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A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969, somente tornou-se obrigatória a sua observância no Brasil pelo Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Contudo, no plano internacional, as suas disposições são observadas há mais tempo, fruto da consolidação de costumes e práticas internacionais em relações internacionais.

Resta saber que não apenas as decisões do Poder Judiciário diretamente afetam a posição externa do Brasil, como também os juízes nacionais são autoridades de direito internacional, aos quais submetem a interpretação e aplicação de normas internacionais, e suas decisões podem gerar responsabilidade internacional do Estado.

Segundo Lupi (2007, p. 1330), a prática dos tribunais brasileiros revela uma desconsideração de seus compromissos e normas externas nas decisões de seus juízes,

cabendo aos órgãos jurisdicionais superiores a menção e observância das normas internacionais156.

A jurisprudência brasileira prefere interpretar os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário conforme sua Constituição, desconsiderando, na maioria dos casos, previsões em tratados internacionais, principalmente conforme dispõe a Convenção de 1969. Resta hoje saber qual seria o posicionamento da jurisprudência brasileira em virtude da recente ratificação da Convenção de Viena de 1969 (LUPI, 2011, p. 255)157.

Portanto, o Poder Judiciário deve, à luz não somente das previsões internas e constitucionais, avaliar as normas internacionais do qual o Brasil seja signatário, evitando o descumprimento de acordos no plano internacional, uma vez que tais acordos foram aprovados pelos Poderes Legislativo e Executivo, bem como são passíveis de controle de constitucionalidade os tratados internacionais de que o Brasil seja parte.

Uma vez que os empréstimos internacionais constituem-se em acordos celebrados por sujeitos de Direito Internacional, é necessário que a interpretação de suas disposições considere os dispositivos da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, uma vez que é instrumento legítimo de Direito Internacional a auxiliar na aplicação das disposições convencionais em que o Brasil é parte signatária.

SEÇÃO 3 - Interpretação de Tratados Artigo 31 - Regra Geral de Interpretação

1. Um tratado deve ser interpretado de boa-fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade.

O número 1, do art. 31, determina que a interpretação deve observar três diretivas: o princípio da boa-fé, o sentido comum inserido nos termos do tratado, e o objetivo e a finalidade dos quais o tratado dispõe. Observa-se que a interpretação afasta-se tão-somente da leitura da norma expressa e utiliza-se de mecanismos sistematizados de compreensão da vontade originária do acordo internacional.

156Em complemento: “[…] as perspectivas de aplicação das normas internacionais parecem resumidas a casos

em que a legislação nacional não oferece uma resposta precisa. Como observado em outros países, os juízes preferem aplicar a norma interna à internacional”. (LUPI, 2007, p. 1331).

157 O Projeto de Artigos sobre Responsabilidade Internacional dos Estados, elaborado pela CDI e recomendado

pela Resolução n. 59/35 (2007), prevê no artigo 4º que todo ato do Estado, seja executivo, legislativo ou judiciário, pode ensejar a responsabilidade do Estado. O Artigo 12 dispõe que há uma violação internacional quando um ato de Estado não está em conformidade com o que é requerido pelas obrigações internacionais desse Estado, não importando sua origem ou sua natureza. Em repetição ao que determina o art. 27 da CVDT [Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969], o artigo 32 exclui o Direito Interno do Estado como justificativa peara o descumprimento de suas obrigações internacionais (ILC. Responsability of States for Internacional Wrongful Acts. In: United Nations, General Assembly. Resolution 56/83. 12 December 2001: <www.un.org> apud LUPI, 2011, p. 225, grifo nosso).

Ressalta-se que inicialmente a interpretação de um tratado internacional deve observar o próprio texto acordado, no qual se pretendem verificar os parâmetros da boa-fé e seus objetivos.

2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos:

a) qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em conexão com a conclusão do tratado;

b) qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado.

O número 2, no mesmo art. 31, define que para a interpretação do acordo internacional em tela pode-se valer de tratados posteriores relativos a este. A única reserva é que tais tratados posteriores que objetivam, direta ou indiretamente, interpretar ou clarificar determinada disposição acordada anteriormente, devem ser celebrados com todas as partes, ou, sendo celebrado não com todas as partes, as demais devem expressar o seu aceite por outro instrumento complementar.

O número 2 do art. 31 amplia o conjunto de normas convencionais de referência do próprio tratado, incluindo qualquer acordo firmado entre as partes, seja numa reunião diplomática, correspondência ou tratados posteriores que modificam, emendam ou detalham o conteúdo do tratado original. (LUPI, 2011, p. 234-235)158.

O objetivo é preservar o conteúdo do acordo e a manifestação de vontade de todas as partes. Para tanto, faz-se necessário que todas as partes inicialmente envolvidas expressem sua concordância em acordos posteriores que alteram ou complementam as disposições originais anteriormente celebradas.

3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto:

a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições;

b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação;

158

O rigor do Poder Judiciário nacional para examinar os tratados tende a desconsiderar esses acordos da rotina diplomática, pois, por serem pontuais, seguidamente complementares e baseados em tratados já aprovados pelo Congresso Nacional, revestirão a forma de acordos executivos, sem processo de internalização [ratificação pelo sistema brasileiro]. Carecendo da formalidade da aprovação congressional e da promulgação, não será surpresa se o Judiciário recusar-lhe força obrigatória para efeitos do Direito Interno [Caso STF EXT 905, Bélgica ]. Agora, com a aprovação da CVDT [Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969] e a necessidade de deferir maior atenção aos detalhes de seu texto, mister aplicá-la inteiramente, passando a atribuir ao Direito interno a mesma força que no Direito Internacional têm os acordos entre as partes conexos aos tratados analisados. Logo, chegando a Judiciário demanda envolvendo um tratado, pode-se bem com base no artigo 31.2 considerar acordos informais, memorandos e resoluções tomadas pelas partes para dar sentido aos termos do tratado. (LUPPI, 2011, p. 235, grifo nosso).

c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes.

Juntamente aos dispositivos enumerados, a Convenção de Viena de 1969 também inclui como procedimentos válidos para a interpretação acordos posteriores que tratam especificamente da interpretação do tratado originário, práticas adotadas na aplicação do mesmo, bem como regras do Direito Internacional que sejam aplicadas às partes.

Trata-se, portanto, de buscar o entendimento conforme as fontes de Direito Internacional, valendo-se de disposições de outros tratados por eles ratificados, costumes ou mesmo princípios gerais do Direito. Dessa forma, entende-se que o juiz não poderá interpretar uma norma tão-somente conforme o ordenamento jurídico nacional, mas sim conforme o sistema normativo internacional no qual o tratado se insere, ou seja, aplicam-se quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes. (LUPPI, 2011, p. 237).

A Convenção também permite que determinado termo em sentido especial possa ser estabelecido, desde que haja anuência entre as partes159.

O artigo 32 da Convenção de 1969 consiste na alocação em um nível secundário dos elementos interpretativos extratextuais160, ou seja, daqueles não baseados em normas convencionais ou no entorno normativo que os cerca. Trata-se, destarte, de recurso subsidiário e excepcional de interpretação. (LUPPI, 2011, p. 239).

Os trabalhos preparatórios são as memórias dos entendimentos e negociações realizados em uma celebração de tratado, principalmente em acordos multilaterais. O uso confirmatório consiste em confirmar ou reforçar uma data interpretação. Já o uso determinativo visa sanar o entendimento quando ocorre ambiguidade (interpretação ambígua de determinada norma), obscuridade (falta de clareza, quando não se é capaz de desvendar o sentido da interpretação de determinada norma), resultado manifestamente absurdo (quando a interpretação escandaliza o bom senso, produzindo uma situação que jamais poderia ter sido almejada pelos signatários do tratado) ou resultado manifestamente desarrazoado (quando há

159 Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 (Decreto no 7.030/2009). Artigo 31. 4. Um termo

será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das partes.

160 Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 (Decreto no 7.030/2009). Artigo 32. Meios

Suplementares de Interpretação. Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação, inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado e às circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do artigo 31 ou de determinar o sentido quando a interpretação, de conformidade com o artigo 31: a) deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou b) conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou desarrazoado.

prejuízo para uma das partes, por interpretação tendente a beneficiar uma das partes). (LUPPI, 2011, p. 240-42).

Para gerar informações válidas no Direito Internacional, o tratado precisa ser autêntico, devendo-se determinar qual será a interpretação válida e autêntica de comum acordo entre as partes. Pode-se eleger uma língua como autêntica para a solução de conflito de interpretação, devendo essa opção ser expressa no texto do tratado161.

O juiz nacional deve, portanto, interpretar os tratados internacionais conforme dispõem os artigos 31 e 32 da Convenção de Viena de 1969, uma vez que a mesma já foi devidamente ratificada pelo Brasil. Atribui-se o caráter obrigatório e não apenas costumeiro de reconhecer os métodos interpretativos serem aplicados na análise de um tratado internacional, desvinculando-se de uma interpretação rasa e fundamentada em método nacional.

Por sua vez, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 constitui-se como instrumento válido e mais indicado para a sua utilização como meio de interpretação e aplicação de normas internacionais, pois objetiva preservar o caráter convencional e os fundamentos políticos que convergiram em ato obrigatório em nível internacional.

Dessa forma, em caso de divergência de aplicação entre normas brasileiras e internacionais, a simples solução pela lex posteriori derogat legi priori e pela lex specialis

derogat legi generali não se sustenta, uma vez que os termos da norma internacional, os

trabalhos preparatórios, os acordos conexos de interpretação e as práticas posteriormente seguidas na aplicação das normas serão determinantes para definir sua aplicação no Brasil.