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CATEGORIA C: ENFOQUE DO CURRÍCULO SUBCATEGORIA C.1 Ênfase reabilitadora

4. OS DISCURSOS DOS ATORES ENVOLVIDOS NO PBL

4.3. CATEGORIA C: ENFOQUE DO CURRÍCULO SUBCATEGORIA C.1 Ênfase reabilitadora

Este modelo de ensino nos ajuda a perceber não uma técnica, mas uma variedade de técnicas para resolver um só problema e a estarmos preparados para resolver qualquer problema que nos deparamos no nível de fisioterapia. (Q1ºO2) Eu acho que esta a começar a pensar na saúde da população em geral, mas ainda é voltado para a clínica, já começamos a perceber o domicílio, não somente em hospitais. É uma das coisas do fisioterapeuta pode fazer. (EA1ºP)

Não temos tanta coisa com a população, estudamos mais a parte clínica, por exemplo, se aparece um doente com na dor não sei onde, fazer a avaliação desta articulação e pronto, é basicamente isto. (EA1ºM)

O currículo do curso, eu sei que podemos retribuir na comunidade, mas até hoje não vi nada, sei que

para a frente do curso há um módulo de que falamos da comunidade e podemos trabalhar na comunidade. Mas até agora não vimos nada e não tenho conhecimento para saber como isto funciona. (EA2ºP)

Contempla a saúde da população, principalmente no módulo de comunidade, mas poderia ser dado maior enfoque desde o início do curso. (Q3º9) O módulo comunidade permite-nos identificar as prioridades em saúde e atuar na prevenção. (Q4º7) O que acontece que esta cultura da profissão esta presente nos educadores clínicos, nas atitudes dos docentes, na maior parte dos docentes, que mesmo no modelo do PBL pode ter comportamentos consistentes como tinham antes na temática mais positivista....Tem também o curso para docentes, suas práticas e as práticas dos educadores clínicos que são muito focadas para a abordagem positivista e são muito marcantes para a identidade dos estudantes. (EC)

Nesta subcategoria os alunos do 1º e 2º anos enfocam o ensino da técnica, afirmando que estudam mais a clínica e que o currículo está começando a pensar na saúde da população. De acordo com estes alunos, até o 2º ano não haviam visto nada sobre comunidade e que existiria um módulo de comunidade que abordaria este assunto. Neste sentido, os alunos do 3º e 4º anos relatam que contemplam a saúde da população no módulo curricular denominado de ―Fisioterapia na comunidade‖, e que este módulo permite trabalhar a partir de uma lógica mais preventiva.

Quando direcionamos a atenção para o currículo do curso de Fisioterapia da ESTSP percebemos que as unidades curriculares, na forma que estão descritas estão tão fragmentadas quanto o currículo tradicional. Como já vimos anteriormente, no 1º ano as unidades curriculares são: Introdução a Fisioterapia, Fisioterapia em Condições Cardio-Respiratórias 1, Fisioterapia em Condições Neuro-Músculo Esqueléticas 1, Fisioterapia em Condições Neuro-Músculo Esqueléticas 2, Educação Clínica I . No 2º ano os alunos participam das seguintes unidades curriculares: Fisioterapia em Condições Neurológicas 1,

Fisioterapia em Condições Neurológicas 2, Fisioterapia em Condições Neuro –Músculo Esqueléticas 3, Educação Clínica 2, Fisioterapia em Condições Neurológicas 3. No 3º ano as unidades curriculares são: Fisioterapia em Condições Cardio-Respiratórias 2, Educação Clínica 3, Fisioterapia em Condições Médico Cirúrgicas e Fisioterapia na Comunidade. Por fim, no 4º ano as unidades curriculares são: Fisioterapia em Condições Neuro–Músculo Esqueléticas 4, Educação Clínica 4 e Projeto de Fisioterapia.

Esta organização de ensino fragmentado, em que a matriz curricular é formada por compartimentos incomunicáveis produz uma formação humana insuficiente para o enfrentamento das práticas sociais que exigem formação mais crítica e humanista. A formação superior dos profissionais de saúde foi, de modo geral, historicamente construída sobre a fragmentação de conteúdos e organizada em torno de relações de poder, as quais conferiram ao professor especialista uma posição de centralidade no processo de ensino-aprendizagem. Essa construção e o enfoque privilegiado nos determinantes biológicos, na doença e no trabalho hospitalar - vincularam-se à excessiva especialização e ao distanciamento dos conteúdos curriculares necessários à formação de um profissional de saúde com perfil capaz de responder às necessidades da população.

Tal dificuldade relaciona-se com o perfil dos egressos, fruto de uma formação que, por muito tempo privilegiou a especialização, o uso intensivo de tecnologia e os procedimentos de alto custo. Neste âmbito, abordagens que se referem à ética, à humanização e ao cuidado são colocadas em segundo plano (ALBUQUERQUE et al., 2009).

Estas desarticulações contribuem para o descompasso entre a formação em saúde e as necessidades de saúde, daí surgem três aspectos cruciais: (1) A falta de integração entre o ensino básico e o profissionalizante, (2) a formação de profissionais cada vez mais especializados e despreparados para uma atenção generalista, e (3) o ensino fragmentado em inúmeras disciplinas, que tantas vezes induz precocemente à formação profissional especializada (RODRIGUES; REIS, 2002).

Este modelo fragmentado não leva em conta as necessidades dos usuários e a compreensão do ser humano e do processo saúde-doença. Este fato foi identificado na análise do bloco temático processo saúde doença, visto que a saúde ainda corresponde ao modelo biomédico e se recusa em reconhecer o ser humano além de um conjunto de órgãos e sistemas que apresenta lesões ou disfunções, as quais podem ser resolvidas com técnicas.

A abordagem interdisciplinar seria uma forma de ultrapassar as fronteiras entre as disciplinas, mas os alunos relatam que existe um elo de ligação, que integra várias coisas ao mesmo tempo, portante a interdisciplinaridade no sentido de articular as disciplinas, acontece. Porém, a interdisciplinaridade no nível de articulação de diferentes profissionais da área da saúde parece não acontecer.

Os cursos de graduação na área da saúde adotaram algumas estratégias para transformarem seus currículos, cabendo mencionar: (1) a ruptura com as ―grades‖ disciplinares, (2) a opção por estruturas modulares integradas, (3) o desenvolvimento de atividades transversais, e (4) as experiências de práticas interdisciplinares (ALBUQUERQUE et al., 2007; REZENDE et al., 2006; DELLAROZA, VANUCCHI, 2005; LIMA, KOMATSU, PADILHA, 2003; FEUERWERKER, 2003).

A partir da fala dos participantes deste estudo identificamos que no curso de Fisioterapia da ESTSP há uma ruptura das grades disciplinares e a inserção de estruturas modulares, mas não existem atividades transversais e práticas interdisciplinares entre os diferentes cursos da área da saúde. Na sessão tutorial sobre distonia, do 2º ano, presenciei um diálogo sobre a articulação de um paciente com disfunção neurológica com o sistema respiratório deste paciente. Segue abaixo o diálogo:

A: Respiração na criança com distonia por alteração cifoescoliótica.

T: Onde é mais fácil ventilar. A: Sentado.

Os alunos continuam discutindo sobre a ação do diafragma sentado durante e inspiração e durante e expiração.

A: Não quer dizer que é uma questão de neurologia e não falarmos de outras áreas. A: É uma equipe transdiciplinar na área de fisioterapia.

Este diálogo indica que em momentos isolados e por indução dos alunos pode até ocorrer alguma articulação entre as disciplinas do curso.

Os alunos do 4º ano referem que no módulo da Fisioterapia na comunidade é possível identificar as prioridades em saúde e atuar na prevenção. Ainda assim, quando estes alunos relatam prioridades em saúde, esta prioridade diz respeito à reabilitação e a técnica, ou aos determinantes sociais? Refletindo sobre o bloco temático ―percepção do processo saúde-doença‖ entendemos que esteja relacionado com a

reabilitação, pois os alunos percebem a saúde como ausência de doença e percebem o paciente como uma pessoa doente e que necessita de profissional da área da saúde para tratar a doença. Outro fator importante é a ênfase na prevenção e nenhuma referência na promoção e educação em saúde, conceitos e atitudes que deveriam estar presentes nas vivências destes estudantes, visto que os alunos do 4º ano já passaram da Unidade na Fisioterapia na Comunidade.

O módulo curricular ―Fisioterapia na Comunidade‖ tem somente 15 créditos, o que é pouco em comparação com as outras unidades curriculares. Os alunos do 3º ano relatam a necessidade de conhecer mais sobre as necessidades de saúde da população desde o início do curso, o que é muito importante visto que pode representar uma indicação de que nesta unidade curricular, o aluno desvelou a importância deste tema e percebeu que deve ser abordado desde cedo no curso. Os alunos até o 2º ano relatam que a atenção do currículo do curso está voltada para a técnica e a clínica, isto quer dizer, até a metade do curso eles pensam desta forma. Caso houvesse uma inserção da forma de pensar na população mais direcionado para a promoção à saúde os alunos não teria a compreensão biológica do processo saúde- doença, e teriam uma compreensaõ mais próxima ao que preconiza a OMS, a saúde a partir dos determinantes sociais.

As falas desta categoria indica que o PBL é uma possibilidade para a organização (ruptura) disciplinar e para o currículo em estruturas modulares, mas representa um limite quanto às práticas interdisciplinares, visto que estas não acontecem ao longo do curso.

Outro limite do currículo é a pouca ou nenhuma inserção dos conteúdos sobre Saúde Pública no decorrer dos anos, visto que este termo não aparece em nenhum momento nas unidades curriculares e nem nas áreas científicas destas unidades. A Saúde Pública não está inserida nem na unidade curricular que se aproxima do tema ―Fisioterapia na Comunidade‖. As áreas do conhecimento que estão inseridas nesta unidade são: Fisioterapia, Ciências Sociais e Humanas, Biomatemática, Bioestatística e Bioinformática, Física e Gestão e Administração em Saúde. Então identificamos que a Saúde Pública não está presente no currículo de Fisioterapia da ESTSP.

SUBCATEGORIA C.2. Promoção da saúde a população

Penso que o currículo caminha no sentido de uma abordagem que procura cada vez mais a saúde do doente a todos os níveis. (Q1ºR2)

Tenho sentido uma grande preocupação nos vários níveis de prevenção e na sua aplicação. Penso também que a componente de ciências sociais e humanas tem um grande papel neste ponto. (Q2ºO6)

Deveria existir maior contato com a população, com as patologias reais; tanto promover ações fora da ESTSP como perceber diversos indivíduos no nosso contexto prático. (Q3º6)

Se calhar14 um situação problemática que desperta a consciência de que realmente se eu intervir na população ou se eu focar na promoção da saúde e não apenas no tratamento das doenças, se calhar consigo muito mais benefícios se criamos uma situação problemática neste sentido, acredito que eles vão tendo maior percepção do que se faz e do que não se faz e o que poderia fazer. (ET2º) Na pergunta do questionário aplicado aos estudantes sobre o currículo contemplar ou não estratégias de ligação à população que sejam eficazes no sentido de melhoramento da saúde, muitos alunos responderam somente sim e indica a fragilidade na concepção de saúde Ainda que a abordagem deste estudo seja qualitativa, percebemos a necessidade de expressar em números as respostas afirmativas. No 1º ano 29 dos 35 alunos responderam afirmativamente, no 2º ano 36 alunos acreditam nesta perspectiva, no 3º ano dos 28 alunos responderam afirmativamente, já no 4º ano dos oito alunos que participaram da pesquisa sete também concordaram. Estes dados indicam que os alunos percebem o currículo direcionado para a saúde da população em geral.

Mesmo os alunos percebendo o currículo direcionado à saúde da população, evidenciamos poucas unidades de registro que relatam ações de promoção da saúde da população. Os alunos do 1º e 2º anos relatam que a saúde deve acontecer em todos os níveis. Sabe-se que os níveis de atenção englobam promoção, prevenção, tratamento e reabilitação. Estes alunos relatam, também, a importância do componente social e humano, e a percepção do individuo no seu contexto mais prático, isto é, inserido na sua realidade.

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A promoção em saúde foi registrada em 1978 em Alma-Ata, na Rússia onde ocorreu a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, que expressava a necessidade de promover a saúde para todos os povos do mundo. A Conferência enfatizava que a saúde é um direito humano, e para isso é preciso haver mobilização dos setores sociais e econômicos, e não somente do setor da saúde. Também enfatizava a necessidade de minimizar a desigualdade social existente entre os países, principalmente entre os desenvolvidos e subdesenvolvidos (em desenvolvimento), para atingir a meta de ―Saúde para Todos no ano 2000‖. A Declaração de Alma-Ata foi assinada entre 134 países (Opas/OMS, 1978).

A declaração de Alma-Ata propõe a instituição de serviços locais de saúde centrados nas necessidades de saúde da população e direcionados a perspectiva interdisciplinar, envolvendo médicos, enfermeiros, parteiras, auxiliares e agentes comunitários, bem como a participação social na gestão e controle de suas atividades. O documento descreve as seguintes ações mínimas: educação em saúde voltada para a prevenção e proteção; distribuição de alimentos e nutrição apropriada; tratamento da água e saneamento; saúde materno- infantil; planejamento familiar; imunização; prevenção e controle de doenças endêmicas; tratamento de doenças e lesões comuns; fornecimento de medicamentos essenciais.

Nesse sentido, Heidmann et al. (2006) afirmam a importância da Carta de Ottawa de 1986, que objetiva reafirmar a importância da promoção à saúde. A Carta abrange um conjunto de cinco estratégias: políticas públicas saudáveis, ambientes favoráveis à saúde, reorientação dos serviços de saúde, reforço da ação comunitária e de desenvolvimento de habilidades pessoais. Para reforçar essas estratégias, foram realizadas outras conferências sobre o mesmo tema como a de Adelaide, em 1988, a de Sundsval, em 1991, e a de Jacarta, em 1997.

No Brasil, no mesmo ano da Carta de Otawa, ocorreu a 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), na qual foi proposto que a Saúde deve ser analisada de forma abrangente, como resultante de condições alimentares, habitacionais, educacionais, ambientais, entre tantas outras. O direito à saúde tem grande relevância no relatório final da 8ª CNS, e enfatiza-se que é dever do Estado e que todos os indivíduos devem ter acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde (BRASIL, 1986). O texto constitucional foi regulamentado pela Lei Orgânica de Saúde (Lei nº 8.080) que estabelece os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). As ações e serviços que integram o SUS são desenvolvidos de acordo com as

diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, e obedecem à alguns princípios básicos (BRASIL, 1990). A construção do SUS foi baseada nos preceitos constitucionais, e se norteia pelos seguintes princípios: a integralidade, que determina que ―o homem é um ser integral, bio-psico-social, e deverá ser atendido com esta visão integral por um sistema de saúde também integral, voltado a promover, proteger e recuperar sua saúde‖; a universalidade, que garante atenção à saúde a todo e qualquer cidadão, bem como o acesso a todos os serviços públicos de saúde; e a equidade, que garante o atendimento ao indivíduo conforme suas necessidades, em todos os níveis de complexidade, dentro do limite que o sistema pode oferecer para todos. Além destes, existem também os princípios organizacionais, ou seja, que regem a organização do SUS. São eles: regionalização e hierarquização, resolubilidade, descentralização, participação dos cidadãos, e complementariedade do setor privado (BRASIL, 1990b).

Considerando todos os diálogos que emergiram dos docentes e discentes deste estudo, percebemos que existem limites e possibilidades do PBL. Os limites seriam a concepção do processo saúde doença, falta de bases teóricas, tempo de estudo, currículo com enfoque reabilitador. E as possibilidades seriam a relação entre teoria e prática, o trabalho em grupo, o estudo independente e a interdisciplinaridade.

Quando direcionamos a atenção para a premissa de que o ensino tradicional forma alunos com a concepção de saúde biomédica e que o ensino progressista forma alunos com uma concepção integral em saúde, percebemos que o PBL neste caso, não se insere como modelo de ensino progressista e sim tradicional. Visto que o modo de ver e pensar saúde ainda corresponde ao modelo biomédico e se recusa em reconhecer o ser humano além de um conjunto de órgãos e sistemas que apresenta lesões ou disfunções, as quais podem ser resolvidas com o auxílio de outros recursos diferentes dos tecnológicos.

Compreendemos que estes dados foram coletados em Portugal e poderiam ser importantes somente para Portugal, mas as diretrizes para a saúde são determinadas pela OMS, além do que o PBL teve sua origem na Europa, e este modelo deve seguir a sequencia dos sete passos. Portanto, esta reflexão é cabível no Brasil também.

Para ser docente num modelo de ensino que se diz progressista, é preciso que as mudanças aconteçam, não só a nível pedagógico, mas também na concepção em saúde deste docente. Contudo, para que ocorra transformação o docente tem que estar disposto a mudar, a mudança tem que ultrapassar os limites de si e atingir o outro, problematizando a própria realidade e o seu contexto de trabalho.

A formação docente continuada é fundamental neste processo de mudanças, pois possibilita o crescimento pedagógico e a reconstrução da prática educativa, sinalizando novas formas de vivenciar o trabalho docente e contribuindo para uma formação acadêmica direcionada à promoção à saúde, à formação discente mais crítica, mais reflexiva e mais humanista.

Visando responder ao último objetivo específico, no próximo capítulo apresentaremos as possíveis contribuições no ensino superior em fisioterapia que pode ser aplicado tanto na instituição pesquisada como nos cursos de fisioterapia no Brasil.

5. POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES NO ENSINO SUPERIOR EM