imbuídos, muitas vezes, de interesses políticos e principalmente comerciais, certo que sensacionalismos são economicamente interessantes para a indústria da informação.

Ademais, importante indagar se essa construção histórica revanchista quase inerente ao ser humano e potencializada pelo sensacionalismo midiático tem como ser ao máximo suprimida em uma decisão cujo cerne tem que estar pautado pela imparcialidade do órgão julgador.

Como bem traz Oscar Wilde em sua célebre frase “Para entrar na alta sociedade, hoje em dia, é preciso comprazer às pessoas, ou saber diverti-las, ou escandalizá-las; basta isso”1, o capitalismo feroz do mercado de comunicações vem naturalizando o afastamento de seus próprios preceitos éticos e atingindo abruptamente a dignidade da pessoa humana.

Por conta disso, faz-se mister minuciosa análise de técnicas de ponderação, uma vez estarmos diante de uma complexa colisão de princípios constitucionais em que de um lado temos a liberdade de expressão e de um outro o direito a ter um julgamento justo. Sobrepesá-los com prudência, de forma a não atingir o núcleo de ambos é o desafio que se pretende superar, com vistas sempre voltadas as especificidades do caso concreto.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal

1 WILDE, Oscar. Disponível em

http://pensamentosefrases.com.br/autor/Oscar+Wilde.html?p=2. Acesso em 10 ago.2017.

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Dessa forma, a presente pesquisa buscará demonstrar os impactos que a opinião pública pode exercer no curso do processo penal, bem como as supressões de direitos fundamentais deles decorrentes dentro de uma lógica político-econômica que cada vez mais ganha força em tempos de crise.

Assim, procura-se em A Nociva Influência Do Sensacionalismo Midiático No Processo Penal relacionar a forma como essa opinião pública odiosa derivada do caos social que vivemos e potencializada pela Grande Mídia Sensacionalista pode se entranhar nas decisões judiciais que deveriam primar pela tecnicidade e abstenção no que tange anseios revanchistas.

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1. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Importante que se diga desde logo que a ponderação de princípios a seguir detalhada cumpre uma função dentro da hermenêutica constitucional de caráter subsidiário. Tal afirmativa não pretende diminuir ou subjugar essa técnica, mas tão somente informar que esta se presta à função de solucionar, dentro do caso concreto, conflitos não solucionáveis pela mera subsunção do fato à norma.

Estamos, assim, diante de uma técnica usada para eventuais colisões de princípios que não determina uma forma única de solução, mas volta-se exclusivamente para a análise casuística.

Assim, infere-se que, de pronto, podemos classificar as normas jurídicas pelo modo como as aplicamos em hipóteses de colisão com outras normas constitucionais. Os princípios, por não determinarem um específico comportamento, não têm um caráter engessado, preocupam-se mais com os fins visados e orientam a otimização de variados preceitos, de forma a garantir o máximo de direitos fundamentais.

Por estas razões, em situações colidentes, os princípios são aplicados por meio das técnicas de ponderação, uma vez que dentro de uma lógica em que se busca a otimização de direitos, a mera subsunção da conduta à norma em um formato de “tudo ou nada” (técnica utilizada para aplicação de regras) não seria suficiente.

“ Princípio- já averbamos alhures- é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o

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sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”.2

Ademais, no caso de colisão de regras aquela que não se adequar ao material fático será afastada, resolvendo-se a situação conflituosa no plano da validade. Os princípios, a contrário sensu, são considerados todos válidos, assim, em uma situação colidente, o caso concreto se resolveria no plano da eficácia.

Portanto, conforme já mencionado, a solução do conflito entre princípios não é excludente e sim agregadora, objetiva-se abraçar a maior quantidade de garantias principiológicas fundamentais de forma que uma não atinja o núcleo da outra, não representando uma aplicação automática, pois possuem uma maior carga valorativa, norteando um fim específico e garante.

Certo que ao tratarmos de colisões principiológicas partimos da premissa que nem sempre será possível, nos pormenores casuísticos, acolhermos tantos princípios no momento decisório, assim deve-se levar em conta a importância relativa de determinado preceito, ou em outras palavras, o “peso” deste em relação ao seu conflitante, daí surge a técnica de ponderação. Nas palavras de Daniel Sarmento:

“O equacionamento das tensões principiológicas só pode ser empreendido à luz das variáveis fáticas do caso, as quais indicarão ao intérprete o peso específico que deve ser atribuído a cada cânone constitucional em confronto. E a técnica de decisão que, sem perder de vista os aspectos normativos do problema, atribui especial relevância às suas dimensões fáticas, é o método de ponderação de bens.”3

Dessa maneira, cabe ao magistrado identificar se no caso concreto em discussão há um choque de cunho valorativo-principiológico, se a conclusão for positiva, deverá através de 2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11ª ed., rev, atual. e ampl. De acordo com as Emendas Constitucionais 19 e 20, de 1998. São Paulo: Malheiros, 1999, p.620

3 SARMENTO, Daniel. Os Princípios Constitucionais e a Ponderação de Bens. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,p.55.

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detida análise das consequências práticas sopesá-los, de forma que a partir das casualidades levantadas terá que dar prevalência de um ou mais princípios sobre outro (s).

Ressalta-se que essas restrições impostas pelo juiz a determinados princípios em razão da necessidade de maior valoração de outros não se transformarão em um dogma a ser sempre seguido. Por mais que haja outros casos similares em que ocorra o choque entre estas mesmas cargas principiológicas, as soluções encontradas ao final da aplicação da técnica de ponderação não deverão, necessariamente, serem as mesmas.

Assim, diferentemente da subsunção que é observada nas hipóteses de aplicação de normas, a ponderação de princípios volta-se, prioritariamente, não somente para a análise do caso concreto, mas projeta-se no sentido das possíveis consequências que aquela decisão implicará.

Tal ensinamento retiramos da obra de Robert Alexy que refutou a ideia de Ronald Dworkin4 de que para o mesmo conflito principiológico haverá sempre uma única e correta resposta. “La idea regulativa de la única respuesta correcta no presupone que exista para

cada caso una única respuesta correcta... de manera que vale la pena procurar encontrar em cada caso la única respuesta correcta.5

Para este teórico é imprescindível que se efetue um juízo baseado no princípio da proporcionalidade, aqui entendido como aquele em que esteja intrínseco três elementos para sua aplicação: a) meio de aplicação, b) fim concreto objetivado e c) relação de causalidade entre estes. Em suma, traz-se a ideia de que para que uma norma jurídica esteja em consonância ao preconizado pelo princípio da proporcionalidade ela deverá, ao mesmo tempo, ser capaz de atingir os objetivos a que se pretende, ser a menos gravosa entre todas as demais e ainda causar benefícios superiores às desvantagens oriundas de sua aplicação.

4 ALEXY, Robert: Sistema Jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. DOXA. Cadernos de filosofia do direito nº5, Alicante: Universidade de Alicante, 1988.

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1.1. Técnica de Ponderação segundo Humberto Ávila

A técnica da proporcionalidade estabelecida por Robert Alexy necessita ainda do exame de três condições: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Por adequação se entende por nada mais ser que a constatação se o meio empregado para atingir ao fim que se busca é, de fato, eficaz. Nesse sentido, Humberto Ávila define em sua obra Teoria dos Princípios que o meio mais adequado é aquele em que os aspectos quantitativos (intensidade) deste promoverão mais o fim almejado do que todos os outros, em termos qualitativos (qualidade) o meio adequado proporcionará de melhor forma o fim a que se pretende, e, por fim, em termos probabilísticos (certeza) o meio a ser escolhido terá que fornecer mais certeza de sua eficiência que todos os demais. Nesse sentido, o ilustre autor exemplifica através da hipótese de aquisição de medicamentos pela administração pública:

“A comparação entre meios que o legislador ou administrador terá de escolher nem sempre se mantém em um mesmo nível (quantitativo, qualitativo ou probalístico), como ocorre na comparação entre um meio mais fraco e outro mais forte, entre um meio pior e outro melhor, ou entre um meio menos certo e outro mais certo para a promoção do fim. A escolha da administração na compra de vacinas que acaba com todos os sintomas da doença (superior em termos quantitativos), mas, que não tem eficácia comprovada para a maioria da população (inferior em termos probalísticos) e outra vacina que, apesar de curar apenas os principais efeitos da doença (inferior em termos quantitativos), já teve sua eficácia comprovada em outras ocasiões (superior em termos probalísticos) ”.6

A condição necessidade, por sua vez, avalia a existência de meios menos gravosos aptos a promover o mesmo fim pretendido, ou seja, aqueles que em uma situação de princípios colidentes preservarão, ao máximo possível, os preceitos de cada um. Pressupõe-se, portanto, que os meios a serem julgados já são, a prioristicamente, adequados (primeira condição da aplicação do princípio da proporcionalidade).

6 ÁVILA,Humberto.Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4º. ed. Brasil: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2005, pag.117

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Para a exemplificar a observância da condição necessidade Humberto Ávila traz como amostra o caso de reconhecimento de paternidade7 em que o pai presumido do recém-nascido impetrou habeas corpus com o fito de se ver livre do constrangimento de ser submetido a um exame de DNA, sustentando que o referido teste poderia ser feito sem a coleta de material biológico do paciente, uma vez que o autor da demanda poderia ele mesmo realizar o exame de reconhecimento de paternidade. O tribunal, ao analisar o caso, decidiu que o meio esposado pelo pai presumido seria menos restritivo que aquele solicitado pelo autor da ação de investigação de paternidade, ou seja, o fim pretendido seria alcançado da mesma maneira sem, no entanto, ter que constranger uma das partes envolvidas (direito fundamental).

Por fim, em relação a condição proporcionalidade em sentido estrito determina-se que a intensidade da intervenção feita em um determinado direito fundamental deve ser motivada de forma que fique claro que a violação a que esta garantia foi submetida seja tão grave quanto às razões que a justificou.

Assim, após a identificação de meios aptos para atingir o fim pretendido por um princípio (adequação) e verificando que tais meios reduzirão as garantias de um segundo princípio, deverá o órgão julgador avaliar qual dos meios em questão restringirá menos este segundo princípio (necessidade), finalmente, após identificar o meio menos gravoso, este só poderá ser aplicado após verificar se a intervenção que se põe a um direito fundamental é tão grave quanto às razões que justificaram tal intervenção (proporcionalidade em sentido estrito).

É exatamente nesse momento, após demonstrar as condições para se utilizar da técnica de proporcionalidade que Ávila8 consegue diferenciar esta da técnica de ponderação levantando ainda uma crítica em relação a segunda. Segundo este autor, a técnica de ponderação, diferentemente da destrinchada anteriormente, não possui critérios que delimitem

7 Ibidem, pag.123

8 ÁVILA,Humberto.Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4º. ed. Brasil: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2005

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a amplitude da subjetividade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), o que gera, necessariamente, maiores incertezas e menor segurança jurídica.

Por conta disso, o autor vê a necessidade de estruturar a ponderação de princípios e estabelece três fases de aplicação de forma que se busque sempre a maior abrangência de garantias constitucionais possíveis mesmo em casos em que estas sejam aparentemente confrontantes, conforme explicita Luís Roberto Barroso:

“Imagine-se uma hipótese em que mais de uma norma possa incidir sobre o mesmo conjunto de fatos, várias premissas maiores, portanto para apenas uma premissa menor, como no caso clássico da oposição entre liberdade de imprensa e de expressão, de um lado, e os direitos à honra, à intimidade e vida privada, de outro. Como se constata singelamente, as normas envolvidas tutelam valores distintos e apontam soluções diversas e contraditórias para a questão. Na sua lógica unidirecional (premissa maior- premissa menor), a solução subsuntiva para esse problema somente poderia trabalhar com uma das normas, o que importaria na escolha de uma única premissa maior, descartando-se as demais. Tal formula, todavia, não seria constitucionalmente adequada: por força do princípio instrumental da unidade da Constituição, o intérprete não pode simplesmente optar por uma norma e desprezar outra em tese também aplicável, como se houvesse hierarquia entre elas. ”9

Dessa maneira, no intuito de atender ao princípio instrumental da unidade da Constituição realçado por Barroso10, a utilização da técnica de ponderação deve ser feita a partir de uma etapa de preparação (identificação dos enunciados normativos em tensão), de realização (etapa em que se determina os elementos relevantes de cada enunciado em tensão) e da etapa de reconstrução (momento em que se avaliará a primazia de certos elementos relevantes sobre outros no caso concreto).

1.2. Modelo

de aplicação segundo Ana Paula de Barcellos

9 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6º. ed. rev., atual. e ampl.-São Paulo: Saraiva, 2004, pag. 357.

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Partindo dessas etapas ilustradas por Humberto Ávila, Ana Paula de Barcellos destrincha mais ainda o modelo de aplicação da técnica de ponderação e estabelece que em um primeiro momento deve-se fazer uma exaustiva constatação se há, de fato, enunciados normativos em conflito, vez essa ser a razão que justifica o uso da técnica de ponderação.

Além disso, por estarmos tratando de uma ponderação jurídica (decisão jurídica), neste primeiro momento somente importará a observância de elementos normativos em conflito, diferentemente do que ocorre em análises políticas, as quais valoram as vantagens e desvantagens da decisão.

Na segunda etapa da ponderação, responsável pela determinação dos elementos relevantes de cada enunciado normativo, a autora ressalta que a identificação desses fatos “permitirá ao intérprete apurar se existe alguma possibilidade fática de atender a todas as soluções em um nível ótimo e, em qualquer caso, servirão de importante subsídio para a última etapa da ponderação” 11. Se dessa análise a conclusão não for de um nível ótimo deverá se determinar uma solução que restrinja ao mínimo às demais.

Por fim, a terceira etapa, decisória, importará na análise conjunta dos elementos normativos relevantes realçados anteriormente, de forma a atribuir-lhes pesos e apontar a solução. Nesse momento a autora estabelece parâmetros a serem seguidos para a atribuição desses pesos, são eles: a) pretensão de universalidade; b) busca pela concordância prática; c) construção do núcleo essencial dos direitos fundamentais12.

A pretensão de universalidade estabelece que a argumentação jurídica escolhida de ser aceitável universalmente no ordenamento, com isso busca-se afastar decisões eivadas de parcialidades e opiniões pessoais. Por outro lado, este requisito aponta para que a mesma decisão possa servir para outros casos semelhantes em consonância ao ideal da isonomia. 11 BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pag. 123.

12 BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005

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A busca pela concordância prática, por sua vez, visa, em suma, a otimização dos princípios em conflito de forma a entender a ponderação como um mecanismo de harmonização de valores, muito embora seja cediço que nem sempre tal fato será possível de ser estabelecido. Conclui Barcellos que “a não incidência em nenhuma medida de um enunciado válido e pertinente em determinado caso, não afastado por qualquer das exceções admitidas pela ordem jurídica, constitui uma quebra de sistema e deve, tanto quanto possível, ser evitada”.13

Finalmente, a construção do núcleo essencial dos direitos fundamentais ressalta um limite às restrições ocorridas na terceira fase da ponderação. Barcellos afirma, porém, não haver um modelo estático de direitos fundamentais que compõe um núcleo essencial, tal rol deverá ser construído caso a caso e somente após a ponderação este núcleo poderá ser delineado (teoria relativa). Assim, a doutrina deverá se debruçar sobre o tema e propor para cada direito um núcleo sobre o qual nenhum elemento normativo poderá fazer restrições.

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2. A COLISÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DO JULGAMENTO JUSTO E DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Com base nas já demonstradas construções doutrinárias que buscam estabelecer parâmetros mais objetivos acerca das técnicas de ponderação em situações de conflitos principiológicos, nos debruçaremos agora na análise mais detida acerca da problemática central deste trabalho, qual seja, a colisão entre os princípios da garantia de um processo justo e da liberdade de expressão.

A priori, é importante que se entenda, de forma mais aprofundada, as características centrais de ambos os princípios que aqui entram em choque, para que depois possamos demonstrar as nuances destes quando confrontados.

2.1. O direito

a um julgamento justo

O direito a um julgamento justo no ordenamento brasileiro se confunde, porém não se limita, à inteligência trazida do art. 5º, LIV, da Constituição Federal de 1988 que realça o direito fundamental do devido processo legal, correspondente à tradução para o português da expressão inglesa “due process of law”. Doutrinariamente é conhecida como norma-princípio, vez não determinar uma conduta, mas sim a realização do fim expresso no seu texto:

“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”14.

O conceito do devido processo legal traz em seu bojo, dentre outras, as noções da garantia de ser julgado por um juiz imparcial, da presunção de inocência, de ter um veredicto pautado pela análise de evidências válidas trazidas ao processo e da publicidade processual.

14 Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 01 out. 2017.

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A função precípua que um julgamento criminal, nos ditames do devido processo, deve exercer, é o de limitar, ao longo da persecução penal, a atividade estatal, de forma a otimizar as garantias constitucionais, afastando arbítrios e investiduras indevidas nos direitos tutelados para que sempre se atenda os procedimentos mais adequados.

Tal fato em nada se coaduna ao já comum argumento de que um suposto excesso nos direitos do acusado são causa da ineficiência estatal no que tange a segurança pública. Certo é que a flexibilização dessas garantias é extremamente nociva, ainda mais ao tratarmos de um ramo do ordenamento jurídico em que os indivíduos são privados de direitos individuais, tais como a liberdade.

Assim, a atividade repressiva estatal deve ter sempre uma aplicação de suas normas em consonância à leitura que se extrai da Carta Magna de 1988, até mesmo em respeito a hierarquia de normas, bem como a natural situação de vulnerabilidade da pessoa investigada ou acusada. Nas palavras de Simone Schreiber em referência a David J. Bodenhamer

“trata-se de as“trata-segurar o respeito a direitos fundamentais de pessoas investigadas e acusadas da prática de crimes em um ambiente desfavorável provocado pela própria reação da coletividade à ocorrência do evento criminoso” 15

Como já mencionado, quando tratamos de devido processo legal (norma-princípio) abarcamos um conjunto de comportamentos destinados a atingir aquele fim. Assim, para fins de estudo, se faz imprescindível a análise dos julgados do Supremo Tribunal Federal para que possamos identificar os elementos necessários que garantem um devido processo legal, uma vez que o aludido inciso LIV, do artigo 5º da Constituição Federal não os descreve expressamente.

Conforme se exemplificará em momento oportuno o Pretório Excelso entende como trivial, no devido processo penal, certas garantias ao réu que vão além do contraditório e da

15

SCHREIBER, Simone. A Publicidade Opressiva de Julgamentos Criminais. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pag. 153.

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ampla defesa, como o privilégio contra a autoincriminação, a garantia de um julgamento célere, razoabilidade e proporcionalidade ao longo da persecução criminal.

O Supremo, dessa forma, entende o acusado como um sujeito de direitos, que inserido em um sistema penal que o coloca em uma situação de vulnerabilidade (não só em relação ao processo si, mas também perante toda sociedade) deve ter acesso a um processo justo do ponto de vista garantista.

Tal fato fica muito evidenciado em processos de extradição, hoje respaldados pelo precedente caso Qian Hong (extradição 633-9 República Popular da China – Relator Celso de Melo – Pleno – j.28.8.96 – DJ 6.04.01 – Unânime) uma vez que o pedido de extradição foi negado tendo em vista as situações consideradas incompatíveis com o devido processo legal brasileiro que o acusado seria submetido na China à época, tais como a não garantia de assistência jurídica e não participação do acusado ou defensor ao longo do processo decisório (óbice a ampla defesa e contraditório), o indiciado poderia ficar preso por tempo indeterminado na fase investigatória (óbice a razoável duração da persecução penal), há pressões impostas pelos Comitês político-legais do Partido Comunista nas decisões dos juízes (óbice à imparcialidade e independência das decisões proferidas por magistrados), não havia ainda, no processo chinês, uma vedação de provas ilícitas nem garantia da presunção de inocência do réu.

O supracitado julgado, dessa forma, delineou a posição do Supremo Tribunal Federal ao enumerar as garantias mínimas, conforme destrinchado no parágrafo anterior, que um acusado ou investigado deve ter ao longo da persecução criminal, esclarecendo e dando noções mais objetivas à norma-princípio disposta na Constituição Federal em seu artigo 5º, LIV que positiva o devido processo legal como princípio fundamental.

Por sua vez, no julgamento do HC 82788/RJ (Relator Celso de Mello – Segunda Turma-j. 12.4.04 – DJ. 02.6.06 – Unânime) o Supremo Tribunal Federal rechaçou a possibilidade de valoração de provas obtidas por meios ilícitos. Tratava-se de uma fiscalização realizada em escritórios de contabilidade em que foram apreendidos HD’s dos computadores, livros e documentos contábeis pela polícia federal, sem, no entanto, ostentarem um mandado judicial que autorizasse a ação policial em local privado. A ação foi ajuizada

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com fundamento, justamente, nessas provas obtidas por meios ilícitos. Embora com previsão específica no artigo 5º, LVI da Constituição Federal 88, a vedação de obtenção de provas por meios ilícitos decorre dos conceitos abarcados pelo devido processo legal.

Realçados alguns dos principais elementos inseridos no amplo conceito do fair trial, de forma que o torne mais objetivo, faz-se mister destrinchar, separadamente, os supracitados princípios da presunção de inocência, do juiz imparcial, da proscrição da prova ilícita e da publicidade processual.

2.1.1. O princípio da Presunção de Inocência

A Constituição Federal de 1988 traz este tão debatido princípio no inciso LVII, do seu artigo 5º “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal

condenatória”16.

Vale a ressalva que nos utilizaremos como base aqui a conceituação doutrinária deste princípio, sem entrar no mérito do recente julgamento do Supremo Tribunal Federal que, para os críticos, relativizou o conceito do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Com origem na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 a presunção de inocência é um marco no processo penal que refez o conceito de que este é um mero instrumento de aplicação de um castigo, desconsiderando, assim, um prévio estado de culpabilidade do agente.

Hoje em dia, além de seu status de princípio na Constituição Federal, está disposta no artigo 8, 2, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos que afirma que “Toda pessoa

acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa17”, impondo, dessa forma, limites à coerção estatal contra o acusado ou investigado.

16

Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 01 out. 2017.

(25)

Ressalta-se que a interpretação não deve ser extraída somente da análise gramatical das redações do Pacto São José da Costa Rica e da Constituição Federal. Segundo Ana Lucia Menezes Vieira, o princípio da presunção de inocência não se resume a uma presunção de não culpabilidade, para a autora:

Possui um valor ideológico que é a garantia dos interesses do acusado no Processo Penal. É, antes de tudo, um princípio de justiça pelo qual se veda considerar culpável o acusado antes da sentença definitiva. É uma presunção política já que garante de maneira específica a posição de liberdade do acusado diante do interesse coletivo da justa repressão penal.18

Assim, todas as garantias de defesa do acusado, tais como, o contraditório, imparcialidade do juiz, entre outros, encontram na presunção de inocência um princípio unificador.19

Dessa forma, dentro da lógica do devido processo penal, cabe ao órgão acusador reunir o conjunto probatório que enseja uma eventual condenação (em regra, o Ministério Público) e, persistindo dúvida acerca da autoria ou materialidade do delito, deverá ser decidido pela absolvição do acusado.

Entretanto, conforme sustenta Luiz Flávio Gomes20, incide em erro quem acredita que cem porcento do ônus da prova caberá ao Ministério Público. Há regras pré-definidas de 17

Pacto São José Da Costa Rica. Disponível em:

http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em 22. Nov.2017

18

VIEIRA, Ana Lucia Menezes. Processo Penal e Mídia. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2003. Pag. 171.

19

Ibidem. Pag. 172 20

GOMES, Luiz Flavio. Sobre o conteúdo processual tridimensional da presunção de inocência. Estudos do Direito Penal e Processual Penal. São Paulo: RT, 1999, p.111-112

(26)

distribuição da atividade probante e, na hipótese de já terem sido provados os fatos e autoria destes, caberá a defesa do acusado sustentar e provar eventuais causas de excludentes de ilicitude ou culpabilidade, sendo certo que, neste momento, estão presumidas contra o réu, a culpabilidade e a antijuridicidade da ação ou omissão que lhe foi imputada.

Ressalta-se aqui a posição divergente de Gustavo Badaró 21. Entende o autor ser ônus exclusivo do Ministério Público ou do querelante a prova da imputação que fez, ou seja, os fundamentos da denúncia têm que convencer o juiz de que há cristalina prova da materialidade, da autoria, além da tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Somente assim, com pleno convencimento judicial, é que poderá haver uma consequente condenação, não sendo possível uma inversão desse ônus probante.

No âmbito da eficácia do princípio da presunção de inocência tem-se que este deve ser observado em todas as fases da persecução penal de modo que “o uso de algemas quando

desnecessário, a posição degradante e inferior do banco dos réus, palavras e gestos humilhantes que o tornem diminuído além do necessário pela condição de investigado ou processado.22

Outro debate que se faz a respeito do tema é a possível incompatibilidade entre o instituto da prisão preventiva e a garantia fundamental da presunção de inocência. Quanto a isso não vemos maiores dificuldades de aplicação destes, vez que ambos estão previstos no artigo 5º da Constituição Federal no rol das garantias fundamentais, o que devemos atentar apenas é o caráter excepcional da prisão preventiva que somente deverá ser decretada se configurada extrema necessidade, em atenção aos requisitos do fumus comissi delicti e do

periculum libertatis.

21

BADARÓ, Gustavo Henrique Rigui Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2003.

22

VIEIRA, Ana Lucia Menezes. Processo Penal e Mídia. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2003. Pag.172

(27)

O fato de decretar a prisão preventiva contra alguém, não lhe retira a presunção de inocência, trata-se de mera cautelaridade processual com o único objetivo de assegurar a perfeita continuidade da persecução criminal ou, ainda, salvaguardar à garantia da ordem

pública e a garantia da ordem econômica, como preceituado no artigo 312 do Código de

Processo Penal, exigindo que o magistrado demonstre o periculum libertatis e o fumus

comissi delicti na fundamentação da decretação da custódia cautelar. Ou seja, o fato de um

indivíduo estar preso em uma das modalidades da prisão provisória não o faz culpado aos olhos da legislação pátria.

Sobre a temática o Superior Tribunal de Justiça consolidou seu posicionamento através do seu verbete número 9 “ A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a

garantia constitucional da presunção de inocência” 23.

Por outro lado, quando nos deparamos com casos de grande repercussão midiática vemos, muitas vezes, a garantia da presunção de inocência ser, no mínimo, flexibilizada. Apesar de termos tantos exemplos de processos criminais com máxima cobertura da mídia, ainda é de causar estranheza que em muitos destes a fundamentação do magistrado no momento da aplicação da pena esbarre, com muita frequência, em termos como “clamor popular” e “sentimento de impunidade da sociedade”, que justificam, por exemplo, uma prisão cautelar ou uma fixação da pena-base muito acima do mínimo legal. Sobre a temática sustentou de forma precisa a juíza federal Simone Schreiber:

“O reconhecimento do ‘clamor público’ como justificativa para recrudescer o tratamento dispensado ao acusado no processo (claramente invocado nos precedentes ora examinados) significa reconhecer que a pressão repercutida pela mídia para punir determinada pessoa que figura como investigada ou ré é legítima e pode ser acolhida pela justiça”24

23

Sumulas Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:

http://www.stj.jus.br/docs_internet/VerbetesSTJ_asc.pdf. Acesso em 08 out.2017 24

SCHREIBER, Simone. A Publicidade Opressiva de Julgamentos Criminais. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pag. 211.

(28)

Não há como desvincular o papel da imprensa nesse fenômeno. O tratamento, muitas vezes dado pelas manchetes e coberturas jornalísticas, podem causar verdadeiras rupturas no status de prévia inocência do acusado ou investigado, que já não bastasse a situação de natural vulnerabilidade que o processo penal, por si só, impõe, ainda lida com a execração vinda dos veículos de comunicação.

Dessa maneira, a imprensa, de um modo de geral deve ter bastante cautela no uso de certas expressões, exposição desnecessária de imagens e fatos, de forma a não induzir seus leitores, telespectadores ou ouvintes a uma pré-convicção de culpa25 das pessoas retratadas nas manchetes.

Imprescindível, portanto, a correta atuação da mídia, pois o suspeito ou acusado “é um indivíduo na plenitude de seus direitos”. Mesmo se preso preventivamente, se tiver confessado o crime, ele, ainda, é juridicamente inocente, e como tal deve ser respeitado pela imprensa.26

Detalharemos essa ingerência da mídia no regular andamento do processo, que atinge, em muitos casos, a presunção de inocência do investigado ou acusado, mais a frente. A priori, é importante que se diga que a solução que aqui que se busca, sequer cogita um maior limitador oriundo do controle estatal sobre a imprensa, mas apenas tem como escopo lançar luz acerca do tratamento que esta dá a determinados casos e como isso, indevidamente, enseja em um cerceamento de outros direitos fundamentais do indivíduo.

2.1.2. Princípio da Imparcialidade do Juiz

Independentemente dos desafios que este princípio impõe ao Poder Judiciário, é certo que a imparcialidade do juiz é um pressuposto de validade do processo e, por essa razão deve,

25

VIEIRA, Ana Lucia Menezes. Processo Penal e Mídia. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2003. Pag.173

26

(29)

obrigatoriamente, ser garantido pelo ordenamento e pelos órgãos de controle. A grande dúvida que levanta é como fazê-lo.

Tal princípio, de tamanha importância, tem caráter universal e remonta o disposto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo X: “Todo ser humano tem direito, em

plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.27

A imparcialidade do Magistrado também encontra guarida no Pacto São Jose da Costa Rica em seu artigo 8, 1 que afirma que:

Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.28(grifo nosso)

Sem dúvida, a palavra que traduz o conceito de juízo imparcial é a equidistância. O juiz deve se manter em um estado de desinteresse particular no caso em que foi demandado a solucionar uma controvérsia jurídica, de forma a aprecia-la sem pré- condicionamentos, sem “inclinar a balança”29.

27

Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm. Acesso em 19.nov.2017 28

Pacto São José Da Costa Rica. Disponível em:

http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em 22. Nov.2017

29

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Imparcialidade: reflexões sobre a imparcialidade do Juiz. Revista Jurídica. Porto Alegre, n. 250, v. 46, p.12, 1998.

(30)

Ana Lucia Menezes Vieira30 sobre o tema afirma que:

...a imparcialidade possui um aspecto subjetivo que significa o dever do juiz agir sem paixão, sem interesse próprio, com serenidade; e um aspecto objetivo, isto é, as partes devem sentir-se intimamente garantidas pela imparcialidade... “a

imparcialidade íntima das pessoas deve juntar-se a imparcialidade do sistema”31.

Não se exige aqui que o Magistrado se quede neutro, conceito esse comumente confundido com o de imparcialidade. É notório que os julgadores possuem suas próprias convicções e ideologias que os guiarão por toda a vida e influenciarão suas decisões.

Assim para que se garanta a imparcialidade é imperioso que o processo penal se mantenha fidedigno aos preceitos do princípio acusatório, para que a função de acusação não tenha envolvimento com a figura do Magistrado e a defesa, igualmente, seja exercida por sujeito distinto e afastado do juiz, possibilitando que o julgador conheça os elementos trazidos pelas partes sem por em risco sua imparcialidade.

Assim, uma vez reconhecida as influências culturais, sociais e familiares sofridas pelo juiz e externas ao processo pergunta-se como este poderá se manter imparcial para julgar um caso quando houver grandes campanhas midiáticas, de grande repercussão social, clamando pela condenação de um acusado?

Certamente o juiz sofrerá com estas pressões, ainda mais em tempos vigentes em que as grandes empresas de comunicação exercem grande poder sobre as instituições e sobre a sociedade como um todo. Entretanto, é de se esperar que um Magistrado, com todo seu conhecimento técnico, consiga se abstrair desses fatos no momento decisório.

30

VIEIRA, Ana Lucia Menezes. Processo Penal e Mídia. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2003. Pag.179

31

(31)

Todavia uma campanha feita pela imprensa sobre um caso criminal não deve, por si só, influir negativamente no ânimo do juiz togado, atingindo sua imparcialidade. Cabe a ele, como técnico, com formação profissional voltada para a decisão de conflitos, a coragem de subtrair-se ao estrépito midiático e não se deixar levar, no seu mister, pelos ímpetos alimentados no clamor popular, pelas paixões contidas no eco da voz corrente da opinião pública, a qual se sustenta por impressões perfunctórias que lhe transmitiu a imprensa.32

Além disso, outro debate que se impõe, diz respeito se a determinação de produção de provas consideradas necessárias à busca da verdade no processo penal (aqui entendida como a verdade processual, uma vez a verdade real esbarrar em preceitos morais e éticos) pelo juiz pode ferir o princípio acusatório e, portanto, a imparcialidade do Magistrado.

Tal discussão se tornou mais acirrada com o advento da nova redação do artigo 156 do Código de Processo Penal dadapela lei n. 11.690/2008, em especial, seu inciso I, que facultou ao juiz, de oficio, “ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de

provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida”33.

Essa faculdade conferida ao Magistrado reacendeu a polêmica acerca dos limites da atividade instrutória do juiz, de forma que não fica claro até que ponto aquele que deseja provar algo não está comprometido com um prévio posicionamento acerca da interpretação dos fatos submetidos a sua apreciação.

As críticas a esses dispositivos caminham no sentido de entender que o sujeito que determina diligências no intuito de provar algo está psicologicamente comprometido com uma das versões apresentadas no caso e, dessa forma, se torna parcial. Resta claro, assim, que não deve ser função do juiz determinar ex officio produção de provas, caso contrário, estaria comprometendo sua imparcialidade e, portanto, a validade do processo.

32

VIEIRA, Ana Lucia Menezes. Processo Penal e Mídia. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2003. Pag.179

33

BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em 19.nov.2017.

(32)

O que não se tem dúvidas é que a disposição do artigo 93, IX da Constituição Federal ao estabelecer a necessidade de fundamentação de todas as decisões judiciais, sob pena de nulidade, é meio de garantir, de certa forma, ao processo uma isenção do Magistrado no momento decisório.

A motivação das decisões judiciais, imperativo constitucional, funciona assim tanto como um meio de controle tanto das partes, como dos próprios membros do Ministérios Público sobre a atuação do juiz ao longo do processo.

A motivação das decisões penais é o instrumento pelo qual as partes, o ministério público e o advogado vão poder verificar se a atuação do Magistrado baseou-se na lei e nos estritos limites dos fatos devidamente comprovados no processo, e não nas ilações do caso publicadas pela mídia, ou, ainda, nos sentimentos de justiça expressados pela opinião pública34.

2.1.3. Prova Ilícita e as consequências do seu uso como argumento na mídia

A Constituição Federal, como cediço, dispõe em seu artigo 5º, LVI a vedação da utilização de provas obtidas por meios ilícitos. Apesar de estar inserida no artigo 5º da Constituição, de onde se depreendem diverso princípios, a vedação de provas ilícitas no ordenamento é uma verdadeira regra e, por isso, não pode ser sobrepesada em um eventual choque de normas jurídicas como ocorre na ponderação de princípios (remete-se ao capítulo 1 desta pesquisa).

A análise aqui se faz de forma objetiva, se a evidência trazida à discussão foi obtida por meio inidôneo, não poderá, de forma alguma, ser valorada pelo juiz na análise do mérito daquele caso. Tal ideia complementa o conceito da supracitada verdade processual que se busca no âmbito do processo penal.

34

VIEIRA, Ana Lucia Menezes. Processo Penal e Mídia. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2003. Pag.182

(33)

A priori, essa regra parece absoluta, entretanto, há divergências na doutrina a respeito de uma perigosa flexibilização desse conceito que, com a máxima vênia, discordamos. Ada Pelegrini Grinover realçou nesse sentido:

Outra tendência que se coloca em relação às provas ilícitas é aquela que pretende mitigar a regra de inadmissibilidade pelo princípio que se chamou, na Alemanha, da “proporcionalidade” e, nos Estados Unidos da América, da “razoabilidade”; ou seja, embora se aceite o princípio geral da inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos, propugna-se a ideia de que em casos extremamente graves, em que estivessem em risco valores essenciais, também constitucionalmente garantidos, os tribunais poderiam admitir e valorar a prova ilícita.35

Essa posição norte americana e também germânica não cabe no direito brasileiro uma vez a expressa redação do artigo 5º, LVI da Constituição Federal. Ressalta-se que não há um rol taxativo de meios de obtenção de prova previstos em lei, há de se fazer uma análise sistêmica do direito positivo pátrio de forma a verificar a existência, ou não, de incompatibilidades do meio de prova em questão com os princípios e normas vigentes.

O Supremo Tribunal Federal rechaçou, da mesma maneira, a possibilidade de reduzir a garantia da proscrição da prova ilícita por meio de uma ponderação com o princípio da proporcionalidade. No HC 80949-RJ (Relator Sepúlveda Pertence – Primeira Turma – j. 30.10.01 – DJ 14.02.01 – Unânime) restou-se claro que o legislador já havia feito sua escolha no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal, não cabendo mais discutir relativizações dos limites impostos pelo texto constitucional.

De pronto podemos afirmar que será ilícito toda prova obtida por meio que viole direitos fundamentais e princípios processuais relativos ao devido processo legal, tais como aqueles que afrontam a integridade física e moral, a intimidade, que por ser considerada direito restringível, poderá ser atingida somente com autorização judicial (busca e apreensão

35

GRINOVER, Ada Pellegrini. A eficácia dos atos processuais à luz da Constituição Federal. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, nº 37, 1992. p. 27

(34)

em domicílios, inviolabilidade do sigilo da correspondência e das telecomunicações, dentre outros).

Nesse sentido, uma vez trazida ao processo uma prova obtida por meio ilícito, não será suficiente apenas desentranha-la, o juiz também deveria ser substituído, uma vez ter, a partir do seu contato com a evidência, sua imparcialidade comprometida, de forma que o veto ao artigo 157, §4º do Código de Processo Penal se deu apenas pela dificuldade que seria substituir magistrados lotados em comarcas de juízo único.

Além disso, evoca-se aqui a teoria do Fruto da Árvore Envenenada (fruit of the

poisonous tree), que estabelece que se uma prova lícita for obtida por meio do supedâneo de

uma prova ilícita, aquela também estará contaminada, sendo certo que se comunica a ilicitude observada haja vista a repercussão causal envolvida.

Assevera-se que os fatos transmitidos pela mídia, muitas vezes embasados em vídeos e escutas tendentes a justificar uma justa condenação em nada se coadunam com a verdade processual pautada em provas lícitas aqui destrinchada. O discurso que se vê em jornais de grande circulação pode até mesmo dificultar o trabalho de investigação das autoridades uma vez ficarem limitadas após a divulgação de um material que poderia ser válido para o processo e não mais o é.

“Os fatos transmitidos pela mídia provêm, o tanto quanto possível de fontes diretas não sujeitas a qualquer contestação. A verdade judiciária, pelo contrário, é construída com um distanciamento e através de um processo dialético de contraposição de versões do fato e debate. Esse amadurecimento é essencial ao ato de julgar, contudo no discurso da imprensa, essa verdade mediada é percebida como

(35)

resultado do mau funcionamento das instituições, resultado das artimanhas das partes, falhas do sistema e da excessiva permissividade de alguns juízes”.36

Nesse sentido, a sistemática do ordenamento que veda a valoração de provas obtidas por meio ilícito no curso do processo nem sempre será suficiente para impedir que o magistrado tenha acesso à essas evidências e assim se influencie no momento decisório. Isso porque a mídia, ao ter contato com as referidas provas, em muitas vezes, as utilizará como pauta em suas reportagens sobre os casos a elas atinentes, tornando-se praticamente impossível não haver a contaminação dos atores do processo.

Não podemos assim esperar que um Magistrado se mantenha inteiramente alheio às notícias que comprovam a conduta delitiva do réu, mesmo que, sabidamente, estas tenham sido obtidas por jornalistas sem atentar para os preceitos constitucionais garantidores dos direitos da intimidade, sigilo de documentos e correspondências, dentre outros.

Assim, mesmo que observados os limites da instrução probatória de acordo com os preceitos processuais vigentes, a influência dos canais de comunicação no que tange a divulgação de escutas, documentos, gravações do acusado obtidas sem o devido amparo jurídico atingem diretamente o prosseguimento de um julgamento considerado justo, já que de uma maneira ou de outra o magistrado terá acesso a essas evidências.

2.1.4. A garantia da Publicidade do Julgamento

De um modo geral o princípio da publicidade processual traduz um mecanismo de controle dos atos do poder público dentro de uma lógica democrática, do sistema acusatório e

36

SCHREIBER, Simone. A Publicidade Opressiva de Julgamentos Criminais. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pag. 242

(36)

de participação popular nos interesses coletivos, de forma a evitar arbítrios e incentivar o controle da sociedade na atuação dos atores do processo.

Nesse sentido, a publicidade exerce função ímpar no ordenamento jurídico, de forma que “o sistema de publicidade dos atos processuais representa uma das maiores garantias de

independência, imparcialidade, autoridade e responsabilidade do juiz37” bem como, a própria garantia do contraditório e da ampla defesa, uma vez ser ela a responsável por garantir às partes acesso as informações do processo. Nesses termos ainda ressalta Rodrigo Mansour:

A publicidade constitui um dos princípios fundamentais do Processo Penal no Estado Democrático de Direito, visto que assegura a transparência das investigações, instruções e julgamentos, de modo a evitar a violação das outras garantias processuais, bem como posturas e decisões arbitrárias, seja na fase do inquérito policial, seja no curso da relação jurídica processual.38

Assim, além de, por si só, ser um princípio importante, principalmente no que tange atos provenientes da função pública (artigo 37 da Constituição Federal de 1988), a Publicidade Processual constitui em verdadeiro pilar no Estado Democrático de Direito por garantir a efetivação de outros tantos princípios fundamentais dispostos na Carta Magna, assegurando tanto um controle interno quanto externo da atividade judiciária39 como um todo, em especial, o julgamento, estabelecendo um “nexo indissolúvel entre publicidade e democracia”40 ao longo do processo .

37

GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Princípios Constitucionais e o Código de Processo Civil. São Paulo: Bushatsky, 1975, p.132.

38

MANSOUR, Rodrigo. A Publicidade e suas limitações – A tutela da Intimidade e do Interesse

Social na Persecução Penal. Dissertação de Mestrado em Processo Penal. Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo. 2010. Pag. 13. Disponível em: http://www.teses.usp.br/index.php? option=com_jumi&fileid=17&Itemid=160&lang=pt-br&id=C7A28C6BEBAC. Acesso em 19. Nov. 2017.

39

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. 3ª Edição. Editora Saraiva. 2010. Pág. 567.

(37)

Entretanto, no que tange a justiça criminal, o princípio da publicidade não está apenas associado a um instrumento democrático, mas preocupa-se também com a exposição do acusado, conforme se depreende da leitura do artigo 5º, LX da Constituição Federal “a lei só

poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem41”.

Fato notório que a publicidade de processos criminais potencializada, muitas vezes, pela imprensa induz um debate sensacionalista, de certo modo fantasioso que, além da repugnante possibilidade de influenciar no julgamento dos envolvidos, dificultará uma futura reinserção do indivíduo na vida social, no caso de eventual condenação e, pior, será desnecessariamente julgado pela opinião pública em caso de inocência. Nesse sentido sustenta Luís Roberto Barroso:

“Embora deva ser transparente e prestar contas à sociedade, o judiciário não pode ser escravo da opinião pública. A ribalta, a fogueira de vaidades ateada pela mídia, as paixões que a exposição pública desperta são frequentemente incompatíveis com a discrição e recato que devem pautar a conduta de quem julga... Juízes e tribunais não podem ser populistas nem ter seu mérito aferido em pesquisa de opinião”42 Dessa forma, há de se interpretar o presente princípio como uma garantia do acusado, mesmo que para isso seja necessário adequá-lo ao caso concreto, tendo em vista as circunstâncias específicas que processo impõe no tocante a eventuais riscos à defesa da intimidade, imagem, honra e da vida privada das partes.

40 Idem. 41

Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 19. Nov.2017.

42

BARROSO, Luis Roberto. Constitucionalidade e Legitimidade da criação do Conselho Nacional

de Justiça In Reforma do Judiciário – Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional 45/2004.

(38)

A ideia da publicidade como direito do acusado em um julgamento se faz imperativa, uma vez esta estar inserida em um contexto de Universalização dos Direitos Humanos com o escopo de implementar e desenvolver a democracia no plano global43.

Nesse contexto cumpre salientar que o Brasil ratificou em 1992 o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 que estabelece em seu artigo 14-1 que:

Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores44(grifo nosso)

Assim resta claro a possibilidade tanto da imprensa como do público em geral de serem privados do acesso a determinados atos processuais no intuito de ser assegurado prerrogativas do acusado, com vias de se garantir um posicionamento da justiça isento de pressões e interesses externos ao processo.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, também conhecida como Pacto São José da Costa Rica, ratificada pelo Brasil em 1992, no mesmo sentido. dispõe em

43

MANSOUR, Rodrigo. A Publicidade e suas limitações – A tutela da Intimidade e do Interesse Social na Persecução Penal. Dissertação de Mestrado em Processo Penal. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2010. Pag. 34. Disponível em: http://www.teses.usp.br/index.php?

option=com_jumi&fileid=17&Itemid=160&lang=pt-br&id=C7A28C6BEBAC. Acesso em 19. Nov. 2017.

44

BRASIL. Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Ratificado por meio do Decreto no 592, de

6 de julho de 1992. Disponível em:

(39)

seu artigo oitavo, nº 5, que “o processo penal deve ser público, salvo no que for necessário

para preservar os interesses da justiça”45

.

Partindo do pressuposto que a publicidade é um direito do acusado, este poderá renunciá-lo solicitando ao juiz que seja decretado o sigilo daquele processo de maneira a protege-lo da habitual exposição oriunda da persecução criminal, que coloca, aos olhos da sociedade, o investigado ou acusado como virtual autor do delito.

Por conta disso, a doutrina divide o princípio da publicidade em alguns aspectos. O primeiro se refere a publicidade geral ou plena, ou seja, aquela cuja função é ser um instrumento democrático de controle tanto do judiciário como da administração pública lato

sensu, de forma a prevenir arbítrios eventualmente perpetrados pelo poder público. Já o

segundo aspecto denomina-se publicidade especial, a qual restringe informações do processo de acordo com a necessidade imposta pelo caso, de maneira a garantir um processo justo, em que prevaleçam o contraditório e ampla defesa, bem como as demais garantias do amplo conceito do fair trial, tais como, a intimidade do acusado contra a ingerência indevida do público sobre o privado, no interesse da própria justiça em manter-se isenta e apta a decidir de maneira escorreita, entre outros.

O que pode causar alguma estranheza é que assim como a publicidade especial, a publicidade plena também tem como escopo assegurar garantias ao acusado, uma vez que o mecanismo de controle ensejado pela publicidade dos atos judiciais (conhecimento da coletividade acerca dos motivos que justificaram a decisão judicial) visa, conforme dito, evitar abusos de poder do judiciário.

Além disso, tem-se a divisão entre a publicidade interna e a externa, que consiste em distinguir a publicidade que atinge diretamente os atores do julgamento advinda do próprio processo, daquela que repercute fora do processo. A primeira está intimamente ligada a ideia, já mencionada, de oportunizar às partes acesso aos autos, viabilizando o exercício de direitos,

45

Pacto São José Da Costa Rica. Disponível em:

http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em 19. Nov.2017.

(40)

tais como, o da ampla defesa e do contraditório, sendo assim praticamente irrestringível. Já a segunda se refere a maior legitimidade conferida aos atos processuais pela fiscalização da sociedade em geral que deverá ter acesso ao desenrolar do julgamento e pode ser, como veremos a seguir, restringida.

Em relação a publicidade externa tem-se ainda a distinção entre a publicidade imediata e mediata, ou seja, aquela fornecida por meio da Imprensa Oficial (imediata) que comunica o público acerca dos atos judiciais de forma instantânea quando da sua publicação; e aquela decorrente da evolução tecnológica que possibilitou o contato do público com as decisões judiciais de maneira mediata.46

Portanto, especialmente acerca do uso da publicidade geral, também denominada de irrestrita47 ou da publicidade especial, também conhecida como restrita48, faz-se necessário observar, nos termos do exposto no capítulo primeiro deste trabalho, a solução mais adequada, no caso concreto, que respeite da forma mais efetiva, simultaneamente, os direitos da coletividade em ter acesso às informações de interesse público, que refletem um sistema de controle democrático dos atos do poder público (publicidade irrestrita), bem como o direito a intimidade e demais garantias do devido processo legal das partes envolvidas no processo (publicidade restrita), sendo certo que a publicidade opressiva de julgamentos criminais não corresponde à característica primeira deste princípio, qual seja, ser uma garantia do acusado.

46

MANSOUR, Rodrigo. A Publicidade e suas limitações – A tutela da Intimidade e do Interesse

Social na Persecução Penal. Dissertação de Mestrado em Processo Penal. Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo. 2010. Pag. 44. Disponível em: http://www.teses.usp.br/index.php? option=com_jumi&fileid=17&Itemid=160&lang=pt-br&id=C7A28C6BEBAC. Acesso em 19. Nov. 2017

47 Idem. 48 Idem.

(41)

A Constituição Federal reforça essa ideia da necessidade de ponderação entre o princípio da intimidade do acusado interessado no sigilo dos atos processuais e do interesse público em ter acesso à informação em seu artigo 93, inciso IX que dispõe:

“IX- todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. ”49(grifo nosso)

Assim, embora com restrições, percebe-se pela análise do dispositivo constitucional, em consonância às convenções e tratados internacionais que versam sobre o tema, uma tendência do ordenamento em dar prevalência à publicidade “com inevitáveis instantes de

excepcionalidade constitucional de sigilo para alguns atos e em certas circunstâncias. Essa excepcionalidade que deve, em cada caso concreto, passar pelo crivo da proporcionalidade, com o objetivo de atingir a legitimidade constitucional...” 50.

Um bom exemplo a respeito dessa supracitada colisão de princípios é a controvérsia a respeito da transmissão televisiva de julgamentos na seara penal. Não há dúvidas de que a transmissão ao vivo de julgamentos por meios de comunicação de massa cumpre à risca o direito de acesso à informação dos cidadãos, no entanto, é cediço também, que quando se trata de assunto criminal depoentes e investigados podem ter uma enorme exposição, de consequências irreversíveis, às suas imagens.

No julgamento da Medida Cautelar em Mandado de Segurança 24.832 -7- DF – Relator Cezar Peluso – Pleno – j.18.3.04 – DJ 18.8.06 – maioria, o Supremo Tribunal Federal 49

Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 15 out. 2017

50

ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Publicidade e Proporcionalidade..., op. cit. p.42 apud MANSOUR, Rodrigo. A Publicidade e suas limitações – A tutela da Intimidade e do Interesse

Social na Persecução Penal. Dissertação de Mestrado em Processo Penal. Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo. 2010. Pag. 34. Disponível em: http://www.teses.usp.br/index.php? option=com_jumi&fileid=17&Itemid=160&lang=pt-br&id=C7A28C6BEBAC. Acesso em 19. Nov. 2017

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