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O Caso Administração das Finanças do Estado / Simmenthal – Acórdão 09/03/1978 (Processo 106/77)136 envolveu como partes a Administração das Finanças do Estado e Sociedade Anônima Simmenthal (sede em Monza, Itália). Teve por objeto decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 189.° do Tratado CEE (aplicabilidade dos regulamentos, diretrizes e decisões do Direito Comunitário nos ordenamentos nacionais) e

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Bem ressalta Christopher Brown que a conclusão dessa decisão baseou-se em uma interpretação extensiva e teleológica do Direito Comunitário (Disponível em: <eutopialaw.com/2013/02/05/van-gend-en-loos-at-50/>. Acesso em: 31 de maio de 2013).

134Corrobora com esse posicionamento Vauchez (2010, p. 12): “Thereby, in itself, Van Gend en Loos cannot be

said to have called for what nowadays is said to be its ‘logical’ consequence: the affirmation of the principle of

supremacy of European law as a whole. On the contrary, and because of its thorough nature and its argumentative richness that have been pointed out by many authors, the judgment actually left open a wide

margin of interpretation. The very wavering of the decision’s terminology is quite telling in this regard: while the

English speaking version referred to the ‘direct effects’, the French one used the words ‘effets immédiats”. Tradução livre do excerto: Desse modo, em si, do Caso Van Gend Loos não pode ser dito o que hoje é

considerado sua consequência ‘lógica’: a afirmação do princípio da supremacia do direito europeu como um

todo. Pelo contrário, e devido à sua natureza profunda e sua riqueza argumentativa que têm sido apontados por muitos autores, o julgamento realmente deixou em aberto uma ampla margem de interpretação. A oscilação terminologia da decisão é bastante reveladora a esse respeito: enquanto a versão de língua inglesa referiu aos

‘efeitos diretos’, o francês usou as palavras 'efeitos imediatos’.

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Complementando: “As with any foundational myth, the principles ‘uncovered’ in 1963–1964 have been

‘vindicated and validated again and again’ at each of the critical steps of Europe, from the 1973 enlargement to

the various projects of European Constitution from 1984 onwards, and from the Maastricht Treaty to the Lisbon Reform Treaty. The consequences of this judicial ‘discovery’ seem so far-reaching that it has become almost

impossible to imagine ‘what EU law would have been without the decisions of 1963 and 1964’ and, consequently, ‘what Europe would be without the European Court of Justice?” […] “One decision [Caso Van

Gend & Loos] being seen as the mere endorsement of the other’s ‘logical consequences’, the commentators of the Costa case meeting the predictions they themselves had made in the wake of Van Gend en Loos, the two cases got solidly linked together becoming thus one unique cornerstone of a far-reaching doctrine with the Court at the core of EC polity.” (VAUCHEZ, 210, p. 1-2 e 20).

sobre as consequências decorrentes em caso de conflito com disposições contrárias de direito nacional137.

Conforme o princípio da aplicabilidade direta das normas comunitárias, estas são dotadas de plenitude de efeitos, de modo uniforme em todos os Estados-membros, a partir da sua entrada em vigor e durante todo o período de sua vigência. Da mesma maneira, seus efeitos impedem a formação de atos legislativos posteriores que sejam incompatíveis com as normas de direito comunitário.

A aplicabilidade directa, assim perspectivada, implica que as normas de direito comunitário produzam a plenitude dos seus efeitos, de modo uniforme em todos os Estados-membros, a partir da sua entrada em vigor e durante todo o período da respectiva vigência. [...] Além do mais, por força do princípio do primado do direito comunitário, as disposições do Tratado e os actos das instituições directamente aplicáveis têm por efeito, nas suas relações com o direito interno dos Estados-membros, não apenas tornar inaplicável de pleno direito, desde o momento da sua entrada em vigor, qualquer norma de direito interno que lhes seja contrária, mas também [...] impedir a formação válida de novos actos legislativos nacionais, na medida em que seriam incompatíveis com normas do direito comunitário. (grifo nosso)138.

O Caso Simmenthal, portanto, permitiu o reconhecimento do princípio da autonomia do Direito Comunitário, o qual, independentemente da incorporação por processo legislativo nacional, entra em vigor imediatamente no ordenamento jurídico do Estado-membro e, em consequência, afasta os efeitos de qualquer norma de direito interno de conteúdo contrário ao disposto na normativa comunitária. Por sua vez, qualquer forma de reconhecimento da eficácia da norma comunitária por órgão legislativo nacional invade o domínio do poder legislativo da Comunidade Europeia, o que implica negação ao caráter efetivo do compromisso assumido pelos Estados-membros de modo incondicional e irrevogável, por força do seu Tratado.

A decisão do TJUE, portanto, estabelece que o juiz nacional é responsável, no âmbito das suas competências, pela aplicação das disposições de direito comunitário, cabendo-lhe a obrigação de garantir o pleno efeito de tais normas e decidir pela não aplicação de qualquer norma de direito interno que as contrarie, ainda que tal norma seja posterior, sem que tenha de

137 Em específico, tratava-se de contradição entre regulamentação comunitária e lei nacional posterior sobre o

mercado de carne bovina (cobrança de taxas incompatíveis com as disposições comunitárias). A lei posterior havia sido declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional Italiano em 1977 (Acórdão nº 163/77), perdendo posteriormente, a questão, seu objeto.

138 Caso Administração das Finanças do Estado / Simmenthal – Acórdão 09/03/1978 (Processo 106/77). TJCE.

requerer ou mesmo aguardar a prévia eliminação da referida norma pela via legislativa ou por quaisquer outros procedimentos constitucionais de derrogação normativa do direito interno.