A atuação do AFM, enquanto elemento responsável pela supervisão comportamental, é na
generalidade dos autores destacada como um ponto positivo deste modelo, apontando como
principal ineficiência a capacidade de interligação entre a política monetária e a micro e macro
supervisão prudencial (FMI, 2011; Parst et al, 2004; Dort, 2012; Kremers e Schoenmaker, 2010).
No entanto destacam igualmente, com exceção da Dort (2012), que este modelo teve uma
atuação na sua globalidade melhor que a dos restantes modelos da europa (G30, 2008),
sobretudo pela capacidade de resposta aos efeitos de contágio e controlo do risco sistémico.
Reconhecidos os pontos menos fortes do modelo, várias medidas estão a ser tomadas para os
colmatar, designadamente, um fortalecimento dos poderes de atuação e sancionatório das
agências de forma a ter uma atuação mais proactiva e conclusiva, e um incremento das políticas
de gestão e tratamento da supervisão macro prudencial para conseguir controlar melhor os ciclos
de expansão e de retração (FMI, 2011).
2.2 CASO REINO UNIDO
A regulação financeira no Reino Unido até aos anos 70 focava-se essencialmente nas regras dos
contratos celebrados entre os intermediários e os clientes, caraterizavam-se pela informalidade
sendo regidos pelo senso comum ou pressões que as agências sofriam (G30, 2008). A supervisão
estava sobre a alçada do “Bank of England” (doravante BoE) com a parceria do “Her Majesty’s
Treasury” (doravante HMT), agência criada para apoio direto na supervisão das entidades
bancárias, em particular para os processos de insolvência.
No ano de 1997, o Reino Unido opta por um modelo de regulação e supervisão financeira
integrado, com a estrutura visível na figura 3, como resposta ao crescimento dos intermediários
financeiros, aos problemas da regulação das seguradoras dos anos 80 e como forma de
acompanhar a globalização financeira. (G30, 2008).
Este novo modelo só entrou em total atividade em 01 de Dezembro de 2001, quando a agência
Financial Services Autority (doravante FSA) assume a supervisão e regulação de todo o sistema
financeiro do Reino Unido (BCE, 2010; G30, 2008). No entanto, as duas agências que já existiam
permaneceram em atividade ficando o BoE responsável pela gestão da política monetária e
estabilidade financeira (Dort, 2012). O HMT manteve o seu papel na gestão da supervisão em
particular nos processos de insolvência de algum agente financeiro e enquanto intermediário entre
o FSA e BoE e o parlamento Inglês (Dort, 2012)
O FSA, enquanto agência independente do poder governativo (Dort, 2012) e segundo o artigo do
G30 (2008), tinha quatro objectivos, a atingir sempre sob os princípios da “boa” regulação:
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a) assegurar a confiança no mercado e nos seus intervenientes,
b) assegurar a proteção dos consumidores,
c) promover a concorrência justa e transparente, e
d) reduzir os crimes financeiros.
Figura 3: Modelo de Regulação integrado do Reino Unido
Fonte: Group of thirty, “The structure of Financial Supervision: Approaches and Challenges in a Global Marketplace”. (p.179). Disponível em http://www.group30.org/images/PDF/The%20Structure%20of%20Financial%20Supervision.pdf. Acedido em 28 de junho, 2013.
Com esta alteração de estrutura eliminaram a dupla supervisão e permitiram uma visão geral
sobre todo o mercado financeiro. Não obstante, a supervisão prudencial e comportamental
estavam separadas da política monetária e ainda da agência que fazia a interligação com o
Parlamento. Apesar da visão global, havia ainda necessidade de assegurar que as relações e
trocas de informações entre os três organismos (FSA, HTM, BoE) fluíssem, para evitar conflitos de
interesses e barreiras geradoras de entraves aos princípios da “boa” supervisão. Neste sentido foi
assinado um Memorando de Entendimento em 1997, que determinada as responsabilidades de
cada um e como seriam coordenadas as atividades.
O Reino Unido é dotado de uma das maiores e mais evoluídas praças financeiras da europa e do
mundo (Langfield et al, 2012). O seu sistema financeiro, em 2006, era composto por 22 350
agentes com licença de exercício (G30, 2008), tendo aproximadamente 400 bancos e 1100
empresas de seguros. O relatório da Autoridade Bancária Europeia (doravante ABE) de 2012,
indica que o total de ativos sob gestão dos bancos do Reino Unido ultrapassa em 500% o Produto
Interno Bruto (doravante PIB).
26
O mercado financeiro do Reino Unido demarca-se, ainda, por duas características muito
específicas (e que também se verificaram na Holanda): a concentração e a interligação. Os seis
maiores bancos do Reino Unido, em 2011, eram detentores de mais de 80% do total do
envolvimento bancário registado. Por outro lado, o volume de crédito interbancário atingiu, em
2011, 78,5% do capital exigido para o core tier one dos seis grandes agentes presentes no
mercado inglês (G30, 2008).
No ano de 2011, foram emitidos 176 relatórios dirigidos às agências de supervisão das 490
Instituições bancárias com licença de exercício. Os restantes 314 são os referidos como
não-bancos, instituições financeiras que são derivados dos principais grupos bancários aumentando a
concentração e o risco de contágio deste setor.
A figura 4 espelha os laços de ligação entre os diferentes agentes bancários faltando ainda a
interligação também existente ao setor segurador, sendo fácil de perceber a forte dependência
que existe entre os diferentes intermediários.
Figura 4: Interligação do sistema Bancário no Reino Unido
Fonte: Langfield, S., Liu, Z., & Ota, T. (2012). Mapping the UK interbank system. European Banking Authority Mimeo (p.13)
Com um mercado financeiro com estas características, os efeitos da crise do subprime fizeram-se
sentir de forma acentuada. As entidades de regulação financeira inglesas e a Autoridade Bancária
Europeia (doravante ABE) determinaram que o principal fator de ineficiência da regulação foi a
supervisão macro prudencial (Langfield et al, 2012). O facto de manter o foco nas árvores e não
na floresta, subavaliando o efeito do risco sistémico num mercado tão concentrado e interligado,
foi apontado pelo FSA (2009) como uma das causas para os fortes efeitos da crise que ainda hoje
atravessa o mercado financeiro do Reino Unido e Europeu.
27
A crise do subprime e os seus efeitos levantaram um conjunto de críticas à atuação das agências
de regulação, levando mesmo a alteração do modelo de supervisão para o Twin Peaks que entrou
em total atividade no dia um de abril de 2013 (CII, 2013).
Segundo a MacNeil, I. (2011), esta alteração resulta do reconhecimento das falhas no controlo e
monitorização do sistema financeiro.
Como já foi referido, o FSA era uma instituição não governamental com poderes para definir e
gerir as regras, técnicas e intensidade da supervisão. A reunião de tais capacidades e a captura
dos regulados sobre os reguladores são algumas das críticas apontadas ao modelo integrado.
Paralelamente, as dificuldades de cooperação entre a supervisão comportamental, prudencial e as
políticas de estabilidade, quanto aos interesses e metas a atingir são outro ponto apontado por
MacNeil, I. (2011) para alteração para o modelo Twin Peaks, referindo ainda que a crise serviu
como catalisador da cooperação entre o FSA e o BoE mas sempre com relevante controvérsia.
Foram estes os principais motivos que levaram, em 16 de Junho, a ser anunciado no Parlamento
Inglês a alteração do modelo de supervisão para o Twin Peaks, como alternativa ao criticado
modelo em vigor, em particular ao FSA e de como geriu a situação de insolvência do Norden
Rock, procurando um sistema mais eficiente e que dê melhores respostas aos períodos de crise
como o iniciado em 2007 (Dort, 2012).
A figura 5, infra, representa o esquema da nova estrutura do modelo de regulação e supervisão do
Reino Unido.
Nesta nova estrutura, o FSA deixa de existir (HMT, 2010; Dort, 2012; CII, 2013) e surgem dois
novos agentes de regulação: o “The Prudentional Regulation Authority” (doravante PRA) e o “The
Financial Conduct Authority” (doravante FCA). Como ilustra a figura 5, a nova estrutura
regulamentar é, ainda, composta pelo “Financial Policy Committee (Doravante FPC)
O BoE mantem a gestão da política monetária e passa a agregar a responsabilidade da
supervisão macro e micro prudencial através de duas agências independentes, mas parte
integrante da estrutura do BoE, FPC e PRA, respetivamente.
Neste enquadramento, o FPC (Dort, 2012, CII, 2013; HMT, 2011; BCE, 2010) assume a
responsabilidade pela supervisão macro prudencial, tendo assim o objetivo de garantir a
estabilidade do sistema como um todo e detetar possíveis pontos de desequilíbrio com
antecipação para minimizar os seus efeitos de contágio entre os diversos intermediários.
Detetadas imperfeições no sistema, o FPC dispõe de autorização para utilizar um conjunto de
medidas como exigir níveis de capitais reforçados, alterar a percentagem de capital necessária
para cada tipo de ativo detido pela IF e definir o nível máximo que o rácio de transformação pode
atingir.
28
F
igura 5: Diagrama da nova Estrutura RegulatóriaFonte: CII (2013). Towards twin Peaks: the UK´s emerging regulatory landscape. Policy briefing.(p.2).
O HMT enquanto elemento próximo das entidades governativas tem a responsabilidade de
aconselhar e apoiar o FPC na gestão da supervisão macro prudencial. Contudo, o FPC tem
legitimidade para recusar qualquer medida que o HMT sugira caso não concorde com ela (CII,
2013).
Como foi indicado, o PRA é também um interveniente diretamente dependente do BoE
(considerado na figura 5 como agente subsidiário). Como o próprio nome o indica, é o organismo
responsável pela regulação prudencial, uma vez que, a macro prudencial é da responsabilidade do
FPC. O PRA está incumbido da gestão da supervisão micro prudencial das seguradoras, das
empresas de investimento e das IF’s que podem aceitar depósitos. Em suma, de todas as IF’s
onde o risco de contágio é relevante.
A particularidade desta agência é ter como objectivo, não evitar a insolvência de todas as firmas
mas sim, assegurar que em caso de falência a mesma não influencia os seus concorrentes
(minimizar o efeito de risco de contágio). Não obstante, o controlo das exposições, dos níveis de
liquidez e capital de cada IF individualmente são, assim, as funções do PRA.
29
Com uma concentração de poderes no BoE o seu líder será um elemento com extrema
importância, responsabilidade e influência sobre um dos maiores e complexos sistemas
financeiros (CII, 2013; Dort, 2012), facto que tem levantado algumas preocupações no seio político
Inglês.
O FCA, independente das outras agências de supervisão, foi criado com o intuito de coordenar a
supervisão comportamental de todo o sistema financeiro, sendo ainda o responsável pela
supervisão prudencial de pequenas IF’s, como pequenas instituições de investimentos e
corretoras. Com efeito, o FCA adquire poderes para promover a confiança e transparência dos
serviços financeiros e fortalecer a proteção dos consumidores.
A defesa dos consumidores e a luta contra o abuso de posição dominante são os grandes
objetivos do FCA, tendo a função de validar todos os produtos financeiros a lançar, com a
necessária agilidade e pro-atividade em detetar situações que possam ser prejudiciais para os
clientes, sendo que só com o seu aval podem ser comercializados (HMT, 2012; CII, 2013). O fim
último é promover uma concorrência transparente e que vá de encontro com os interesses dos
clientes.
Em conformidade com os restantes Twin Peaks conhecidos na Europa, também, neste caso a
necessidade de a comunicação fluir e a definição de objetivos claros para todas as entidades é
visto como uma premissa fundamental para o sucesso do modelo (Dort, 2012; DLA, 2012). O
artigo da DLA (2012) destaca mesmo o risco de conflitos de interesses entre os reguladores como
uma das principais pontos que pode pôr em causa a validade de um modelo que consideram
trazer melhorias importantes para o sistema financeiro inglês.
Ao nível da supervisão europeia é o BoE que se vai fazer representar no AEAB e o PRA vai
assumir a responsabilidade de ser o intermediário com a ABE, sendo que o HMT mantem-se como
representante do Reino Unido na negociação das diretivas europeias de regulação e supervisão.
A DLA (2012) aponta algumas preocupações sobre a independência e liberdade das agências
inglesas desenvolverem a sua atividade num período de reforço da supervisão a nível Europeu
centralizado, retirando alguma hegemonia às entidades locais, funcionando muitas vezes
enquanto intermediários e limitados na sua capacidade de atuação. Desta forma, as agências
nacionais poderão ver limitados os seus poderes de intervenção no sistema financeiro.
Os Twin Peaks Holandês e Inglês foram os selecionados para este estudo pois permitiam ter uma
perspetiva das motivações e causas da sua adoção em estados de economia mundial diferentes.
No caso Holandês, a sua implementação é feita numa época de grande expansão dos mercados
financeiros, dos conglomerados e forte interligação das suas IF´s com intermediários nacionais e
internacionais. Por outro lado, o Reino Unido surge como resposta às consequências da crise
financeira de 2007. Com estruturas semelhantes na aplicação do modelo (centralização no Banco
Central da política monetária e supervisão prudencial, apesar do modelo Inglês criar subsidiária
para a gestão especializada da micro e marco supervisão prudencial) a versão Inglesa por só
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estar em plena atividade cerca de um ano, ainda, não permite validar os propósitos que pretende
atingir, como o Holandês que já teve que enfrentar a crise do subprime. No entanto, a perspetiva
do Reino Unido é importante para se validar os pressupostos da sua adoção e quais os métodos e
práticas que estiveram na base da definição dos objetivos das agências supervisoras para evitar
os erros do passado.
No próximo capítulo, vai ser analisado o caso Português. A evolução que teve a regulação e
supervisão, as agências que hoje operam neste campo, o tipo de mercado financeiro existente e,
por fim, testar a possibilidade de adoção do Twin Peaks tendo por base as especificidades do
mercado Português e as experiências e metodologias que Holanda e Reino Unido utilizaram nos
seus modelos.
No documento
Manuel Alberto Malhado Ribeiro
(páginas 34-41)