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3. O PODER DA IMPRENSA BRASILEIRA: INTERESSES ECONÔMICOS E

3.3. Casos emblemáticos que contaram com demasiada ingerência

3.3.3. Caso Família Nardoni

Outro episódio que chamou a atenção da mídia foi o homicídio da jovem Isabela Nardoni, de apenas 5 anos, atirada pela janela do apartamento do pai, Alexandre Nardoni, no sexto andar do Edifício London, no distrito da Vila Guilherme, em São Paulo, na noite de 29 de março de 2008.

Na mesma noite, a polícia descartou a hipótese de acidente uma vez ter sido verificado que a tela de proteção da janela havia sido cortada. A versão apresentada pelo pai e madrasta da menina era de que um “ladrão” se aproveitou do momento em que foram buscar os outros filhos no andar térreo e deixaram a menina em casa sozinha, para cometer o crime.

Entretanto, no desenrolar das investigações constatou-se, devido a relatos de vizinhos e de laudos de peritos que encontraram resíduos de tela de proteção na roupa Alexandre, bem como vestígios do sangue de Isabela na sua bermuda92, o pai foi condenado à pena de 31 anos, um mês e dez dias, enquanto a madrasta, Anna Carolina Jatobá, foi condenada a 26 anos e oito meses de prisão, ambos em regime fechado

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O advogado de defesa, o criminalista Roberto Podval, criticou a perícia e questionou as provas, que, segundo ele, não existiam.

O que impressionou no caso, além, é claro, da crueldade do crime, foi a intensa cobertura midiática, que acompanhou o avanço das investigações e o julgamento dos acusados por aproximadamente dois anos exibindo cada passo dado pelo casal, sendo tudo comentado por especialistas em direito penal. A campanha pela condenação foi uma das mais impressionantes da história democrática brasileira, chegando ao ponto de que, no dia do julgamento, gritos de populares pedindo a condenação, eram ouvidos na sala de audiência.93

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MELO, Celso de. Voto Embargos Infringentes na Ação Penal 470. Disponível em:

https://www.conjur.com.br/2013-set-18/leia-voto-celso-mello-conceder-embargos-infringentes. Acesso em 20. Nov.2017.

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Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/crimes/caso-isabella- nardoni/n1596994872203.html. Acesso dia 20. Nov. 2017.

TVs divulgaram em tempo real a reconstituição do crime, que foi feito em um domingo à tarde. E a sentença condenatória do casal foi lida, com a ajuda de altos falantes, na porta do Fórum e recebida com palmas e fogos pelas pessoas que estavam ali, acompanhando de perto o Júri.94

Tamanha foi a repercussão que o Instituto Datafolha realizou pesquisa para apurar se a sociedade considerava a cobertura midiática acerca do caso exagerada. Conforme apurado, 57% entre os 1.087 entrevistados avaliaram a cobertura jornalística como parcial. O estudo também revelou que quanto maior o grau de escolaridade da pessoa consultada pelo Datafolha, maior foi a reprovação em relação às reportagens realizadas.95

Wadih Damous, à época presidente da Seccional da Ordem dos Advogados Brasil do Rio de Janeiro condenou expressamente à ingerência da opinião pública no julgamento do Caso Nardoni e a flexibilização das prerrogativas da defesa ao longo do processo, segundo ele tratou-se de um pré-julgamento que culminou com a agressão do advogado dos acusados na porta do Fórum de Santana por populares.

O direito de defesa é um princípio civilizatório comumente desrespeitado pelas tiranias. Hoje, com o caso Isabella Nardoni, presenciamos a substituição da tirania estatal pela tirania da opinião pública e da mídia. Poucas vezes se viu em nosso país tamanho desrespeito às prerrogativas da defesa, com agressões morais e físicas na porta do Fórum ao advogado encarregado da defesa do casal Nardoni. Quem decreta a inocência ou a culpa de um acusado é o Poder Judiciário, não os jornais nem chamada opinião pública. O que estamos vendo é um inaceitável pré-julgamento, o que gera a impressão de um jogo de cartas marcadas, onde a sentença condenatória já está proferida. Tal quadro abre um precedente gravíssimo de atentado ao Estado de Direito, onde todos são inocentes até a sentença penal condenatória transitada em julgado. Empresto a minha irrestrita solidariedade ao advogado Roberto Podval,

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LOUREIRO, Fernanda Batista. A Condenação Antecipada do Acusado em Face da Exposição Exacerbada da Mídia e da Revogada Lei de Imprensa. UNICEUB – Centro Universitário De Brasília. 2011.

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RAHAL, Flávia. Palestra Publicidade opressiva no processo penal, proferida no 16o Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, no dia 25 de agosto 2010. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-ago-26/publicidade-excesso-autos-atrapalham-exercicio-ampla-defesa. Acesso em: 20. nov.2017.

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A pesquisa foi divulgada pelo Datafolha na data de 20 de maio de 2008. Disponível em: <

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2008/05/20/isabella_70_aprovam_policia_no_caso_mostra_pesq uisa_1 319591.html>. Acesso em: 20. Nov. 2017.

que, com bravura, tem exercido a sua missão constitucional, sem medo da impopularidade, em prol do sagrado direito de defesa96

Nesse mesmo sentido caminhou o posicionamento da Seccional de São Paulo que bradou por uma justiça que não se confunda com vingança97, em respeitos às garantias constitucionais positivadas e internalizadas por tratados e convenções internacionais. Alexandre de Sá Domingues, por sua vez, concluiu que todos esses fatos foram decorrentes de uma excessiva publicidade das investigações, que objetivaram, tão somente, aumentar os índices de audiências dos respectivos canais de comunicação.

É inquestionável que a população tem o direito à informação, e a imprensa deve ser livre para divulgá-la, mas a dúvida que queremos suscitar é a seguinte: O que é informação? Seráá́ que se pode chamar de informação, conclusões parciais e unilaterais a respeito de casos tão complexos? A efemeridade da notícia, força a conclusões rápidas e muitas vezes precipitadas, e mesmo que as primeiras conclusões se mostrem insubsistentes, seráá́ tarde demais, pois a sociedade já formou seu juízo de valor. Casos de repercussão são verdadeiros pratos cheios para a imprensa que busca elevar seus índices de audiência, palanque para a vaidade de autoridades e políticos demagogos, que ao darem suas opiniões preocupam-se em não contrariar as presunções já existentes, evitando se tornar impopulares, se curvando aos apelos da Mídia

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ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECCIONAL DO RIO DE JANEIRO. OAB-RJ quer garantia às prerrogativas da defesa no caso Isabella Nardoni. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://www.oab- rj.org.br/index.jsp?conteudo=11998>. Acesso em: 20. Nov. 2017

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ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECCIONAL DE SÃO PAULO. Conselho Federal e Seccional paulista condenam hostilidade durante o exercício profissional da advocacia. São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/noticias/2010/03/26/6013/?searchterm=Nardoni>. Acesso em: 20. Nov. 2017

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DOMINGUES, Alexandre de Sá. Teorias Precipitadas. Artigo publicado na revista virtual do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Disponível em:

CONCLUSÃO

Este trabalho de conclusão de curso buscou trazer soluções acerca da colisão dos direitos fundamentais da liberdade de expressão e do direito a um julgamento justo, demonstrando a importância do primeiro para a manutenção de um Estado de Democrático de Direito e do segundo com vistas diretas às garantias processuais perfazendo um ideal de dignidade da pessoa humana.

Tudo isso pautado pela demonstração teórica das técnicas de ponderação que visam a maximização dos efeitos de cada princípio constitucional, buscando solucionar a controvérsia com a menor restrição de direitos possível.

Além disso, buscamos trazer alguns precedentes do direito norte-americano de forma a fazermos uso do direito comparado e poder estabelecermos um debate exclusivo da problemática no direito brasileiro, bem como as referências no assunto observadas no Pacto São José da Costa Rica e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Realçamos, sem eximir o Poder Judiciário da sua parcela de culpa, da nociva ingerência da mídia como um todo no processo decisório criminal, dando luz às razões econômicas que motivam a divulgação de notícias eivadas de sensacionalismos e imprecisões que somente estimulam um debate esvaziado na sociedade, se afastando cada vez mais da função social primeira desses canais de comunicação.

Não se buscou tratar a mídia como um inimigo do processo penal, pelo contrário, ressaltamos a importância da imprensa como um instrumento de controle das instituições e de efetivação do sistema democrático que ainda demonstra fragilidades no Brasil pós Constituição Cidadã de 1988, apenas apontamos indevidas abordagens que o próprio Código de Ética do Jornalismo também condena.

Além disso restou claro a necessidade de adoção de medidas preventivas para se evitar a opressiva publicidade midiática que se observa em casos de grande repercussão social ou mesmo quando envolve pessoas públicas.

Assim entendemos que para um sistema democrático se manter firme sobre seus próprios pilares faz-se mister defendermos uma imprensa plural e independente, apta a realizar sua função social. No entanto, para evitar excessos como os relatados uma reforma em nosso sistema processual penal se faz necessária no sentido de utilizarmos um sistema semelhante ao que o direito anglo-saxão chama de contempt of court, ou seja, o próprio judiciário agir, preventivamente, no intuito de impor maiores limites às informações e reportagens advindas da mídia, que, de alguma forma possa influir na imparcialidade e nos demais pressupostos de um julgamento considerado justo.

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